Por trás do crescimento econômico
12/04/2011
- Opinión
País mantém altas taxas de aumento do PIB na última década, mas não consegue dar resposta aos mais pobres
No final deste ano, a Argentina completará dez anos da crise de 2001. A julgar pelas taxas de crescimento econômico desde então, o país parece ter deixado para trás os períodos difíceis. Para 2011, a estimativa é de que mantenha os índices de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos últimos oito anos, todos entre 7 e 9% (veja tabela nesta página) – com uma leve queda em 2008, como efeito da crise internacional. É um dos maiores da América Latina, juntamente com a Venezuela que, entretanto, tem diminuído seu ritmo nos últimos anos.
A grande contradição, porém, é que ainda que nosso país vizinho esteja produzindo riqueza como nunca, os índices sociais deixam a desejar e mostram que o fantasma de 2001 não ficou totalmente para trás. Mariano Féliz, economista do Centro de Estudos para a Mudança Social e militante da Frente Popular Darío Santillán, afirma que o poder de compra dos trabalhadores, com raras exceções de alguns setores, é menor do que o da década de 1990. “Há categorias vinculadas ao setor industrial que conseguiram mantê-lo, mas são exceções. Os trabalhadores do setor estatal e os precarizados não recuperaram o poder de compra que possuíam”.
Hoje, por exemplo, continua Féliz, os trabalhadores do serviço público têm, em média, um salário com poder de compra 25% mais baixo do que em 2001. A desigualdade social também diminuiu pouco, apesar das políticas assistencialistas.
De acordo com o economista da Universidade de Buenos Aires, Eduardo Lucita, “entre o que é apropriado pelos 10% mais ricos da população e o que recebe os 10% mais pobres, praticamente se mantêm os níveis de 2001”. Outro indicativo, aponta Mariano Féliz, é que de acordo com um censo oficial de 2001, cerca de 25% das residências eram inadequadas. Passados dez anos, o número se mantém. “Houve investimento em moradias, mas também cresceu o número de pessoas que vivem em más condições e tudo ficou igual”.
Pobre com trabalho
Para Féliz, uma forma de resumir a diferença entre a década neoliberal de 1990 e hoje é que antes “a pessoa não tinha trabalho e, por isso, era pobre; hoje, ela tem um trabalho, mas ainda assim é pobre”. Ou seja, a Argentina, como o Brasil, tem conseguido diminuir o índice de desocupação, mas grande parte desses trabalhadores vive com até um salário mínimo ou se encontra na informalidade.
“A pobreza e o trabalho informal diminuíram, mas ainda mantêm níveis altos, com 30% e 35,5% respectivamente. Atualmente, 45% da força de trabalho têm sérias dificuldades para se relacionar com o mercado de trabalho”, afirma Lucita.
De acordo com dados oficiais do governo, o índice de desemprego hoje está em torno de 8%, bem abaixo dos 25% em que a Argentina chegou em 2002. Para Féliz, porém, boa parte dos postos criados é precária. “Além disso, os salários são baixos e não conseguem se recuperar das perdas históricas e da inflação atual”.
O governo federal admite uma inflação anual por volta dos 10%. Entretanto, institutos privados e economistas trabalham com um número de até 30%. O fato é que a maquiagem dos números da inflação dificulta ainda mais a valorização dos salários. Segundo Lucita, um dos elementos que contribuem para a alta da inflação é que esta tem sido usada pelo setor industrial como uma forma de desvalorizar os salários e maximizar os lucros. “Esta é uma economia muito concentrada, com taxas de lucro muito altas e onde cem empresas são as formadoras dos preços”, analisa.
Para Lucita, apesar dos indicadores sociais terem apresentado uma melhora em relação ao início da década, a atual política econômica é incapaz de resolver o problema de boa parte da população. “O modelo atual é fortemente concentrador da riqueza e também da pobreza. Podemos afirmar que nos últimos anos a pobreza não se expande, até diminui, mas há um núcleo duro em que ela se aprofunda”, avalia.
- Dafne Melo de Buenos Aires (Argentina)
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