Mulheres destacam luta feminista e pedem defesa do mandato de Dilma
- Opinión
Dez mulheres tomaram o palco do auditório Araújo Viana durante uma mesa nesta quinta-feira (21), no Fórum Social Mundial em Porto Alegre, em que abordaram “Democracia, direitos, diversidade, resistência e luta”. A diversidade contida no título da mesa foi refletida inclusive na sua composição: dentre as palestrantes, havia uma estudante secundarista, duas deputadas, uma ministra, uma militante sul-africana, uma dançarina de hip hop e uma ativista antimanicomial. Elas abordaram o papel das mulheres nos movimentos sociais, a luta dos estudantes contra o fechamento das escolas, as pautas da população de lésbicas, gays, travestis e transexuais (LGBTs), a construção da democracia na África do Sul e o atual momento político no Brasil, com um Congresso conservador e a ameaça de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).
As pautas dos movimentos sociais atualmente no país passam também pela luta antimanicomial, segundo lembrou a militante e psicóloga Fátima Fischer. “Temos um golpe em curso, e não é só o político contra Dilma, mas também contra a saúde mental. Aqui no estado, temos como coordenador de saúde mental o Luiz Coronel e lá em Brasília, o Valencius”, criticou, dizendo que se tratam de dois nomes associados à lógica manicomial e contra a reforma psiquiátrica. Ativistas ocupam, em Brasília, a sede do Ministério da Saúde para protestar contra a nomeação de Valencius Wurch, que foi diretor de um manicômio, a Casa de Saúde Dr. Eiras de Paracambi.
Antes de começar a ocupação dos militantes antimanicomiais, os estudantes paulistas também fizeram seu papel ao ocupar diversas escolas que seriam fechadas. A presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), Camila Lanes, falou da importância de haver uma reformulação nos currículos escolares, com a inclusão de pautas do século 21 e sem espaço para opressões. “Não podemos ter dentro da escola professores ditando as roupas que as meninas devem usar, não podemos ter perseguição de estudantes gays, lésbicas ou travestis. Não podemos aceitar que professores e funcionários não tenham preparo para lidar com isso. O tempo dentro da escola está muito atrasado, temos que emancipar a escola brasileira”, exigiu.
A jovem paranaense relatou ter ido a São Paulo apoiar os estudantes que ocuparam escolas contra o fechamento proposto pelo governo de Geraldo Alckmin (PSDB), situação em que também ajudou a cuidar, pintar e limpar as instituições. “A regra básica era que nenhuma opressão passa e os estudantes têm voz e direito. As ocupações são um pequeno exemplo da escola que queremos, temos que lutar por uma nova escola e isso é uma tarefa de toda a sociedade”, afirmou.
O único homem na mesa foi Andrey Lemos, da União Nacional LGBT, que destacou que “a agenda do movimento social precisa também cumprir a tarefa de preparar mulheres e homens para refletir sobre as diferentes formas de opressão e sobre que tipo de democracia nós queremos e precisamos. É papel dos movimentos sociais resistir, garantir o respeito à diversidade e lutar sempre, acreditar que podemos sim construir um outro mundo possível”. Representando a Rede de Mulheres do Hip Hop, Kika Maída relatou o preconceito que sofreu por ser uma mulher no movimento onde atua. “Eu era a única mulher no point mais famoso de hip hop no Brasil, em 1982. Não havia mulheres e eu era mal vista pela sociedade por fazer algo considerado de homem”, contou.
A luta por direitos sociais e democracia acontece também na África do Sul, segundo relatou a militante da Marcha Mundial das Mulheres Wilhiammina Touth, da Cidade do Cabo. A sul-africana contou já ter vindo a Porto Alegre tantas vezes que considera a cidade “sua segunda casa”. “Uma das bases constitucionais da África do Sul é um documento chamado The Freedom Charter [O Contrato da Liberdade]. Foi um documento construído de baixo, representa as vozes do povo. E protege todas as comunidades, LGBT, mulheres, minorias, pessoas com deficiência. Agora, 22 anos depois, descobrimos que precisamos proteger esses direitos”, relatou.
