As veias (cada vez mais) abertas da América Latina
07/02/2008
- Opinión
Do centro da América do Sul, para os oceanos. Do Pacífico, para o Atlântico. Do Atlântico, para o Pacífico. Não importa a direção e o sentido. O destino será quase sempre o mesmo: o mercado externo.
Essa é a lógica da Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), mega-projeto que, como o nome revela, tem como objetivo a conexão rodoviária, fluvial, marítima, energética e de comunicação do continente.
A IIRSA foi criada em agosto de 2000, em Brasília, por 12 países sul-americanos (só a Guiana Francesa não aderiu), quando, em um encontro que tinha o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como anfitrião, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) apresentou o projeto. Todos os governantes aceitaram a sugestão.
Extração
“A IIRSA obedece ao modelo de liberalização dos mercados, privatização e extração de recursos. O objetivo é o de acelerar a exportação de matérias-primas”, opina a mexicana Paulina Novo, coordenadora do Projeto Biceca (Construindo Consciência Cívica Informada para a Incidência e a Conservação na Amazônia Andina, na sigla em inglês), que realiza amplos estudos sobre a IIRSA.
Ela lembra que, além dos inúmeros impactos que os mega-projetos podem causar no meio ambiente e nas comunidades camponesas e indígenas (quase nunca consultadas ou ouvidas de modo inadequado), o projeto, além de manter a dependência da América do Sul em relação às nações ricas, pode aprofundar as assimetrias internas e regionais, pois abrirá as portas para os produtos brasileiros nos demais países do continente. O Brasil, por sinal, figura como o grande impulsionador regional da iniciativa.
Privatização
A IIRSA prevê 507 grandes obras em 20 anos, com um investimento total estimado em 70 bilhões de dólares. Destes, segundo Paulina, 21,2 bilhões de dólares já estão sendo executados, em 145 projetos.
Para o sociólogo Luis Fernando Novoa, da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, a iniciativa representa o estágio final das reformas neoliberais levadas a cabo desde os anos 1990. “Os setores econômicos que sobrevivem aos processos de reestruturação são absolutamente dependentes dos mercados internacionais como supridores, intermediários ou distribuidores. Ao invés do tripé desenvolvimentista dos anos 1960/1970 (Estado, capital nacional e capital estrangeiro), o que se prefigura em projetos como esse é um organismo público-privado que operacionaliza e naturaliza a lógica do capital financeiro e dos setores privatistas, em nome da competitividade, da produtividade e do crescimento”, avalia.
Segurança jurídica
Para ele, a IIRSA deve ser encarada não como um projeto em si mesmo, e sim como “uma metodologia de repasse de recursos naturais, mercados potenciais e soberania a investidores privados, em escala continental, com respaldo político e segurança jurídica”.
Na página na internet da IIRSA (www.iirsa.org), pode-se ler que a iniciativa tem “como objetivo promover o desenvolvimento da infra-estrutura com base em uma visão regional, procurando a integração física dos países da América do Sul e a conquista de um padrão de desenvolvimento territorial eqüitativo e sustentável”.
Para Magnólia Said, presidente do Centro de Pesquisa e Assessoria (Esplar), não é bem assim. De acordo com ela, o projeto não foi pensado como proposta de aproximação entre países e suas populações, mas como incorporação e adaptação de territórios, de modo que estes possam trazer benefícios de interesse ao capital.
Endividamento
“Nenhum dos projetos de infra-estrutura definidos para as áreas de maior incidência de recursos estratégicos têm em vista favorecer as populações pobres, ribeirinhas, indígenas, quilombolas e camponesas”, analisa Magnólia, que lembra que um plano coordenado e financiado pelo BID não pode resultar em quebra de estrutura de dominação.
De acordo com dados de Paula Novo, do Biceca, os governos financiarão 62,3% dos projetos da IIRSA. A iniciativa privada bancará 20,9%, enquanto o restante virá de instituições financeiras, como o BID, a Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Brasil.
Ou seja, há ainda o risco da dívida externa dos países sul-americanos crescerem. “A dívida não é apenas uma questão financeira, mas, principalmente, um instrumento político, pois garante a implementação do interesse das instituições financeiras multilaterais e das grandes corporações, translatinas e transnacionais”, alerta Elisângela Soldatelli Paim, coordenadora de projetos do Núcleo Amigos da Terra Brasil.
Os eixos de exportação da IIRSA
Para facilitar o reordenamento territorial da América do Sul, a IIRSA divide o continente em dez eixos de integração. Muitas vezes sobrepostos e interligados, as áreas abarcam praticamente a totalidade da região.
Além disso, se vista numa perspectiva mais ampla, conclui-se que a IIRSA conecta-se com o Plano Puebla-Panamá (PPP), projeto semelhante que tem como objetivo “integrar” sete países da América Central e o sul mexicano (para facilitar o serviço, a Colômbia aderiu em 2006): ou seja, junto com a IIRSA, o PPP reorganiza, da Terra do Fogo ao México, o espaço latino-americano.
Dos dez eixos da IIRSA, quatro se destacam como fundamentais, por suas riquezas naturais e possibilidades de conexões: o Amazonas, o Hidrovia Paraná-Paraguay, o Capricórnio e o Andino.
