Mulheres indígenas falam sobre tradição, demarcações e direitos durante Fórum Social

21/01/2016
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Foto: CIMI/Divulgação mujeres indigenas
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Três mulheres, de três etnias, vindas de três aldeias diferentes. As histórias contadas pelas três líderes e representantes indígenas na manhã desta quarta-feira (20), durante a atividade autogestionária “Roda de Conversa Mulheres Indígenas e Cidadania”, realizada no Centro de Referência de Direitos Humanos. O encontro teve falas da Guarani Talcira Gomes, da Kaingang Iracema Nascimento (Gatê) e da Apurinã Pietra Dolamita.

 

As mulheres falaram sobre suas vivências, tradições, a luta pela preservação da cultura, o preconceito enfrentado em meio a crescente “indiofobia” no Brasil e abriram espaço para companheiros índios – “parentes”, como eles se reconhecem – complementarem seus relatos.

 

“A gente mulher tem coragem. A espiritualidade para nós é forte e ainda temos a Casa de Reza”, conta Talcira Gomes. Ensinada pela avó – hoje com 112 anos e ainda trabalhando na comunidade -, ela aprendeu desde cedo a lidar com os “remédios do mato”. Parteira formada na tradição de seu povo, Talcira conta que quatro de seus partos foram realizados por ela mesma, em casa.

 

Talcira chegou a ser convidada para ser cacica de sua aldeia, função que fora ocupada por seu marido. Mas não quis. “Era muito incômodo. Não gosto disso”, diz rindo.

 

Entre as tribos indígenas, gênero não se traduz em opressão ou hierarquia, segundo as mulheres indígenas. Todos têm igual espaço de fala dentro da comunidade. Kuáwá Apurinã, da etnia apurinã, conhecida como Pietra Dolamita, é bacharel em Direito e mestre em Educação. Ela conta que muitas de suas colegas perguntam sobre o “feminismo indígena”. “Feminismo? Que palavra é essa, nós não temos isso. Não existe feminismo indígena porque não somos oprimidas. Na minha aldeia até as crianças que quiserem falar vão ser ouvidas”, explica.

 

Porém, fora de suas aldeias, muitas das mulheres indígenas acabam por conhecer o preço de ser mulher. Kuáwá diz ter muitas histórias de assédio e perseguição. “A mulher indígena, quando jovem, é vista como produto exótico”, afirma ela.

 

O assédio não é apenas sexual, há também o preconceito. Luana, uma jovem kaingang presente na roda, estudante de Odontologia na UFRGS, disse que resiste para seguir estudando. “Eu estou lá pelo meu povo, eu sempre digo que sou índia e nunca baixei a cabeça para eles”, revela emocionada.

 

Este preconceito se traduz para muitos indígenas em medo. Telcira conta que criou sete filhos sem nunca deixar que eles fossem para a cidade quando crianças. Ela tinha medo. Agora, duas de suas filhas estão fazendo faculdade na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, mas o medo de que algo possa acontecer segue com ela.

 

O nome de Kuáwá é prova de que direitos indígenas têm limites no Brasil. Quando o pai foi ao cartório registrá-la Poenã Kuáwá, foi impedido. O cartório se negou a dar a criança um nome indígena e o obrigou a colocar na filha o nome da santa do dia de seu nascimento. Nascida em 13 de maio, Kuáwá carrega até hoje nos documentos o nome de Maria de Fátima Nascimento Urruth. Nome que ela se recusa a pronunciar e não reconhece. Acabou aceitando com o tempo outro nome que lhe foi dado: Pietra Dolamita, pelo qual é mais conhecida.

 

A luta pela tradição

 

Assim, aos poucos a língua indígena segue sendo caçada em silêncio. “Primeiro se acaba com a cultura de um povo matando sua língua”, ressalta Kuáwá.

 

Dentro das próprias aldeias, as línguas indígenas são ouvidas cada vez menos. Os ritos e tradições vão se calando junto com elas. Dos cerca de 160 idiomas indígenas falados hoje no Brasil, cinco possuem mais de 10 mil falantes. Ainda assim, no final de 2015, a presidenta Dilma Rousseff vetou o projeto de lei que ampliava uso de línguas indígenas no currículo escolar.

