A opção pela desinformação no caso Aracruz

17/03/2006
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A violência começa pela negação do outro e é agravada pela negação de sua condição. Não é preciso invadir uma fazenda para consumar uma agressão. É perfeitamente possível ser violento apenas com palavras, gestos e imagens, sobretudo quando se dispõe de alta tecnologia, mão-de-obra qualificada e diversos benefícios do governo. Ao ignorar o significado e as dificuldades inerentes a quem traz no nome a ausência do lar, as Organizações Globo cometem um ataque virulento a todos os brasileiros que não possuem o mais elementar direito, que é o direito à terra. Conseqüentemente, nega-se também o direito à moradia e ao trabalho, posto que é ali, na terra, que os pobres do campo buscam sua labuta. Quem disse "Ser sem terra pode; querer terra, não" não foi nenhum "extremista" ou "desordeiro", para usar duas palavras tão caras ao jornalismo saudoso dos anos de chumbo, mas Luis Fernando Veríssimo, colunista do jornal O Globo, publicação que traz em seu editorial desta sexta-feira, 10/3, uma síntese do pensamento dos homens que enxergam no Brasil uma colônia que deve ser eternamente explorada para o benefício de poucos e a pobreza da grande maioria. E seria estranho se procedesse de outra forma. Devemos entender que as Organizações Globo são uma poderosa corporação, talvez a mais poderosa do país, pois além de trabalhar com produtos concretos e exportações (como fazem com as novelas), suas empresas controlam diretamente o capital subjetivo da nação, algo que nenhuma chapa de aço produzida por Antônio Ermírio de Moraes pode fazer. Dessa forma, enquanto corporação voltada prioritariamente ao lucro, é esperado que defendam o atual modelo econômico e se insurjam contra os grupos organizados que protestam contra a injustiça desse sistema que restringe o emprego e transfere a renda dos trabalhadores para este buraco negro chamado mercado financeiro, além de naturalizar a miséria, o desemprego e a fome. Este editorial de O Globo deveria ser estudado nos cursos de comunicação de jornalismo. Nele, para além do reacionarismo, há toda sorte de manipulação, como a omissão de informações relevantes e a descontextualização dos fatos. O jornal é omisso ao não ouvir os representantes da Via Campesina Internacional, que estavam no Brasil, e ao não explicar que a produção industrial do eucalipto e das acácias pela Aracruz Celulose está criando o chamado "deserto verde", pois além de a monocultura esgotar o solo, essas plantas consomem enormes quantidades de água. Além disso, o enxerto feito a partir de uma frase de João Pedro Stédile, devidamente retirada de seu contexto original, revela o tipo de jornalismo praticado pela maior empresa de comunicação do país. Mas isso não é tudo. Ou o editorialista é ignorante em economia (o que não acredito), ou agiu de má-fé e, nesse caso, considera seu leitor limitado - um Hommer Simpson, talvez. O texto diz que "as economias emergentes como o Brasil são cada vez mais dependentes de recursos externos para garantirem a prosperidade dentro de suas fronteiras". E continua: "Só inimigos do país veriam no investidor estrangeiros um inimigo a ser derrotado". Em primeiro lugar, as potências hegemônicas é que dependem dos demais países, já que seus recursos naturais estão terminando (gostaria de saber como eles fariam sem petróleo, água, ferro, manganês, nióbio, ouro, madeira, diamante e prata, entre outras riquezas, que saquearam à força outrora e saqueiam diplomaticamente hoje). Em segundo lugar, há que se diferenciar o investidor estrangeiro que chega para investir em capital produtivo do especulador estrangeiro, que vem apenas se aproveitar dos juros altos e lucra bilhões sem produzir um prego sequer. A crítica dos movimentos sociais, como o MST, é a este especulador, e não ao investidor. Como o jornal não faz essa distinção, acaba produzindo desinformação. Em terceiro lugar, ficam as perguntas: de que prosperidade exatamente estamos falando? Quem se beneficia com ela? Os novos bilionários ou os trabalhadores? Essa é a mesma prosperidade que derrubou nossa economia para a 15ª posição? Ou a que nos transformou no segundo país mais desigual do mundo? No entanto, uma corporação não dispara seu pesado arsenal sem um bom motivo. Como pano de fundo dessa campanha orquestrada contra o MST está a certeza de sua capacidade de organização, sua conscientização política e sua educação solidária e humanista (pelo método Paulo Freire). Enfim, todos esses valores que aterrorizam a sociedade de consumo. - Marcelo Salles é jornalista da Revista Caros Amigos.
https://www.alainet.org/de/node/114627?language=en
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