O dilema da direita uruguaia na coalizão com o fascismo
- Opinión
O ambiente nas ruas de Montevidéu nesta segunda-feira, 25 de novembro, é como se no domingo tivesse havido um empate entre Nacional e Peñarol, o centenário clássico de futebol do Uruguai que magnetiza a atenção da sociedade uruguaia.
A torcida que ganha no empate – a direita – está acabrunhada, envergonhada e preocupada, ao passo que a torcida que perde no empate – a Frente Ampla – está altiva, orgulhosa e confiante.
Nem parece que no dia anterior o povo foi às urnas numa das mais apertadas – senão a mais apertada – disputa eleitoral de toda sua história para escolher o presidente que governará o país no período de 2020 a 2025.
O resultado final da votação ainda não foi promulgado pela Corte Eleitoral. Quando o escrutínio alcançou 99,49%, começou a apuração, que é mais demorada, de 35.102 votos “observados”, ou seja, os votos coletados em separado de eleitores que votaram fora da sua sessão – policiais, militares, plantonistas da saúde etc.
Como a diferença que o direitista Lacalle Pou livrou em relação ao frenteamplista Daniel Martínez é menor que a quantidade de votos separados, a justiça eleitoral só divulgará o resultado após a contagem total, que deve ser finalizada até 29 de novembro.
Lacalle Pou, num movimento inaudito para a tradição política do país, fez uma perigosa coalizão com a extrema-direita extremista e fascista representada pelo general Guido Manini Ríos e seu Cabildo Abierto.
O paradoxo é que esta coalizão com a extrema-direita fascista que poderá lhe render a vitória eleitoral, também poderá lhe gerar um enorme passivo político, dadas as contradições que carrega.
Lacalle Pou é eleitoralmente fraco, não tem cacife próprio. Ele teve apenas 28% de votos próprios no 1º turno [11% menos que Martínez], seu partido elegeu 10 senadores e 30 deputados ante 13 senadores e 42 deputados da bancada da Frente Ampla, e ele é tido pelo senso comum uruguaio como uma figura aristocrática, sem empatia popular.
Diante desse cenário de debilidades, a relação de Lacalle Pou com o general fascista, cujo partido elegeu 11 deputados e 3 senadores, é mais de dependência para tentar viabilizar a sobrevivência do seu governo, do que de aliança política equilibrada.
Como ficou claro no apertado resultado eleitoral, o Uruguai se assustou com o fascismo de Manini Ríos [ler aqui], um extremista incontrolável que, com sua toxicidade, causou relevante perda de apoio social a Lacalle Pou.
Se Lacalle Pou abandona Manini Ríos, perde maioria parlamentar da coalizão e capacidade de iniciativa no Congresso. E, assim, ficaria dependente da Frente Ampla para aprovar políticas de austeridade fiscal, privatização e desestatização que são impensáveis para a Frente Ampla.
Se a eleição durasse mais 24 horas, os efeitos do absurdo vídeo de Manini Ríos [aqui] seriam devastadores para Lacalle Pou, que seria ultrapassado com folga por Daniel Martínez.
O fenômeno do final da campanha alterou qualitativamente a conjuntura uruguaia e poderá determinar mais limites e impasses que possibilidades para um eventual governo Lacalle Pou.
Com uma trajetória de queda acelerada na reta final da disputa, a direita pode vencer a eleição perdendo apoio político, enquanto a Frente Ampla poderá perder a eleição ganhando importante musculatura política que lhe empresta enorme autoridade para polarizar e se contrapor às políticas ultraliberais destrutivas.
No domingo houve migração não só de eleitorado da direita para a esquerda; mas, sobretudo, e paradoxalmente, houve o deslocamento de base política e social em direção à Frente Ampla. Este deslocamento poderá ser ainda significativo tanto maior for a relevância atribuída a Manini Ríos no bloco da direita/extrema-direita.
25 de novembro de 2019
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