Livro "Dark Star Rising": como a Magia e o Oculto levaram Trump e Alt-right ao poder
- Análisis
Quando pensamos em magia e ocultismo logo associamos a coisas como feitiçaria, estranhos rituais, incensos, satanismo etc. Porém, a magia moderna está muito além disso. Desde que, no século XX, o mundo da magia e do oculto, representado por figuras como Julius Evola e Aleister Crowley, se encontrou com a propaganda política e meios de comunicação de massa na conjuntura do nazi-fascismo. Hoje, dentro do cenário da ascensão da chamada “direita alternativa” (alt-right), surge uma nova convergência: a partir de nomes como Steve Bannon e Richard Spencer, a Magia do Caos (corrente esotérica moderna) encontra-se com Internet, redes sociais e a campanha vitoriosa de Donald Trump. Esse é o tema do livro “Dark Star Rising – Magick and Power in the Age of Trump”, de Gary Lachman - pesquisador que investiga as conexões entre Sincromisticismo e Política. Para o pesquisador, assim como crianças brincando com fósforos, a extrema-direita manipula elementos da Magia do Caos (o Caos como método pragmático: “sigilos”, “memes mágicos” etc.) numa rede digital global que substitui o Plano Astral. Com consequências imprevisíveis. A não ser, a conquista do Poder.
Em novembro de 2016, logo depois da vitória eleitoral de Donald Trump, Richard Spencer (líder do National Policy Institute – grupo de lobby de supremacistas brancos e da chamada “direita alternativa”, alt-right), declamou para uma entusiástica plateia que aplaudia: “Heil Trump! Heil nosso povo! Heil nossa vitória! Nós queríamos Donald Trump na Casa branca. Nós fizemos o sonho se tornar realidade!”.
Em 2014, num congresso no Vaticano sobre populismo e capitalismo, o guru ideológico e estrategista da campanha eleitoral de Trump, Steve Bannon, citou em seu discurso o filósofo esotérico italiano Julius Evola – associado profundamente ao nazismo e proponente do “Tradicionalismo”: visão de mundo popular nos círculos de extrema-direita e religiosos alternativos. Baseando-se na tradição ocultista e esotérica, Evola acreditava que progresso e igualdade eram noções perniciosas.
Idealizava a “Sinarquia” (oposto de anarquia): um governo total de uma elite supranacional, uma “Civilização Solar” europeia organizada em castas. Apesar de ter inspirado o fascismo de Mussolini, Evola preferia os nazistas alemães por considerar os italianos “excessivamente mansos”.
Suas ideias chegam aos EUA e ao movimento alt-right através do site Breibert News, de Steve Bannon. Para Jason Horowitz, jornalista do New York Times, “o fato de Bannon conhecer Evola já é significativo”.
É a partir desses dois episódios que o pesquisador Gary Lachman inicia o seu livro “Dark Star Rising – Magick and Power in the Age of Trump” (Nova York, Tarcher Perigee, 2018) no qual descreve como círculos concêntricos formado por ocultistas e mágicos da mente em torno da figura de Trump o impulsionaram para a vitória.
Muito já foi escrito sobre como Trump chegou à Casa Branca através de roubo de dados do Facebook e manipulação de informações das redes sociais por meio da Cambridge Analytica e Renassaince Technologies de Robert Mercer.
Magia do Caos
Para Gary Lachman essa é a superfície “racional” de um movimento mais profundo, sincromístico, envolvendo conexões entre Internet e a chamada “magia do caos” (“Chaos Magick”) e o movimento esotérico moderno que se convencionou chamar de “Novo Pensamento” – conjunto de crenças e filosofias na qual se acredita que “magia” nada tem a ver com cerimônias, rituais, feitiços ou encantamentos. Mas se trata de como a mente pode influenciar diretamente a realidade. Através de “esforços mentais” poderíamos fazer “coisas acontecerem”.
A exaltação de Richard Spencer ao afirmar que “fizemos o sonho virar realidade” e as conexões de Bannon com o pensamento de Julius Evola são as primeiras pistas das complexas ligações entre magia, ocultismo e propaganda política.
Antes de lermos esse livro, temos que considerar que não estamos diante de um pesquisador comum. Lachman é autor de muitos livros de como a tradição ocultista e esotérica Ocidental se imbrica com a Política e o Poder. Além de professor do California Institute of Integral Studies, seu perfil, por assim dizer, heterodoxo se completa com o fato de ter sido o baixista da banda punk-new wave “Blondie”, da vocalista Debbie Harry. Além de ter sido incluído no “Rock and Roll Hall of Fame”.