Pacífico-Atlântico
O Amazonas mostra-se essencial por possuir uma grande quantidade de recursos naturais e abrigar cerca de 40% da biodiversidade do planeta. Além disso, é responsável por entre 15% e 20% de toda a reserva mundial de água doce não congelada.
Além dos recursos, sua principal “missão” é ligar os oceanos Pacífico e Atlântico. Para tal, os projetos desse eixo prevêem a conexão dos portos de Tumaco (Colômbia), San Lorenzo, Esmeraldas, Manta (Equador) e Paita (Peru) com os portos brasileiros de Manaus e Belém.
Melhoramento de portos, de vias terrestres e adequação de hidrovias estão previstas ou em andamento. Os rios, que quase sempre atravessam comunidades tradicionais e parques naturais, são peças-chave: os rios Huallaga, Marañon, Ucayali, Amazonas (Peru), Napo (Equador), Putumayo (Colômbia), serão os pontos de ligação com o rio Amazonas brasileiro.
Escoamento
O objetivo é claro. Além de cinco saídas do Brasil para o Pacífico (que abriga mercados como a China, a Coréia do Sul e o Japão), da possibilidade de exploração dos recursos naturais da região e da maior facilidade de exportação de produtos dos países andinos à Europa, o novo corredor seria uma excelente alternativa ao Canal do Panamá. Gonzalo Varillas, da Corporação de Gestão e Direito Ambiental do Equador (Ecolex – Equador) estima que, enquanto uma embarcação leva, por conta das filas, em média 40 dias para atravessar este último, para cruzar o novo “canal” gastaria cerca de 12 dias.
Já o eixo Hidrovia Paraná-Paraguay pretende, através de 3.442 kms navegáveis, ligar Cáceres, no estado do Mato Grosso, com Buenos Aires, na Argentina, à beira do Rio da Prata.
De acordo com o estudo sobre a IIRSA “Territorialidade da Dominação”, elaborado por Ana Esther Ceceña, Paula Aguilar e Carlos Motto, do Observatório Latino-americano de Geopolítica, tal hidrovia tem como meta facilitar o escoamento de produtos do Paraguai e, sobretudo, dos estados brasileiros do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo.
Vale lembrar que na área encontra-se o pantanal mais extenso do mundo. A adequação das hidrovias para agilizar o transporte pode causar graves danos ao sistema.
Ainda de acordo com o documento, existe a possibilidade de interligação dessa hidrovia com a Paraná-Tietê – ligando Buenos Aires a São Paulo – e com a hidrovia do Complexo do Rio Madeira. Como o Madeira desemboca no Amazonas, pode-se criar uma imensa hidrovia conectando Belém, no Pará, a Buenos Aires.
Recursos
Outro eixo que se destaca por suas riquezas naturais é o Capricórnio. Nele, encontra-se o gás boliviano, o petróleo da Bolívia e da Argentina, metais do Chile e da Argentina etc. A área conta com 16 projetos rodoviários e nove ferroviários, buscando, segundo o estudo do Observatório Latino-americano de Geopolítica, atender o setor agropecuário e industrial de Mato Grosso do Sul e São Paulo.
O eixo Andino, que engloba Bolívia, Equador, Peru, Colômbia e Venezuela, é mais um que abriga inúmeros recursos, como petróleo, gás, biodiversidade, minerais (ferro, bauxita, cobre) etc.
“Esta faixa tem um interesse fundamentalmente extrativo. No entanto, sua riqueza energética poderia atrair investimentos em indústrias pesadas, muito consumidoras dos mesmos, e também muito contaminadoras, como a siderúrgica e a metal-mecânica”, analisa o texto de Ana Esther Ceceña, Paula Aguilar e Carlos Motto. (IO)
Um projeto sob medida para as transnacionais brasileiras
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) sugeriu. Os países sul-americanos aceitaram. O Brasil aproveita. A IIRSA, mais além de ter sido pensada em benefício dos mercados dos países ricos, vem sendo executada, sobretudo, para favorecimento dos setores econômicos brasileiros.
“O BNDES e as empresas transnacionais brasileiras são um dos principais atores na implementação da IIRSA”, analisa Ricardo Verdum, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), para quem o país busca “o escoamento de suas produções e o acesso aos recursos que são de interesse do seu setor industrial”.
“A internacionalização subordinada do continente sul-americano entrecruza-se com uma regionalização ativa dos capitais de origem nacional ou postados no Brasil, com hegemonia do agronegócio e setores de serviços sob controle ou com forte participação do capital estrangeiro”, explica o sociólogo Luis Fernando Novoa, da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais.
Imposição
Segundo ele, daí se explica a prioridade da IIRSA em projetos de interligação entre o Atlântico e o Pacífico, porta de entrada para os mercados asiáticos em franco crescimento.
Para fazer valer seus interesses, o Brasil aproveita o grande poder político e econômico que possui na região para “impor” os mega-projetos aos demais países. “O Brasil age com a frieza de um negociador, na defesa de seus interesses de sub-império e dos interesses de governos aliados, notadamente, o governo americano. Age considerando a Amazônia, o Pantanal e os Andes como entraves ao desenvolvimento”, lamenta Magnólia Said, presidente do Centro de Pesquisa e Assessoria (Esplar).
