A advocacia popular frente a movimentos sociais e partidos

23/11/2016
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renap
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 A Renap (Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares) vai se reunir em Curitiba, de 30 deste novembro a 3 de dezembro. Em preparação do evento, reuniram-se em Porto Alegre militantes da advocacia popular, no último fim de semana, com disposição para enfrentar um tema tormentoso: o papel desta Rede em suas relações com os movimentos populares.

 

O debate contou com a contribuição de lideranças populares, representantes da Comissão Pastoral da Terra, do Conselho Indigenista missionário, do MST, da Escola Florestan Fernandes, juízes que integram a Associação de Juízes para a Democracia (ADJ), entre outras organizações de defesa de direitos.

 

Nossa participação neste encontro visou propor ao plenário um exame atualizado das angústias e dos sofrimentos do povo pobre, refletidas em in-segurança, in-certeza e in-tranquilidade, causadas pela in-justiça social, desequilibrando vidas inteiras, provocando danos morais, existenciais e patrimoniais, para enfrentamento dos quais a in-capacidade do poder legal contrário a tudo isso tem sido vencida, concretamente, muito mais pelo poder político dos movimentos sociais do que pela aplicação das leis.

 

Deixando de lado a possível diferença entre movimento popular e movimento social, por companheiras/os defendida, nossa crítica à frequente e perniciosa influência dos partidos políticos sobre os movimentos, quando eles esquecem seus programas, excedem seus meios de atuação, desrespeitam a legítima autonomia dos movimentos, impõem prioridades e alianças, procuram atrelar suas demandas apenas às conveniências episódicas do exercício de poder pelo simples poder, notadamente a cada ano eleitoral, não colheu aprovação unânime. Sobre essa questão apareceu opinião contrária e abalizada a que se deve todo o respeito.

 

Mesmo assim, parece não haver muita divergência sobre um ponto, pelo menos, suficiente para a discussão ser retomada no encontro nacional da Renap: o descolamento, até o abandono por vezes, que os movimentos sofrem passada a eleição, por parte dos partidos. Um vício que, de incidência tão repetida, parece ter sido introjetado na militância partidária como “normal”. “Não há mais pressa, precisamos gozar a vitória conquistada, já alcançamos colocação nos cargos de confiança”, “as alianças precisam ser ouvidas” etc…

 

As urgências próprias das reivindicações populares, o prazo inadiável da conquista de garantias para os direitos humanos fundamentais sociais precisam sujeitar-se a novas prorrogações, pois assim impõe a papelada burocrática do “devido processo legal”, até aparecerem novas promessas suficientes para distrair a atenção de quem confiou nas anteriores.

 

Advogados e advogadas populares não aceitam de modo algum a falsidade daqueles “profetas”, também os que integram os movimentos sociais, para deles se servirem, fazendo de conta que estão empoderando mobilização coletiva com poder suficiente para remover o que já é e está impedindo o que ainda não é, mas tem o direito de ser.

 

Mais do que qualquer outra advocacia, a prestação de serviços político-jurídicos a pessoas pobres, vítimas de ameaça ou violação de direitos humanos fundamentais sociais, integrem elas os partidos políticos ou os movimentos sociais, tem de se precaver – não sendo demasia a insistência nessa cautela – contra arautas/os da justiça bem mais interessadas/os na pregação ideológica, no aparelhamento grupal de ocasião, na espetacularização da política, no artificioso e aparente interesse coletivo da sua mensagem e do seu fazer.

 

Em obra recente (“Paulo de Tarso, na filosofia política atual e outros ensaios”), editada pela Paulus este ano, a sempre oportuna opinião de Enrique Dussel talvez ainda ofereça oportunidade de uma questão importante como essa, ser retomada:

 

Quando esse “povo” (o bloco dos oprimidos) se torna “povo para si” ou adquire “consciência de ser povo”, abandona a passividade da obediência cúmplice perante a dominação encoberta sob uma hegemonia que, na verdade, não cumpre com suas necessidades, e entra em um “estado de rebelião” – lento processo que pode durar décadas, às vezes, séculos.” (p. 215/216).

 

Chamando a atenção para a atividade política dos movimentos, objetivando satisfazer necessidades materiais traduzidas por reivindicações, como fim específico dos movimentos sociais, Dussel arremata:

 

A reivindicação não é o mesmo que a necessidade; não há reivindicação sem necessidade. A reivindicação é a interpelação política de uma necessidade no campo econômico. A necessidade é o conteúdo material do protesto político. O movimento social é, além disso, a institucionalidade primeiramente social, que pode cruzar o umbral da sociedade civil (o Estado ampliado para Gramsci), e ainda o segundo umbral da sociedade política (o Estado em sentido restrito). Todos os movimentos sociais manifestam alguma determinação corporal vivente do sujeito humano intersubjetivo, negado em seu cumprimento de necessidade particular.” {…} “O povo é muito mais, porém esses movimentos são o “povo para si”, são a “consciência do povo” em ação política transformadora (em certos casos exceções, revolucionária.)”. Grifos do autor.

 

Embora não se deva generalizar os defeitos dos partidos políticos e as virtudes dos movimentos sociais (ou populares, se preferir-se) à assessoria jurídica popular cabe conferir, caso a caso, se está prestando algum serviço de libertação e satisfação autêntica dessas necessidades, ou de mera retransmissora de reivindicações vazias, cúmplices da injustiça social promotora das suas vítimas.

 

novembro 22, 2016

https://rsurgente.wordpress.com/

 

https://www.alainet.org/de/node/181869?language=en
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