Desde os anos 1990, paralelo aos constantes revivals do Blondie, Lachman tornou-se pesquisador e escritor de uma série de livros em que descreve o lado sombrio do ocultismo Ocidental: o seu appeal pela conquista do Poder através da Magia.
Magia e movimento Punk
O que torna a pesquisa de Gary Lachman interessante é que ele é um observador participante – é ao mesmo tempo um insider da indústria da cultura pop e um pesquisador de como essa indústria está conectada com muitos movimentos ocultistas que, ao final, acabaram inspirando ideologicamente da direita alternativa.
Por exemplo, “Dark Star Rising” descreve como a chamada “Magia do Caos” surge nos anos 1970 como movimento anárquico (baseado em Wicca e Thelema de Aleister Crowley) para desmistificar o “Oculto” no qual cada indivíduo pode criar seu próprio “sistema mágico”. A partir do legado do artista plástico inglês Austin Spare (1886-1956, criador de um sistema mágico pessoal baseado em técnicas como “Sigilo”, “Atavismos” e “Alfabetos do Desejo”), parte-se da ideia de que, a priori, “qualquer coisa é verdadeira e possível”.
Por exemplo, nos anos 1970 surge o “Stoke Newington Sorcerors” (SNS), grupo ocultista envolvido diretamente com o início do movimento Punk na Inglaterra, declarando-se um grupo libertário, dentro das correntes mágicas, chamado de “caoístas”.
O ocultismo de Julius Evola e Magia do Caos irão convergir com Steve Bannon, ainda potencializado com uma tradição filosófica norte-americana: o chamado “Novo Pensamento” com diversos nomes como “Ciência Mental” ou Ciência da Mente”, cujo grande devoto é Donald Trump. Principalmente através popularização feita pelo Reverendo Norman Vincent Peale no livro O Poder do pensamento Positivo de 1952 – a ideia de que a mente pode superar qualquer obstáculo.
Os princípios da Magia do Caos
“Não faço negócios de rotina” ou “Eu jogo muito solto” são afirmações de Trump que para Gary Lachman são crípticas. Para Trump, tudo é uma questão da vitória da vontade. Esse é um princípio básico da magia do caos: o que importa é o resultado. O mago do caos não deve crer em nada. A crença só é necessária no momento da operação, da estratégia. É a vontade destituída de qualquer princípio ou valores. É o niilismo do “tudo é possível”. É no vácuo de valores ou princípios que toda a magia se realiza.
Outro princípio é o de descondicionamento, desconstrução: o praticante deve perceber a relatividade ou validade de qualquer conceito. Nada tem sentido intrínseco. Por isso, não há problema algum em se contradizer.
Outra tônica da magia do caos é a forte dose de humor e irreverência nas práticas e declarações. Atento à relatividade de tudo, o mago do caos não deve levar qualquer coisa a sério – a gargalhada é uma das maiores formas de banimento para a magia.
Para Lachman todos essas características da magia do caos estão ligadas ao espírito dos berços cibernéticos da alt-right: o site Breibart.com e o fórum 4chan– locais onde foram exercitados a atitude niilista de brincar com a realidade, criando pós-verdades e realidades alternativas: teoria da terra plana e a conspirações dos “globalistas”; o escândalo do “pizzagate” envolvendo Hillary Clinton, satanismo e pedofilia; bases nazistas no lado oculto da Lua, etc.
O crescimento e popularização da Internet tornou-se uma via importantíssima para o desenvolvimento da Magia do Caos. Mais do que um canal que facilitou de difusão das ideias ocultistas, a Rede parece que surgiu por encomenda para os caoístas – tornou-se o próprio substituto do Plano Astral dentro da hipótese do Sincromisticismo.
“Para os magos do caos e para muitos ocultistas contemporâneos a Internet tem a mesma utilidade que tinha o Plano Astral para os magos tradicionais, como uma espécie de éter psíquico através do qual são propagadas suas intenções desejadas. Memes mágicos surgem quando alguma coisa criada na Internet sangra no ‘mundo real’ e o transforma” (LACHMAN, Gary. The Dark Star Rising, p. xiii).
O meme mágico
A alt-right descobriu a quebra da barreira da realidade, tão professada pelos magos do caos – a interface entre o mundo falso e o real, entre pegadinhas e seriedade parece que foi aberta de forma definitiva. Para Lachman, é o momento em que o conceito de “meme mágico” entra em cena. Memes assumiriam o mesmo papel das chamadas “formas-pensamento” criadas no Plano Astral.