Um dos exemplos da força político-econômica do país é o projeto hidroelétrico de Garabí, localizado no rio Uruguay, na fronteira entre a província argentina de Corrientes e o Rio Grande do Sul.
“Ele foi proposto na década de 1980 e foi paralisado com a forte oposição das populações ribeirinhas. Após a posse de Cristina Kichner, na Argentina, o governo Lula retoma fortemente as negociações. Atualmente, essa hidroelétrica integra a IIRSA, e vem sendo discutida pelos dois governos a portas fechadas, sem que ninguém na região saiba o que vai acontecer com o rio Uruguai”, explica Elisângela Soldatelli Paim, coordenadora de projetos do Núcleo Amigos da Terra Brasil.
PAC e IIRSA
Nesse contexto, outro elemento importante a se considerar é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e sua relação com a iniciativa proposta pelo BID.
“O PAC é um complemento nacional da IIRSA. Há uma série de obras que estão no primeiro que são também da segunda. E há outras que não estão na IIRSA, mas que têm conexão com o processo de integração das infra-estruturas, principalmente viárias e hidroviárias”, esclarece Ricardo Verdum, do INESC.
Apresentado pelo governo Lula como o grande alavancador do crescimento da economia brasileira para os próximos anos, o plano prevê um investimento de 290 bilhões de dólares entre 2007 e 2010.
No entanto, para Elisângela, a lógica do novo programa, longe de promover o desenvolvimento, é a mesma da IIRSA, ou seja, “criar a infra-estrutura necessária para garantir a exploração dos bens naturais e das populações a qualquer custo”.
Rio Madeira
Dessa forma, grandes obras que oficialmente estão fora da IIRSA estariam intimamente ligadas a ela, como o caso da transposição do Rio São Francisco. “Os eixos [da transposição] foram escolhidos para viabilizar as condições necessárias ao avanço do agronegócio na região e à integração de mercados internacionais”, analisa Magnólia, do Esplar. As conexões com os portos do Pacífico cairiam como uma luva.
Outro mega-projeto escolhido como essencial dentro do PAC, mas que também é prioritário para a IIRSA, é o Complexo do Rio Madeira, que faz parte do eixo Peru-Brasil-Bolívia. Com um orçamento de 16 bilhões de dólares, a obra, na fronteira com a Bolívia, prevê quatro usinas hidroelétricas e uma hidrovia.
No entanto, organizações sociais denunciam que seu objetivo é favorecer os grandes grupos econômicos com energia barata e que, além disso, causará enormes danos ambientais e sociais.
Entre os efeitos previstos, estão a inundação de terras de comunidades bolivianas e impactos nos rios da região. Segundo o Fórum Boliviano de Meio Ambiente e Desenvolvimento, 95% do caudal total dos rios bolivianos fluem pelo Rio Madeira, que é ainda fonte principal dos sedimentos em suspensão e sólidos dissolvidos da bacia. As represas, se construídas, acarretariam em redução do caudal e do nível de sedimentos. (IO e LB)
Presidentes de esquerda aderem à IIRSA
Um dos aspectos que mais chama a atenção na IIRSA é a adesão de governos de progressistas a seus projetos, como o de Hugo Chávez, da Venezuela, Rafael Correa, do Equador e Evo Morales, da Bolívia, conhecidos por proporem modelos alternativos de integração.
“Esses governos têm questionado alguns detalhes do modelo neoliberal, mas ainda estão presos ao ‘desenvolvimento econômico’ predatório aos bens naturais e das populações. A questão é que o modelo capitalista neoliberal de produção e consumo que depende e resulta na exploração da natureza e dos seus povos não está sendo combatido nas suas estruturas”, analisa Elisângela Soldatelli Paim, coordenadora de projetos do Núcleo Amigos da Terra Brasil.
O Equador de Rafael Correa, por exemplo, está inserido em dois importantes eixos da IIRSA: o Amazônico e o Andino. Dentre as diversas obras previstas para o país, destaca-se o projeto Manta-Manaus, uma das ligações de portos do Pacífico com o rio Amazonas, no Brasil, excelente alternativa ao Canal do Panamá.
Danos sócio-ambientais
A conexão contaria com um trecho terrestre, entre Manta e o Rio Napo, no Equador, e um trecho fluvial, do Napo ao Rio Amazonas. “Para tal, investimentos estão e serão feitos em portos, estradas, aeroportos e rios, para que estes se tornem navegáveis”, explica Gonzalo Varillas, da Corporação de Gestão e Direito Ambiental do Equador (Ecolex – Equador).
Quanto aos investimentos, leia-se, também, parcerias com a iniciativa privada. Em novembro de 2006, o governo equatoriano fechou um acordo de concessão de 30 anos com a empresa Hutchison Port Holdings, de Hong Kong, para a construção e operação de um terminal de contêineres no porto de Manta.
