Perguntas e respostas sobre a TV Digital
02/07/2006
- Opinión
Especialista no assunto, o jornalista Gustavo Gindre em entrevista ao Brasil de Fato esclarece algumas dúvidas sobre o que mudará com a nova tecnología
Mestre em Comunicação, Gustavo Gindre, 35 anos, é jornalista e coordenador do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indesc). É editor responsável do portal de notícias Prometheus, criado no contexto do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. Veja, abaixo, entrevista concedida ao Brasil de Fato.
Brasil de Fato - Quais são as possibilidades que a implantação de um sistema de TV digital trazem para o país?
Gustavo Gindre - A TV digital tem vários caminhos possíveis para serem seguidos, desde os mais limitados, que seriam transmissões com uma definição quase três vezes melhor que a atual, até outras coisas completamente diferentes disso. A alta definição implica que só aparelhos de TV, que hoje custam 15 ou 20 mil reais, receberão essa qualidade de imagem. Essa é a opção da Rede Globo, por um padrão que enfatize a alta definição.
BF - Quais são os diferenciais técnicos do sistema de TV digital?
Gindre - A TV digital transforma imagem analógica em digital. Ela permite fazer uma coisa que nossos computadores já fazem, que é tratar indistintamente dados. No computador você pode ver um filme, escutar uma rádio ou editar um texto. No computador uma foto, um vídeo ou uma música são a mesma coisa, números. Antes uma coisa era rádio, outra coisa era TV, outra era transmissão de dados. E agora tudo é dígito.
BF - E o que mudaria em nossa forma de assistir televisão?
Gindre - A TV digital permite que você coloque transmissão de dados na TV, e ela passa a ser interativa se tiver um canal de retorno. Esse canal de retorno pode ser telefone celular, telefone fixo, internet discada, banda larga, cabo. É possível acrescentar serviços como governo eletrônico, acesso a informações de governo. Para nós, é óbvio acessar o sítio do governo, mas se levarmos em consideração que só 15 ou 20% da população brasileira tem computador, essas informações podem chegar aos 90 e poucos % de brasileiros que têm um aparelho de TV.
BF - Quais são as principais diferenças entre os padrões japonês, europeu e estadunidense?
Gindre - O americano é ruim, porque é o primeiro. Ele paga o preço do pioneirismo. É uma evolução do analógico; não um padrão que já surge digital. O europeu e o japonês, por serem mais recentes, já têm mais evoluções tecnológicas. O fato de estarmos saindo depois pode ser uma vantagem, e não uma desvantagem. Vamos ter alguns avanços tecnológicos que o padrão americano não tem, pois eles fizeram isso no início dos anos 90. Tanto com padrão japonês como com o europeu dá para fazer coisas muito legais. Se o Brasil não precisasse produzir ciência e tecnologia, eu não teria nenhum problema em adotar o modelo europeu, que eu acho muito interessante, pois não optou pela alta definição. A questão não é só essa. Se a gente pode gerar empresas e tecnologias brasileiras nas universidades brasileiras, eu prefiro isso a comprar algo feito com tecnologia importada, para ficar o resto da vida pagando a empresas.
BF - Como será feita a transição do sistema analógico atual para o digital?
Gindre - Durante o período de transição, cada canal atual ganha mais uma outorga, para continuar transmitindo em analógico e passar a transmitir em digital. Calculam que só é interessante você desligar o sinal analógico quando pelo menos 90% da população já tiver o digital. Por um período, teremos essas duas opções e isso implica em dar mais canal para quem já tem.
Só daqui a dez anos, quando você começar a desligar o analógico, mais canais poderão entrar. Aí você tem que pressupor que as emissoras vão devolver os segundos canais delas. O acordo seria esse. Agora, isso também pressupõe que daqui a dez anos o governo vai ter força para pedir os canais de volta. Se o governo não conseguir fazer isso, não entra mais ninguém.
BF - A opção por um modelo que enfatize a alta definição prejudicaria a ampliação do número de canais?
Gindre - Se não optarmos pela alta definição, mesmo hoje, dando um canal a mais para quem já está, é possível colocar muitos canais a mais, numa relação de quatro para um. Você tem aí dois caminhos. O da alta definição é um caminho elitista, caro. Com um sistema de alta definição não adianta comprar uma caixinha (um dispositivo) nas Casas Bahia por R$ 300 e botar na TV, que você não vai ver em alta definição. A caixinha te dá alguns serviços no campo da interatividade, mas não vai melhorar a imagem da TV. E ele é elitista porque não permite que mais emissoras entrem no dial (freqüência).
BF - Isso acabaria com a polêmica de que não há espaço disponível para mais emissoras...
Gindre - Cai por terra todo o discurso de que só dá para ficar esse pessoal na TV e no rádio, e não dá para colocar rádio comunitária nem TV pública porque o espaço é limitado. Você introduz dois elementos novos na TV. Primeiro, todos esses serviços que não são uma estação de televisão no sentido estrito do termo e esse é um elemento revolucionário, completamente transformador da televisão brasileira. Há um outro que não é revolucionário no sentido qualitativo, mas é revolucionário no sentido quantitativo e acaba, no final, sendo qualitativo que é ter mais canais. Essa não é uma mudança na forma da televisão, hoje mais canais ou menos não faria diferença. Mas se tivermos uma nova legislação de outorga, podemos pensar em canais comunitários, canais públicos, desde redes locais até nacionais. Porque não pensar num canal público de TV da cidade de São Paulo, gerido por ONGs e movimentos sociais? Não tem porque manter esse sistema de outorgas atual. A Constituição diz que o Brasil tem três sistemas de comunicação: o privado, o estatal e o público. Até agora, esse público só aparece no artigo 223 da Constituição. Vamos criá-lo então.
BF- Caso o padrão de alta definição seja realmente aprovado, não seria mais difícil para as pequenas emissoras produzirem programas?
Gindre - Dentro do mundo digital você tem a possibilidade de ter desde materiais muito mais acessíveis que os analógicos, até equipamentos que são muito mais caros. As emissoras pequenas e médias não atentaram para o fato de que a escolha pela alta definição não é ruim só para quem quer a democratização da comunicação. A Rede TV, a CNT vão ter condições de pagar 50 mil reais numa câmera? Porque esse é o valor de uma câmera digital profissional. Tudo terá que ser mudado, os estúdios, a iluminação, as instalações físicas, até maquilagem. O único estúdio de TV no Brasil preparado para a transmissão de alta definição é o Projac (complexo de estúdios da Rede Globo em Jacarepaguá/RJ). Quanto mais sofisticado mais você exclui as pequenas e médias emissoras privadas e as produtoras independentes de ONGs e movimentos sociais.
Mas aí a Globo diz que não vai conseguir exportar seu material porque o mundo inteiro transmite em alta definição. Isso não é verdade. Você produz em alta definição e para o mercado brasileiro você transmite em definição padrão.
- Ana Maria Straube de São Paulo (SP). Brasil de Fato
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