O que esperar do presidente eleito do México?
- Opinión
No final de semana passado, o México elegeu presidente Andrés Manuel López Obrador como seu próximo presidente para os próximos seis anos, alçando assim ao poder o seu primeiro presidente de esquerda depois de décadas de um domínio de partidos conservadores e seguidores da cartilha neoliberal, simbolizado pelos 71 anos consecutivos no poder do Partido Revolucionário Institucional (PRI), entre 1929 e 2000. A vitória de Obrador, conhecido pelo acrônimo AMLO, vem sendo considerada uma vitória para a esquerda latino-americana, dado o forte discurso anti-neoliberal adotado por ele. Mas, o que podemos esperar do próximo governo mexicano?
O Sul21 conversou nesta semana com três ativistas sociais e de direitos humanos mexicanos, integrantes ou próximos do partido Movimento Regeneração Nacional (Morena), de AMLO, para tentar entender qual foi o contexto que o levou ao poder, quais são as expectativas que ele carregará para governo, como se compara às lideranças de esquerda latino-americanas atuais ou do passado recente e o que esperar de sua relação com o vizinho do norte, governado por um presidente, Donald Trump, que adota uma dura política de repressão à imigração ilegal e que foi eleito prometendo construir um muro na fronteira com o México, promessa da qual ele diz que não abre mão.
Como Obrador chegou ao poder?
O ativista social e filiado ao Morena Aldo Fabian considera que a vitória de AMLO é um produto do fracasso dos últimos seis governos mexicanos, que, segundo ele, tinham como característica políticas neoliberais. “O estabelecimento do neoliberalismo foi um processo de longo de prazo, em que cada presidente avançou com algumas reformas, privatizações, desmantelamento de instituições, etc. As promessas do neoliberalismo nunca se materializaram, pelo contrário, a desigualdade, a pobreza, a migração e a violência explodiram a níveis sem precedentes”, diz.
Aldo pondera que esses governos do passado estiveram intimamente conectados a pequenos grupos historicamente ligados ao poder político, tendo como característica a cumplicidade com a corrupção. “Isto, embora tenha sido funcional para a concentração da riqueza, deslegitimou a classe política”, diz.
Por outro lado, salienta que houve uma longa marcha de resistência no neoliberalismo. Em 1988, quando esse modelo ainda estava começando a ser implementado na América Latina, a candidatura de Cuauhtemoc Cardenas do PRD já se posicionava contrário a ele. Cardenas ficou em segundo, mas sob forte suspeita de fraude, algo que seria recorrente nas eleições mexicanas — o próprio AMLO denunciou fraude nas eleições de 2006 após ser derrotado mesmo liderando as pesquisas pré-votação. Outro exemplo é a rebelião zapatista de 1994, em Chiapas. Para Aldo, a vitória de AMLO é o resultado de lutas estudantis, em defesa do patrimônio nacional, anti-neoliberais, contra fraudes, de mais de 30 anos. “Por último, mas não menos importante, há a figura de AMLO, sua tenacidade e liderança. Ele é o único político que percorreu todo o território nacional, é incansável em sua luta. Cresceu a cada queda e golpe sofrido e continuou em sua luta”, afirma.
Sol Cortes, militante do Morena no estado de Puebla, pondera que as políticas neoliberais, implementadas a partir de 1982, resultaram no aumento da concentração de riqueza no país. Segundo Sol, o México tem hoje 53 milhões de pessoas vivendo na pobreza e 9,4 milhões na extrema pobreza. Por outro lado, dois terços da riqueza estão nas mãos de 10% das famílias e o bilionário Carlos Slim, que atua em vários setores da economia — como telecomunicações –, é um dos homens mais ricos do mundo. “Existem estatísticas que nos dizem que 94% dos mexicanos se sentem lesados”, diz.
Para ela, há uma “erosão” na relação entre a sociedade e a classe política, que viveria em uma realizada muito distante dos 160 milhões de mexicanos, com “luxos excessivos e uma vida de opulência, que levou o mexicano a parar de se sentir representado”.
A ativista diz que há ainda outra área de grande preocupação para a população, a segurança. “Lembre-se da guerra contra o tráfico de drogas que deixou até agora 100 mil mortos e 30 mil desapareceram, sem esquecer dos 43 estudantes de Ayotzinapa que desapareceram com o envolvimento da polícia e do exército”, afirma.