Além disso, para a execução do projeto Manta-Manaus (que, segundo Varillas, será financiado principalmente pelo BNDES), as construções de estradas e portos fluviais em território equatoriano não obedecem a critérios sociais e ambientais.
Há trechos de rodovias que passarão por parques nacionais, como o Llanganates, enquanto o porto da localidade de Belén está sendo construído às margens da Reserva Biológica de Limoncocha e do Parque Nacional Yasuní, considerado uma das maiores reservas de biodiversidade do planeta e habitat de povos indígenas em isolamento voluntário.
Trocas desiguais
No entanto, para Varillas, a inclusão do Equador na IIRSA trará um outro efeito: a continuação da dependência econômica. “O modelo de desenvolvimento agro-exportador se manterá e se aprofundará”, prevê. Nas relações comerciais com o Brasil, por exemplo, Varillas lista o tipo de trocas que se dará. O país andino importará bens como peças eletrônicas, veículos, medicamentos, aço, equipamentos industriais e tecnologia, enquanto exportará derivados de petróleo, camarão, banana, flores, cacau e suco de maracujá.
Já os riscos para a Bolívia, de acordo com organizações sociais do país, vêm, além do Complexo do Rio Madeira, também das estradas. “No contexto da IIRSA, a Bolívia cumprirá o papel de país de trânsito, prestador de serviços e fornecedor de energia”, opina Vivian Pereyra, do Fórum Boliviano de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fobomade).
Para ela, o país assume os custos das rodovias para facilitar o trânsito de cargas estrangeiras. Em relação à estrada Santa Cruz-Puerto Suárez, que faz parte do Corredor Bioceânico recentemente assinado por Brasil, Bolívia e Chile, a Organização Indígena Chiquitana (OICH) denuncia que o trecho atravessa territórios de povos indígenas, entre eles o chiquitano.
Integração
Segundo a entidade, 400 milhões de dólares serão gastos na via, enquanto estão reservados 26,5 milhões de dólares para a mitigação de impactos sócio-ambientais. A estrada traria, ainda, danos a parques naturais e pantanais da região.
De acordo com Maximo Liberman, gerente sócio-ambiental da Administradora Boliviana de Rodovias (ABC, na sigla em espanhol), todo o procedimento para a construção das rodovias é feito com base em consultas públicas.
Referindo-se à estrada Santa Cruz-Puerto Suárez, ele garante que “todas as comunidades e grupos indígenas que estão ao longo do eixo da rodovia a aceitaram e a avalizaram”.
Segundo Liberman, compensações são realizadas adequadamente e há um esforço para minimizar os impactos ambientais. Quanto à crítica ao papel das rodovias, justifica: “evidentemente, essas estradas irão favorecer o Brasil, mas, por outro lado, é integração de nosso território. A Bolívia também precisa desenvolver seu território e exportar seus produtos”. (IO e LB)
No Peru e na Colômbia, o neoliberalismo se aprofunda
Se o apoio de presidentes progressistas aos projetos da IIRSA causa estranheza, a plena adesão de governos de direita é vista como óbvia. Um dos exemplos é o Peru do presidente Alan García.
Por sua localização geográfica, é uma das nações essenciais da iniciativa, fazendo parte de quatro eixos: Andino, Amazônico, Peru-Brasil-Bolívia e Interoceânico. País do continente com a mais fraca legislação em relação ao meio ambiente e aos povos originários, de acordo com organizações locais, o Peru conta com 78 projetos da IIRSA, com um investimento total de mais de sete bilhões de dólares.
“A política do atual governo não é outra que aprofundar e avançar nos processos de neoliberalismo. Um Tratado de Livre-Comércio (TLC) foi assinando no último governo, e o atual o vem respaldando, além de estar tomando um conjunto de medidas para favorecer o investimento das transnacionais e protegê-las. Nesse contexto, está a IIRSA”, explica o peruano Miguel Palacín, coordenador-geral da Coordenadora Andina de Organizações Indígenas (CAOI).
Dívida
A ligação do Brasil com o Pacífico está garantida com três projetos de estradas e hidrovias transamazônicas. Uma delas é a Carretera Interoceânica, que conectará portos peruanos com Porto Velho, na Rondônia, passando por Rio Branco, no Acre. Estima-se que a estrada, que passará por áreas de grande biodiversidade e por territórios indígenas, deixará uma dívida de um bilhão de dólares.
Na Colômbia de Álvaro Uribe, principal aliado dos EUA na região, uma das estratégias para se adequar à IIRSA foi, desde o começo da década, a de modificar legislações para garantir a participação privada nos projetos.
“Existem uns documentos que o Conselho Nacional de Política Econômica e Social produz que regulam de maneira específica certos temas. Então, em todos os documentos que saíram nos últimos anos dizem de forma muito clara que é preciso promover a participação do setor privado”, revela a colombiana Carolina Salazar, do Instituto Latino-americano de Serviços Legais Alternativos (Ilsa).
Outro exemplo é o Plano Nacional de Desenvolvimento 2006-2010 que, segundo Carolina, tem uma política evidente de exportação. “Mas, com base nos fatos passados, sabemos que não vai sair muito, e sim vai vir mais produtos”, prevê.