 

A questão preocupa tanto os indígenas quanto a PEC 215, que ameaça a demarcação de terras. “A língua e as práticas culturais estão se acabando”, afirma Dorvalino Refej, kaingang, mestrando de Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor em sua comunidade, em São Leopoldo.

 

Preocupado com o futuro dos jovens de sua etnia, Dorvalino conta que tenta desenvolver um projeto de formação voltado aos pais. “Hoje eles não sabem o valor que têm, o valor de um índio. Muitas vezes são humilhados pelas lideranças brancas porque não sabem qual a filosofia kaingang”, explica. Segundo ele, tradições culturais ligadas as festas, a terra e a morte estão quase em extinção pela falta de interesse das novas gerações.

 

O professor chamou ainda atenção para a falta de políticas públicas que atendam as necessidades indígenas. A experiência universitária também o frustra. “A universidade acha que está me ensinando, as coisas que eu preciso para meu povo, não têm lá. Tem uma política europeia, que para mim não adianta”, desabafou. “Nós estamos sem destino, ainda estamos experimentando para ver se dá certo ou não. E isso dá prejuízo”.

 

O caso do menino Vitor, kaingang assassinado

 

Os indígenas também lembraram o caso do menino Vitor, kaingang de 2 anos de idade, assassinado na rodoviária de Imbituba, Santa Catarina. Vitor estava com a mãe, quando foi morto a sangue frio no último dia 30 de dezembro. O caso não recebeu nenhuma atenção dos noticiários nacionais.

 

Falando sobre a morte de uma criança dos seus, Iracema Gatê, também kaingang, se emocionou. “Eu não pude confortar a mãe desse bebê. Tantos anos e ainda estamos morrendo”, disse.

 

O trabalho de Iracema na sua comunidade é atender crianças, idosos e grávidas. No encontro, ela contou que gostaria de ter condições de ajudar ainda mais gente que precisa dela. Especialmente grávidas. No entanto, os recursos são escassos. “Quando uma pessoa fica doente, toda a comunidade fica doente e chora junto com ela. Com uma criança mais ainda”.

 

Merong Tapurumã, pataxó nascido na Bahia, mas que vive em Getúlio Vargas, no Rio Grande do Sul, também chorou ao falar de Vitor. “Eu tenho dois filhos e já tive que dormir uma semana na rodoviária”, contou. Merong disse ainda que, depois do caso de Santa Catarina, mandou a mulher e os filhos para casa e seguiu sozinho vendendo seu artesanato na capital. Ele depende exclusivamente de seu trabalho como artesão para manter a família.

 

Merong lembrou ainda que essa é a situação de muitos índios. Em muitos locais, os indígenas possuem 7 hectares de terra para sustentar 30 famílias. Para ele, a mídia local que insiste na narrativa de que indígenas em rodoviárias estão em situação de drogadição ou prostituição, além de mentir, influencia no preconceito.

 

A Apurinã Pietra também estava revoltada com o caso de Vitor e a indiferença da sociedade. Natural do Acre, porém, ela também quis lembrar que essa indiferença é prática constante. “Vitor morreu assassinado por um cariú, um branco. Mas, na Amazônia, morrem centenas de crianças por não ter médicos, por doenças de fora que nossos pajés não conseguem curar”, afirmou.

 

Os representantes indígenas presentes no encontro decidiram criar um documento para ser assinado por todos povos originários presentes neste Fórum Social Temático. O documento deve chamar a atenção para questões como a PEC 215 e o veto do governo ao PL que ampliaria o ensino de línguas indígenas, além de pedir justiça ao caso de Vitor.

 

O documento deve ser divulgado nesta quinta-feira (21).

 

http://www.sul21.com.br/jornal/mulheres-indigenas-falam-sobre-tradicao-demarcacoes-e-direitos-durante-forum-social/

https://www.alainet.org/de/node/174908
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