Transnacionais brasileiras são denunciadas por movimentos latinoamericanos

13/02/2009
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A atuação de empresas transnacionais brasileiras na América Latina tem sido um assunto polêmico. Porém, para representantes de movimentos sociais latinoamericanos, este tema deve ser aprofundado no Brasil, no sentido de esclarecer os limites entre interesses públicos e privados, geralmente confundidos quando tratados pela imprensa comercial.

O Brasil está em 3º lugar no ranking de empresas de países “emergentes” com potencial para desafiar empresas transnacionais estadunidenses e européias. Entre as brasileiras que atuam no exterior, estão Petrobras, Vale, Votorantim e grandes construtoras como Odebrecht e Camargo Corrêa. Estas empresas se internacionalizam com financiamento público, ganham protagonismo na política externa brasileira e tornam-se também agentes de conflitos entre Estados.

Entre os mais emblemáticos estão os casos do conflito entre Brasil e Bolívia, por conta da nacionalização do petróleo naquele país em 2006, e entre Brasil e Equador no último ano, devido aos problemas causados pela construtora Odebrecht na construção da hidrelétrica São Francisco.

Integração de fachada

Segundo o pesquisador Luis Novoa, da Rede Brasil, o papel do BNDES é central na expansão destas empresas para a América do Sul. “O BNDES financia apoio tecnológico e comercial, com o objetivo de controlar mercados locais e facilitar o modelo exportador. O discurso de integração é usado como fachada. Precisamos criar alianças entre nossos povos porque temos inimigos comuns, ou seja, as burguesias nacionais subjugadas a interesses externos”, explica.

Por trás de uma grande empresa há sempre um Estado forte, que a financia e estrutura o campo jurídico e político para que ela atue. E por trás de um Estado hegemônico há sempre empresas transnacionais que atuam dentro e fora do país, levando sua marca e criando sua imagem junto à imagem do país potência.

Nestes casos, a relação entre empresa e Estado é direta, e se explicita com a constante penetração das empresas dentro do aparelho estatal (em conselhos, ministérios ou pela via informal de amizades e lobby). Assim, elas influenciam políticas públicas, tanto para serem beneficiadas por grandes obras, quanto para receberem créditos e incentivos fiscais. Esta mescla entre capital e Estado é característica da hegemonia capitalista, na qual os interesses da classe burguesa são apresentados como interesses de todos.

Estas empresas também se beneficiam de projetos de integração regional baseados na infra-estrutura, como no marco da IIRSA (Integração da Infra-estrutura Sul-Americana), que têm sido conduzidos prioritariamente para exploração de recursos naturais e para o aprofundamento do modelo exportador. Para a professora Ana Esther Ceceña, da Universidade Nacional do México, “o capitalismo é um sistema mutante e, nesta nova fase, utiliza monopólios financeiros para a apropriação territorial e de recursos estratégicos”.

Sub-imperialismo

Durante o Fórum Social Mundial, o Instituto Rosa Luxemburgo promoveu, juntamente com organizações e movimentos sociais brasileiros – MAB, Rede Social Justiça e Direitos Humanos, PACS, Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, Rede Justiça Ambiental e Rede Jubileu Sul –, um seminário para debater a atuação das empresas transnacionais brasileiras na América do Sul.

Uma das palestrantes foi Patrícia Molina, que explicou a atuação da Petrobras na Bolívia. Segundo ela, “a expansão do capital com apoio do Estado brasileiro constitui uma situação de sub-imperialismo, ou seja, a busca de hegemonia regional, através de controle de recursos e mercados”. A Petrobras controla 50% das reservas de gás e 40% das reservas de petróleo da Bolívia, além de deter 100% das refinarias e 50% dos postos de gasolina. A empresa utiliza uma fachada de “responsabilidade social” através do financiamento a atividades esportivas e culturais, mas também apóia o movimento separatista nos Estados da meia-lua. Para Patrícia,“o governo brasileiro usou chantagem na negociação dos novos contratos da Petrobras e o Itamaraty insistiu em negociar com a oposição, mesmo após o massacre de Pando no ano passado”.