- Igor Ojeda é correspondente do Brasil de Fato em La Paz, e Luís Brasilino é jornalista da redação do Brasil de Fato.
Essa é a lógica da Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), mega-projeto que, como o nome revela, tem como objetivo a conexão rodoviária, fluvial, marítima, energética e de comunicação do continente.
A IIRSA foi criada em agosto de 2000, em Brasília, por 12 países sul-americanos (só a Guiana Francesa não aderiu), quando, em um encontro que tinha o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como anfitrião, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) apresentou o projeto. Todos os governantes aceitaram a sugestão.
Extração
“A IIRSA obedece ao modelo de liberalização dos mercados, privatização e extração de recursos. O objetivo é o de acelerar a exportação de matérias-primas”, opina a mexicana Paulina Novo, coordenadora do Projeto Biceca (Construindo Consciência Cívica Informada para a Incidência e a Conservação na Amazônia Andina, na sigla em inglês), que realiza amplos estudos sobre a IIRSA.
Ela lembra que, além dos inúmeros impactos que os mega-projetos podem causar no meio ambiente e nas comunidades camponesas e indígenas (quase nunca consultadas ou ouvidas de modo inadequado), o projeto, além de manter a dependência da América do Sul em relação às nações ricas, pode aprofundar as assimetrias internas e regionais, pois abrirá as portas para os produtos brasileiros nos demais países do continente. O Brasil, por sinal, figura como o grande impulsionador regional da iniciativa.
Privatização
A IIRSA prevê 507 grandes obras em 20 anos, com um investimento total estimado em 70 bilhões de dólares. Destes, segundo Paulina, 21,2 bilhões de dólares já estão sendo executados, em 145 projetos.
Para o sociólogo Luis Fernando Novoa, da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, a iniciativa representa o estágio final das reformas neoliberais levadas a cabo desde os anos 1990. “Os setores econômicos que sobrevivem aos processos de reestruturação são absolutamente dependentes dos mercados internacionais como supridores, intermediários ou distribuidores. Ao invés do tripé desenvolvimentista dos anos 1960/1970 (Estado, capital nacional e capital estrangeiro), o que se prefigura em projetos como esse é um organismo público-privado que operacionaliza e naturaliza a lógica do capital financeiro e dos setores privatistas, em nome da competitividade, da produtividade e do crescimento”, avalia.
Segurança jurídica
Para ele, a IIRSA deve ser encarada não como um projeto em si mesmo, e sim como “uma metodologia de repasse de recursos naturais, mercados potenciais e soberania a investidores privados, em escala continental, com respaldo político e segurança jurídica”.
Na página na internet da IIRSA (www.iirsa.org), pode-se ler que a iniciativa tem “como objetivo promover o desenvolvimento da infra-estrutura com base em uma visão regional, procurando a integração física dos países da América do Sul e a conquista de um padrão de desenvolvimento territorial eqüitativo e sustentável”.
Para Magnólia Said, presidente do Centro de Pesquisa e Assessoria (Esplar), não é bem assim. De acordo com ela, o projeto não foi pensado como proposta de aproximação entre países e suas populações, mas como incorporação e adaptação de territórios, de modo que estes possam trazer benefícios de interesse ao capital.
Endividamento
“Nenhum dos projetos de infra-estrutura definidos para as áreas de maior incidência de recursos estratégicos têm em vista favorecer as populações pobres, ribeirinhas, indígenas, quilombolas e camponesas”, analisa Magnólia, que lembra que um plano coordenado e financiado pelo BID não pode resultar em quebra de estrutura de dominação.
De acordo com dados de Paula Novo, do Biceca, os governos financiarão 62,3% dos projetos da IIRSA. A iniciativa privada bancará 20,9%, enquanto o restante virá de instituições financeiras, como o BID, a Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Brasil.
Ou seja, há ainda o risco da dívida externa dos países sul-americanos crescerem. “A dívida não é apenas uma questão financeira, mas, principalmente, um instrumento político, pois garante a implementação do interesse das instituições financeiras multilaterais e das grandes corporações, translatinas e transnacionais”, alerta Elisângela Soldatelli Paim, coordenadora de projetos do Núcleo Amigos da Terra Brasil.
Os eixos de exportação da IIRSA
Para facilitar o reordenamento territorial da América do Sul, a IIRSA divide o continente em dez eixos de integração. Muitas vezes sobrepostos e interligados, as áreas abarcam praticamente a totalidade da região.
Além disso, se vista numa perspectiva mais ampla, conclui-se que a IIRSA conecta-se com o Plano Puebla-Panamá (PPP), projeto semelhante que tem como objetivo “integrar” sete países da América Central e o sul mexicano (para facilitar o serviço, a Colômbia aderiu em 2006): ou seja, junto com a IIRSA, o PPP reorganiza, da Terra do Fogo ao México, o espaço latino-americano.
Dos dez eixos da IIRSA, quatro se destacam como fundamentais, por suas riquezas naturais e possibilidades de conexões: o Amazonas, o Hidrovia Paraná-Paraguay, o Capricórnio e o Andino.