A partir de noções teosóficas como a de forma-pensamento (criações mentais que utilizam matéria fluídica capazes de criar formas autônomas no Plano Astral), a tradição esotérica concebe as relações sociais como que imersas em um oceano de pensamentos que por determinadas condições sedimentam-se em egrégoras e arquétipos capazes de produzir “conexões significativas”.
Se o pensamento humano nas relações interpessoais já é capaz de produzir tais efeitos, em uma sociedade onde arquétipos e egrégoras são instrumentalizados e materializados pela indústria do entretenimento esse poder plástico de moldagem no Plano Astral seria potencializado de forma exponencial.
De acordo com a magia do caos, memes em ambientes digitais poderiam, em certas circunstâncias, se transformarem em “sigilos” (signo criado para um propósito mágico específico, uma combinação complexa de traços ou figuras representando uma intenção).
Pepe, The Frog
Lachman descreve o exemplo do meme “Pepe The Frog”, postado por usuários do 4chan numa figura em que ele patrulha as fronteiras do EUA com o México. Trump aproveitou a deixa e tuitou uma figura do Pepe como ele mesmo, para tornar o personagem, criado pelo cartunista Matt Furie em 2006, em mascote da extrema-direita. Um exemplo do princípio de apropriação da magia do caos: se o mago não acredita em nada, tudo pode ser apropriado para alcançar um resultado – do Budismo Vajrayana a Pajelança; das teorias conspiratórias anticomunistas a Pepe The Frog.
Ou até a deusa egípcia do Caos, Kuk (também escrita como “Kek” ou “kuk”, com uma cabeça de sapo... No 4chan começaram a parecer a expressão KEK, uma livre variação de LOL (“Lough Out Loud” – “Rir em Voz Alta”). Uma expressão de satisfação, principalmente em resposta aos “trolling” de Trump no fórum.
Para Lachman e toda a tradição esotérica (apropriada pela magia do caos), essas “coincidências significativas” seriam os momentos em que as fronteiras entre ficção e realidade são rompidas, fazendo “coisas acontecerem” no mundo real.
O Caos como Método
A leitura das 200 páginas repletas de informações históricas sobre as conexões entre a tradição ocultista e esotérica com a política no Ocidente resulta em quatro conclusões possíveis:
(a) A modernização do conceito de magia, sempre associado unicamente a cerimônias, feitiços, satanismo e assim por diante. Desde o nazi-fascismo no século XX, quando a tradição esotérica e ocultista representada por Julius Evola e Aleister Crowley convergiram com os meios de comunicação de massa e a propaganda política, o conceito de magia precisa ser ampliado.
(b) Vivemos no século XXI um cenário muito semelhante ao descrito no item (a). Assim como Crowley e Evola encontram-se com os meios de comunicação de massa (na época, rádio e cinema), nesse momento a Magia do Caos encontra-se com Internet, redes sociais e tecnologias de convergências. E figuras como Steve Bannon e Richard Spencer como conexões entre Magia e Política.
(c) Que talvez o futuro não esteja exatamente em nossas mãos, mas em nossas mentes. Como Gary Lachman afirma, “somente crianças brincam com fósforos”. Até esse momento, a convergência Magia/Política foi catastrófica pela sua abordagem niilista e amoral. O desejo sem valores ou princípios torna-se pura vontade. “A vitória da Vontade”, como exultaram tanto os nazistas no século XX como Richard Spencer no século XXI, após a vitória de Trump.
(d) Magia é o Caos como método. A Política do Caos. Esse é um princípio que as esquerdas deverão compreender. Compreender que não estão mais diante de um oponente político-ideológico, como no passado. Mas agora, um oponente pragmático-mágico para o qual qualquer coisa pode ser apropriada, invertida, ressignificada.
Assim quando Trump tuitou uma figura baseada no pôster do filme Os Mercenários (Expendables, 2010) ressignificando como “Os Deploráveis” – Trump ao lado da nata da extrema-direita como Milos Yiannopoulos, Alex Jones e... Pepe The Frog.
Indignada, Hillary Clinton qualificou os apoiadores de Trump como “um cesto cheio de deploráveis”. Mas eles adoraram essa “ofensa”. Mais uma vez na campanha, Hillary deu ao oponente um bastão para baterem nela mesma...
agosto 11, 2019
https://cinegnose.blogspot.com/2019/08/livro-dark-star-rising-como-magia-e-o.html
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