Dayénari Arellano, militante dos Direitos Humanos nos estados de Nuevo León e Coahuila, aponta que a guerra as drogas no país foi iniciada pelo ex-presidente Felipe Calderón (2006-2012) no início de seu mandato e mantida pelo seu sucessor e atual presidente em fim de mandato Enrique Peãn Nieto (2012-até 30 de novembro). Uma guerra que deixou 236.996 pessoas mortas e 37.436 desaparecidos, segundo os dados oficiais.
“Felipe Calderón adotou uma estratégia sangrenta que levou a uma guerra contra o povo, a militarização dos Estados e mostrou uma indiferença clara para a dor das vítimas, que eram chamadas de ‘danos colaterais’. Mais tarde, Enrique Peña Nieto, um dos presidentes com menor popularidade na história contemporânea do México, com vários escândalos de corrupção e uma política que endureceu algumas das medidas tomadas por seu antecessor, como exemplo, a Lei de Segurança Interna. Seu mandato teve meses ainda mais violentos do que com Felipe Calderón”.
É possível compará-lo a outro líder latino-americano?
Toda a vez que um político de esquerda emerge ao poder na América Latina, ele logo é comparado com outras figuras que já governaram o continente, para o bem ou para mal. Seus opositores, durante a campanha, argumentavam que sua vitória iria transformar o México em uma “Venezuela do Norte”, no sentido pejorativo a respeito da situação econômica vivida naquele país. No Brasil, alguns veículos apontaram que ele seria um “Lula mexicano”, pelo teor de seu discurso e pelas promessas de campanha de governar para os mais pobres. Mas é cabível alguma comparação?
Aldo diz que as referências históricas de AMLO estão na história nacional, em figuras como Benio Juarez, finalmente, Francisco Madero e Lazaro Cardenas. Em termos internacionais, sua principal referência é o chileno Salvador Allende, de quem AMLO é admirador. No entanto, destaca que é possível sim fazer uma comparação com as lideranças de esquerda latino-americanas que chegaram ao poder na primeira década do século XXI. “É claro que essa mudança para a esquerda é uma reminiscência do ciclo progressivo latino-americano, com Lula, Chávez, Mujica, Correa, Evo Morales, Kirchner, etc., embora as semelhanças são mais estruturais, sobre se opor ao regime neoliberal pela participação popular, linguagem nacionalista, o ódio despertado nas oligarquias, etc”, diz.
Para Sol, a liderança latino-americana mais próxima de Obrador é o ex-presidente equatoriano Rafael Correa, por este ter como foco uma maior distribuição de riqueza e maiores gastos sociais, mas sem ser totalmente anti-neoliberal. “Eu vejo um Andrés Manuel mais comedido, mas com o carisma que caracterizou Pepé Mujica no Uruguai, devido ao constante slogan que Andrés Manuel tem em relação à austeridade, tanto pessoalmente como no Estado. Ele se recusou a viver em Los Pinos, viajar de avião Presidencial, à segurança do Estado Maior presidencial e propôs reduzir ao salário tanto para ele como para os altos cargos do governo, o que ele chama de austeridade republicana”, diz.
Dayénari avalia que o México tem características próprias que não permitem que AMLO seja adequadamente comparado a outra liderança da América Latina. “AMLO foi comparado a Nicolás Maduro e Hugo Chávez, no entanto, o poder militar não é a regra para López Obrador, como, sim, foi para esses dois personagens. A esquerda latino-americana não é um modelo, tem muito a ver com o contexto de cada estado e as condições não só econômicas, mas sociais”, afirma.
O que os mexicanos esperam de AMLO?
Aldo destaca que as expectativas para o governo de AMLO são muitas altas, especialmente devido às promessas que fez de banir a corrupção da vida pública, pacificar o país e estabelecer um regime de bem-estar social. Ele avalia que, apesar de serem tarefas complexas, as primeiras medidas do novo governo devem vir nessa direção para deixar uma marca. Obrador também anunciou em seu programa que irá priorizar as políticas para as camadas mais baixas da sociedade, de apoio universal para idosos e deficientes, apoio para jovens que buscam emprego e bolsas de estudo. Outra frente será a retomada do poder energético, atualmente dominado por empresas estrangeiras, o que Aldo considera que não será fácil de reverter.