Pacífico-Atlântico
O Amazonas mostra-se essencial por possuir uma grande quantidade de recursos naturais e abrigar cerca de 40% da biodiversidade do planeta. Além disso, é responsável por entre 15% e 20% de toda a reserva mundial de água doce não congelada.
Além dos recursos, sua principal “missão” é ligar os oceanos Pacífico e Atlântico. Para tal, os projetos desse eixo prevêem a conexão dos portos de Tumaco (Colômbia), San Lorenzo, Esmeraldas, Manta (Equador) e Paita (Peru) com os portos brasileiros de Manaus e Belém.
Melhoramento de portos, de vias terrestres e adequação de hidrovias estão previstas ou em andamento. Os rios, que quase sempre atravessam comunidades tradicionais e parques naturais, são peças-chave: os rios Huallaga, Marañon, Ucayali, Amazonas (Peru), Napo (Equador), Putumayo (Colômbia), serão os pontos de ligação com o rio Amazonas brasileiro.
Escoamento
O objetivo é claro. Além de cinco saídas do Brasil para o Pacífico (que abriga mercados como a China, a Coréia do Sul e o Japão), da possibilidade de exploração dos recursos naturais da região e da maior facilidade de exportação de produtos dos países andinos à Europa, o novo corredor seria uma excelente alternativa ao Canal do Panamá. Gonzalo Varillas, da Corporação de Gestão e Direito Ambiental do Equador (Ecolex – Equador) estima que, enquanto uma embarcação leva, por conta das filas, em média 40 dias para atravessar este último, para cruzar o novo “canal” gastaria cerca de 12 dias.
Já o eixo Hidrovia Paraná-Paraguay pretende, através de 3.442 kms navegáveis, ligar Cáceres, no estado do Mato Grosso, com Buenos Aires, na Argentina, à beira do Rio da Prata.
De acordo com o estudo sobre a IIRSA “Territorialidade da Dominação”, elaborado por Ana Esther Ceceña, Paula Aguilar e Carlos Motto, do Observatório Latino-americano de Geopolítica, tal hidrovia tem como meta facilitar o escoamento de produtos do Paraguai e, sobretudo, dos estados brasileiros do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo.
Vale lembrar que na área encontra-se o pantanal mais extenso do mundo. A adequação das hidrovias para agilizar o transporte pode causar graves danos ao sistema.
Ainda de acordo com o documento, existe a possibilidade de interligação dessa hidrovia com a Paraná-Tietê – ligando Buenos Aires a São Paulo – e com a hidrovia do Complexo do Rio Madeira. Como o Madeira desemboca no Amazonas, pode-se criar uma imensa hidrovia conectando Belém, no Pará, a Buenos Aires.
Recursos
Outro eixo que se destaca por suas riquezas naturais é o Capricórnio. Nele, encontra-se o gás boliviano, o petróleo da Bolívia e da Argentina, metais do Chile e da Argentina etc. A área conta com 16 projetos rodoviários e nove ferroviários, buscando, segundo o estudo do Observatório Latino-americano de Geopolítica, atender o setor agropecuário e industrial de Mato Grosso do Sul e São Paulo.
O eixo Andino, que engloba Bolívia, Equador, Peru, Colômbia e Venezuela, é mais um que abriga inúmeros recursos, como petróleo, gás, biodiversidade, minerais (ferro, bauxita, cobre) etc.
“Esta faixa tem um interesse fundamentalmente extrativo. No entanto, sua riqueza energética poderia atrair investimentos em indústrias pesadas, muito consumidoras dos mesmos, e também muito contaminadoras, como a siderúrgica e a metal-mecânica”, analisa o texto de Ana Esther Ceceña, Paula Aguilar e Carlos Motto. (IO)
Um projeto sob medida para as transnacionais brasileiras
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) sugeriu. Os países sul-americanos aceitaram. O Brasil aproveita. A IIRSA, mais além de ter sido pensada em benefício dos mercados dos países ricos, vem sendo executada, sobretudo, para favorecimento dos setores econômicos brasileiros.
“O BNDES e as empresas transnacionais brasileiras são um dos principais atores na implementação da IIRSA”, analisa Ricardo Verdum, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), para quem o país busca “o escoamento de suas produções e o acesso aos recursos que são de interesse do seu setor industrial”.
“A internacionalização subordinada do continente sul-americano entrecruza-se com uma regionalização ativa dos capitais de origem nacional ou postados no Brasil, com hegemonia do agronegócio e setores de serviços sob controle ou com forte participação do capital estrangeiro”, explica o sociólogo Luis Fernando Novoa, da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais.
Imposição
Segundo ele, daí se explica a prioridade da IIRSA em projetos de interligação entre o Atlântico e o Pacífico, porta de entrada para os mercados asiáticos em franco crescimento.
Para fazer valer seus interesses, o Brasil aproveita o grande poder político e econômico que possui na região para “impor” os mega-projetos aos demais países. “O Brasil age com a frieza de um negociador, na defesa de seus interesses de sub-império e dos interesses de governos aliados, notadamente, o governo americano. Age considerando a Amazônia, o Pantanal e os Andes como entraves ao desenvolvimento”, lamenta Magnólia Said, presidente do Centro de Pesquisa e Assessoria (Esplar).