Neste quesito, para manter as conquistas, é importante também proteger as lideranças, segundo ela. “A sociedade que queremos construir é livre de preconceitos e é uma sociedade em que se protege seus líderes. Eu os saúdo pela forma como estão protegendo o seu líder, a presidente Dilma”, disse, sob aplausos da plateia. Ela também destacou a importância de que o Fórum não permaneça “apenas uma conversa”, mas sim gere ações concretas. “O Fórum Social Mundial começou aqui, nós todos viemos como jovens ativistas, então estou pedindo a todos vocês em Porto Alegre: essa tem que ser a voz dos oprimidos, da classe trabalhadora, dos pobres, das mulheres, dos moradores de rua, e que não permaneça apenas uma conversa”.
Retrocessos e lutas na política
As deputadas federais Maria do Rosário (PT) e Jô Moraes (PCdoB) falaram das dificuldades que enfrentam no Congresso nacional e da necessidade de se defender o mandato da presidente Dilma. “É preciso buscar apoios para uma agenda democrática, e que conte com o governo federal e a sociedade civil brasileira e mundial. Para que não tenhamos aprovado projeto como aquele que diz para vítima de estupro ir para a delegacia e não para o hospital. Não haverá golpe, mas haverá luta para defendermos o programa que foi eleito e os direitos humanos nesse país”, disse a petista, que já foi ministra dos Direitos Humanos.
Rosário destacou também o caráter do Fórum de existir como contrapartida ao Fórum Econômico Mundial, que acontece em Davos (Suíça). “Lá, os grandes ricos do mundo não se reúnem para pensar sobre a riqueza acumulada, o sofrimento imposto pelas guerras, pela especulação financeira e pelos rentistas que querem que os pobres paguem a conta que eles produziram pelo seu modelo. Eles não se importam que chegaremos a um bilhão e meio de pessoas no mundo com emprego vulnerável e mais 200 milhões de desempregados”, criticou. Para o capital, disse ela, é mais interessante ter alguém “do seu meio” no governo, como acontece atualmente na Argentina, após a eleição de Maurício Macri.
A deputada mineira Jô Moraes fez referência à fala de Wilhiammina: “reforço a nossa articulação de que temos que manter nossas conquistas para avançar. Temos que garantir as instituições deste país e defender a presidente Dilma”. O avanço do conservadorismo também a preocupa, e neste sentido ela citou o projeto de lei 5069, de Eduardo Cunha (PMDB), que dificulta o aborto legal em caso de estupro, exigindo que as mulheres vítimas de violência vão à delegacia antes de ir ao hospital. Ela também mencionou os planos municipais e estaduais de educação, em que foram retirados os conteúdos referentes à diversidade de gênero e sexualidade. “Temos que empoderar as mulheres, que possam votar contra o Estatuto da Família, contra o PL 5069, contra os planos municipais que tiraram a palavra gênero dos currículos escolares”, colocou.
A “onda neoconservadora” pela qual estamos passando também foi mencionada pela ministra Nilma Lino Gomes, do recém-formado Ministério da Cidadania, que congrega as pastas de Igualdade Racial, Políticas para as Mulheres e Direitos Humanos. “Os objetivos dessa onda têm sido tentar plantar em nós a desesperança e o desânimo com nossas lutas”, avaliou. Embora tenha se mostrado levemente contrária à junção das pastas, Nilma destacou que a presidente Dilma “fez de tudo” para que ela não precisasse acontecer. “Embora tenha acontecido, temos trabalhado juntamente, com os secretários que eram ministros, temos discutido como nós nesse momento da junção temos que nos fortalecer e não enfraquecer as nossas lutas”, afirmou.
Por ser uma mulher negra, que veio do movimento feminista e de educadoras, Nilma disse que foram estes setores que a “educaram” em termos sociais e profissionais. “Espero que esses setores possam também me reeducar à frente da luta que o nosso ministério tem. Para quem é descendente de africanos que foram escravizados, não podemos tirar as palavras ‘esperança’ e ‘força’ do nosso vocabulário”, destacou. A conquista da democracia será defendida, mesmo que as forças conservadoras queiram desestabilizá-la, garantiu, destacando a relação e a importância entre os conceitos que serviram como título da mesa: “uma diversidade democrática não existe sem resistência e luta”.
21/jan./2016
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