Terra indígena

Há denúncias também sobre a atuação da Petrobras no Equador. Alexandra Almeida, da Accion Ecológica, afirma que a empresa pratica extração de petróleo no Parque Nacional de Yasuni, uma área rica em biodiversidade, que inclui comunidades indígenas. Movimentos indígenas e ambientalistas equatorianos protestam contra a concessão deste tipo de território para exploração petrolífera, muitas vezes chocando-se com o governo de Rafael Correa. Segundo Alexandra, “o governo brasileiro fez pressão para que a Petrobras mantivesse a exploração na região”.

A ação da Petrobrás e do governo brasileiro para expandir a produção de agrocombustíveis na América Central também tem sido alvo de críticas. “As visitas de Lula à região e as campanhas de publicidade se intensificaram após o acordo firmado entre Brasil e Estados Unidos para expandir a produção de etanol. Dessa forma, os EUA podem importar mais facilmente o produto, através do acordo de livre comércio com a América Central (CAFTA). Há também forte propaganda para que pequenos agricultores substituam suas lavouras para produzir etanol. Assim, o poder público passa a defender interesses privados”, explica Andrés Leon Araya, pesquisador da Comissão de Estudos Políticos Alternativos, na Costa Rica.

Outro caso emblemático diz respeito aos danos econômicos, sociais e ambientais causados pela Odebrecht no Equador. Segundo Natalia Landivar, da FIAN, “a Odebrecht não cumpre leis ambientais e causou a destruição de comunidades ribeirinhas. Uma auditoria identificou fraude, superfaturamento e falhas técnicas na construção da hidroelétrica São Francisco, realizada pela Odebrecht, com recursos do BNDES. A empresa administrou diretamente estes recursos, mas quem paga a conta é o Estado equatoriano”.

Itaipu

O Brasil é contestado ainda sobre sua relação com o Paraguai na gestão da usina de Itaipu. Para Constancio Mendonza, da Frente Social e Popular do Paraguai, “a atual acordo foi firmado durante a ditadura, mas hoje o Brasil não pode seguir com esse tipo de política. O Paraguai deve ter soberania sobre seus recursos naturais e dispor livremente de sua energia. Deve receber um preço justo, o que não acontece hoje, pois é obrigado a vender energia de Itaipu a preço de custo para o Brasil”.

Constancio explica que o alto custo cobrado pelas empresas transnacionais que distribuem essa energia causa prejuízos tanto para os brasileiros quanto para os paraguaios. “É preciso revisar a dívida da construção de Itaipu, pois houve superfaturamento das obras. A usina custou 10 vezes o que era previsto inicialmente. Por isso, 66% do que o usuário paga por essa energia vai para o pagamento da dívida. Uma auditoria poderia servir para baixar a tarifa de energia”, defende o pesquisador.

Um ponto em comum neste debate é a necessidade de desconstruir o senso comum que mescla a identidade nacional com o papel dessas empresas. De maneira emblemática, a Odebrecht se autodenominou recentemente “construtora da integração regional” em anúncios públicos, colocando-se como instrumento de realização dos interesses dos povos e dos países, na tentativa de, ao mesmo tempo, “limpar” sua imagem deteriorada por problemas graves em suas obras. Estas questões remetem ao papel da chamada “responsabilidade social corporativa”, um mecanismo que mistura interesse público e privado, funções estatais exercidas por empresas, “benevolência” e marketing. A Petrobrás, que financia boa parte da cultura brasileira, assim como o próprio Fórum Social Mundial, é exemplo deste quebra-cabeça entre identidade nacional, política externa e interesses privados.

Ana Garcia é pesquisadora do Instituto Rosa Luxemburgo.

Maria Luisa Mendonça é coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

http://www3.brasildefato.com.br/v01/agencia/analise/transnacionais-brasi...

https://www.alainet.org/de/node/132360
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