Um dos exemplos da força político-econômica do país é o projeto hidroelétrico de Garabí, localizado no rio Uruguay, na fronteira entre a província argentina de Corrientes e o Rio Grande do Sul.
“Ele foi proposto na década de 1980 e foi paralisado com a forte oposição das populações ribeirinhas. Após a posse de Cristina Kichner, na Argentina, o governo Lula retoma fortemente as negociações. Atualmente, essa hidroelétrica integra a IIRSA, e vem sendo discutida pelos dois governos a portas fechadas, sem que ninguém na região saiba o que vai acontecer com o rio Uruguai”, explica Elisângela Soldatelli Paim, coordenadora de projetos do Núcleo Amigos da Terra Brasil.
PAC e IIRSA
Nesse contexto, outro elemento importante a se considerar é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e sua relação com a iniciativa proposta pelo BID.
“O PAC é um complemento nacional da IIRSA. Há uma série de obras que estão no primeiro que são também da segunda. E há outras que não estão na IIRSA, mas que têm conexão com o processo de integração das infra-estruturas, principalmente viárias e hidroviárias”, esclarece Ricardo Verdum, do INESC.
Apresentado pelo governo Lula como o grande alavancador do crescimento da economia brasileira para os próximos anos, o plano prevê um investimento de 290 bilhões de dólares entre 2007 e 2010.
No entanto, para Elisângela, a lógica do novo programa, longe de promover o desenvolvimento, é a mesma da IIRSA, ou seja, “criar a infra-estrutura necessária para garantir a exploração dos bens naturais e das populações a qualquer custo”.
Rio Madeira
Dessa forma, grandes obras que oficialmente estão fora da IIRSA estariam intimamente ligadas a ela, como o caso da transposição do Rio São Francisco. “Os eixos [da transposição] foram escolhidos para viabilizar as condições necessárias ao avanço do agronegócio na região e à integração de mercados internacionais”, analisa Magnólia, do Esplar. As conexões com os portos do Pacífico cairiam como uma luva.
Outro mega-projeto escolhido como essencial dentro do PAC, mas que também é prioritário para a IIRSA, é o Complexo do Rio Madeira, que faz parte do eixo Peru-Brasil-Bolívia. Com um orçamento de 16 bilhões de dólares, a obra, na fronteira com a Bolívia, prevê quatro usinas hidroelétricas e uma hidrovia.
No entanto, organizações sociais denunciam que seu objetivo é favorecer os grandes grupos econômicos com energia barata e que, além disso, causará enormes danos ambientais e sociais.
Entre os efeitos previstos, estão a inundação de terras de comunidades bolivianas e impactos nos rios da região. Segundo o Fórum Boliviano de Meio Ambiente e Desenvolvimento, 95% do caudal total dos rios bolivianos fluem pelo Rio Madeira, que é ainda fonte principal dos sedimentos em suspensão e sólidos dissolvidos da bacia. As represas, se construídas, acarretariam em redução do caudal e do nível de sedimentos. (IO e LB)
Presidentes de esquerda aderem à IIRSA
Um dos aspectos que mais chama a atenção na IIRSA é a adesão de governos de progressistas a seus projetos, como o de Hugo Chávez, da Venezuela, Rafael Correa, do Equador e Evo Morales, da Bolívia, conhecidos por proporem modelos alternativos de integração.
“Esses governos têm questionado alguns detalhes do modelo neoliberal, mas ainda estão presos ao ‘desenvolvimento econômico’ predatório aos bens naturais e das populações. A questão é que o modelo capitalista neoliberal de produção e consumo que depende e resulta na exploração da natureza e dos seus povos não está sendo combatido nas suas estruturas”, analisa Elisângela Soldatelli Paim, coordenadora de projetos do Núcleo Amigos da Terra Brasil.
O Equador de Rafael Correa, por exemplo, está inserido em dois importantes eixos da IIRSA: o Amazônico e o Andino. Dentre as diversas obras previstas para o país, destaca-se o projeto Manta-Manaus, uma das ligações de portos do Pacífico com o rio Amazonas, no Brasil, excelente alternativa ao Canal do Panamá.
Danos sócio-ambientais
A conexão contaria com um trecho terrestre, entre Manta e o Rio Napo, no Equador, e um trecho fluvial, do Napo ao Rio Amazonas. “Para tal, investimentos estão e serão feitos em portos, estradas, aeroportos e rios, para que estes se tornem navegáveis”, explica Gonzalo Varillas, da Corporação de Gestão e Direito Ambiental do Equador (Ecolex – Equador).
Quanto aos investimentos, leia-se, também, parcerias com a iniciativa privada. Em novembro de 2006, o governo equatoriano fechou um acordo de concessão de 30 anos com a empresa Hutchison Port Holdings, de Hong Kong, para a construção e operação de um terminal de contêineres no porto de Manta.
Além disso, para a execução do projeto Manta-Manaus (que, segundo Varillas, será financiado principalmente pelo BNDES), as construções de estradas e portos fluviais em território equatoriano não obedecem a critérios sociais e ambientais.