Sol concorda grandes expectativas estão sendo depositadas no governo Obrador, que já tem sido chamado de a “Quarta Transformação do país”, mas ressalta que a oposição, apesar de derrotada, será atuante e não poupará críticas “a cada passo” de Obrador. “As primeiras mudanças serão no sentido de redirecionar gastos sociais e as primeiras medidas serão implementadas em dois dos maiores grupos vulneráveis do país, os jovens e os idosos. AMLO acordou com o setor empresarial um programa de treinamento para jovens que significará um investimento de pouco mais de 110 milhões de pesos. Para o segundo grupo, aumentará a pensão para os idosos, sob o programa de estrela 70 e mais, que o próprio AMLO foi pioneiro no governo da Cidade do México”, afirma.
Dayénari aponta ainda que a espera-se que AMLO reverta à guerra às drogas, promovendo uma desmilitarização do país. “Um dos mais marcantes sinais de dignidade que observei nesta campanha foi as famílias das pessoas desaparecidas depositarem o seu voto de confiança em AMLO, que carrega um enorme fardo para os seus ombros: garantir os direitos das vítimas da guerra contra o narcotráfico e promover o direito à verdade e à memória para limpar os nomes das vítimas mortas e desaparecidas”, afirma.
Como será a relação com Trump?
Do ponto de vista da política internacional, o principal questionamento a respeito do governo de Obrador e sobre como irá se relacionar com Donald Trump. Aldo afirma que os governos anteriores viam a parceria com os EUA como oportunidade de progresso e bem-estar. Ele destaca que esse processo só se “agudizou” nos anos 1990 com a assinatura do acordo de livre comércio com os vizinhos do norte, mas que agora está ameaçado pelos próprios EUA, na medida em que o presidente Donald Trump ameaça romper o pacto. “Hoje, é imperativo reestruturar as relações com os EUA e não mais seguir essa política de rendição e subordinação dos interesses nacionais aos deles. AMLO representa a defesa da soberania, a necessidade de fortalecer o mercado interno e a indústria nacional e o campo, como meio de prosperidade e desenvolvimento”, diz.
No entanto, a grande questão a ser discutida é a da migração, o que poderia até unir os interesses de Obrador e AMLO, uma vez que o futuro presidente mexicano vê esse movimento de conterrâneos para o norte como a confirmação do fracasso das políticas neoliberais. “AMLO levanta, e nisso é ambicioso, que não deveria existir, que é uma injustiça, que a ‘migração’ é na verdade uma expulsão de mexicanos de sua própria pátria. A difícil abordagem é garantir condições de emprego e previdência para que ninguém precise sair por necessidade, e que os únicos que saem serão por prazer. Portanto, as relações com os EUA devem ser focadas apenas para isso, para o apoio em projetos de investimento, isso é para resolver as causas da migração”, diz. “Isso, no entanto, não resolve o problema imediato, que deve ser tratado, negociado e pressionado para defender o migrante. Para este fim, propõe fazer dos consulados centros de defesa dos migrantes, levantar a voz em organismos internacionais e tentar convencer o governo Trump de outras medidas”.
Sol diz que a política exterior do governo de Obrador deve ter dois focos. O primeiro na defesa da soberania e autodeterminação dos povos e o segundo de que a melhor política externa é a política interna. “O essencial é dar oportunidades aos mexicanos para que eles não tenham que migrar para os EUA, fortalecendo o mercado interno e gerando oportunidades reais de emprego e segurança”, afirma.
Dayénari salienta que os “últimos dolorosos episódios” de separação de famílias de imigrantes que têm sido observados na fronteira levaram os EUA a endurecer à política de imigração. No entanto, para ela, essa “tolerância zero” por parte dos EUA é também uma oportunidade histórica para o México formular uma posição sobre a relação entre os dois países na área de migração. “Isto é esperado do governo de AMLO, uma posição, não passividade, como tem se empenhado em demonstrar o governo de Peña Nieto”, afirma.
Editoria: Geral, z_Areazero
julho 9, 2018
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