Há trechos de rodovias que passarão por parques nacionais, como o Llanganates, enquanto o porto da localidade de Belén está sendo construído às margens da Reserva Biológica de Limoncocha e do Parque Nacional Yasuní, considerado uma das maiores reservas de biodiversidade do planeta e habitat de povos indígenas em isolamento voluntário.
Trocas desiguais
No entanto, para Varillas, a inclusão do Equador na IIRSA trará um outro efeito: a continuação da dependência econômica. “O modelo de desenvolvimento agro-exportador se manterá e se aprofundará”, prevê. Nas relações comerciais com o Brasil, por exemplo, Varillas lista o tipo de trocas que se dará. O país andino importará bens como peças eletrônicas, veículos, medicamentos, aço, equipamentos industriais e tecnologia, enquanto exportará derivados de petróleo, camarão, banana, flores, cacau e suco de maracujá.
Já os riscos para a Bolívia, de acordo com organizações sociais do país, vêm, além do Complexo do Rio Madeira, também das estradas. “No contexto da IIRSA, a Bolívia cumprirá o papel de país de trânsito, prestador de serviços e fornecedor de energia”, opina Vivian Pereyra, do Fórum Boliviano de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fobomade).
Para ela, o país assume os custos das rodovias para facilitar o trânsito de cargas estrangeiras. Em relação à estrada Santa Cruz-Puerto Suárez, que faz parte do Corredor Bioceânico recentemente assinado por Brasil, Bolívia e Chile, a Organização Indígena Chiquitana (OICH) denuncia que o trecho atravessa territórios de povos indígenas, entre eles o chiquitano.
Integração
Segundo a entidade, 400 milhões de dólares serão gastos na via, enquanto estão reservados 26,5 milhões de dólares para a mitigação de impactos sócio-ambientais. A estrada traria, ainda, danos a parques naturais e pantanais da região.
De acordo com Maximo Liberman, gerente sócio-ambiental da Administradora Boliviana de Rodovias (ABC, na sigla em espanhol), todo o procedimento para a construção das rodovias é feito com base em consultas públicas.
Referindo-se à estrada Santa Cruz-Puerto Suárez, ele garante que “todas as comunidades e grupos indígenas que estão ao longo do eixo da rodovia a aceitaram e a avalizaram”.
Segundo Liberman, compensações são realizadas adequadamente e há um esforço para minimizar os impactos ambientais. Quanto à crítica ao papel das rodovias, justifica: “evidentemente, essas estradas irão favorecer o Brasil, mas, por outro lado, é integração de nosso território. A Bolívia também precisa desenvolver seu território e exportar seus produtos”. (IO e LB)
No Peru e na Colômbia, o neoliberalismo se aprofunda
Se o apoio de presidentes progressistas aos projetos da IIRSA causa estranheza, a plena adesão de governos de direita é vista como óbvia. Um dos exemplos é o Peru do presidente Alan García.
Por sua localização geográfica, é uma das nações essenciais da iniciativa, fazendo parte de quatro eixos: Andino, Amazônico, Peru-Brasil-Bolívia e Interoceânico. País do continente com a mais fraca legislação em relação ao meio ambiente e aos povos originários, de acordo com organizações locais, o Peru conta com 78 projetos da IIRSA, com um investimento total de mais de sete bilhões de dólares.
“A política do atual governo não é outra que aprofundar e avançar nos processos de neoliberalismo. Um Tratado de Livre-Comércio (TLC) foi assinando no último governo, e o atual o vem respaldando, além de estar tomando um conjunto de medidas para favorecer o investimento das transnacionais e protegê-las. Nesse contexto, está a IIRSA”, explica o peruano Miguel Palacín, coordenador-geral da Coordenadora Andina de Organizações Indígenas (CAOI).
Dívida
A ligação do Brasil com o Pacífico está garantida com três projetos de estradas e hidrovias transamazônicas. Uma delas é a Carretera Interoceânica, que conectará portos peruanos com Porto Velho, na Rondônia, passando por Rio Branco, no Acre. Estima-se que a estrada, que passará por áreas de grande biodiversidade e por territórios indígenas, deixará uma dívida de um bilhão de dólares.
Na Colômbia de Álvaro Uribe, principal aliado dos EUA na região, uma das estratégias para se adequar à IIRSA foi, desde o começo da década, a de modificar legislações para garantir a participação privada nos projetos.
“Existem uns documentos que o Conselho Nacional de Política Econômica e Social produz que regulam de maneira específica certos temas. Então, em todos os documentos que saíram nos últimos anos dizem de forma muito clara que é preciso promover a participação do setor privado”, revela a colombiana Carolina Salazar, do Instituto Latino-americano de Serviços Legais Alternativos (Ilsa).
Outro exemplo é o Plano Nacional de Desenvolvimento 2006-2010 que, segundo Carolina, tem uma política evidente de exportação. “Mas, com base nos fatos passados, sabemos que não vai sair muito, e sim vai vir mais produtos”, prevê.
- Igor Ojeda é correspondente do Brasil de Fato em La Paz, e Luís Brasilino é jornalista da redação do Brasil de Fato.
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