União Europeia anula acordos com Marrocos e reconhece direitos do Saara Ocidental
Duas das três demandas da Frente Polisário, movimento pela autodeterminação saaraui, foram aceitas pela Justiça europeia.
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O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) anulou, nesta quarta-feira (29), acordos comerciais com o Marrocos que incluem o Saara Ocidental. Esse território, rico em fosfatos e com uma das zonas de pesca mais ricas do planeta, é considerado a última colônia africana.
Independente da Espanha desde 1975 e alvo de ocupação ilegal do Marrocos, o Saara Ocidental fica no Norte da África, voltado para o Oceano Atlântico. Desde 1960, integra a lista das Nações Unidas de territórios não autônomos e em processo de descolonização.
A decisão da UE acolheu dois dos três pedidos feitos pela Frente Polisário, movimento pela autodeterminação do Saara Ocidental: a anulação dos acordos de livre comércio e do acordo de pesca.
A demanda rejeitada diz respeito a cotas sobre pesca.
A Frente Polisário argumenta que esses pactos violam o Direito Internacional, na medida em que ignoram as especificidades de um território em processo de descolonização e privam os 650 mil saarauis de usufruírem de seus recursos.
A importância da decisão
"É uma grande vitória para o povo saaraui, e de grande importância estratégica", afirma Emboirik Ahmed, embaixador da Frente Polisário e representante saaraui para Brasil. "O TJUE disse com toda claridade que a Frente Polisário tem personalidade jurídica no Direito Internacional público e é o representante legítimo do povo saaraui."
"O Tribunal reconhece ainda que Marrocos e Saara Ocidental são entidades diferentes e sinaliza que o Conselho Europeu não vinha atuando conforme a lei. Isso tem uma transcendência política muito importante", completa Ahmed.
Os acordos anulados nesta quarta entre UE e Marrocos estavam em vigor desde 2006 e estabeleciam a liberalização do comércio de produtos agrícolas e frutos do mar.
Hoje, mais de 90% dos produtos de pesca comercializados pelo Marrocos na União Europeia saem de território saaraui – o que gera cerca de 52 milhões de euros (cerca de 329 milhões de reais) por ano.
A decisão é considerada histórica porque expressa o reconhecimento do Saara Ocidental como um terceiro ator, com direitos a serem considerados, na relação entre Marrocos e União Europeia.
Ou seja, seus territórios e seus recursos só podem ser incluídos em acordos internacionais com apoio explícito da população local, que tem na Frente Polisário sua principal representação.
Contexto
Entre 1975 e 1991, mais de dez mil pessoas foram mortas no conflito armado entre Marrocos e a Frente Polisário.
Há três décadas, a ONU prometeu fazer uma consulta pública sobre a autodeterminação saaraui, por meio de referendo – que nunca se realizou.
Nesse contexto, foi assinado um acordo de cessar-fogo, rompido em novembro de 2020, após um ataque marroquino à região da chamada "fenda de Guerguerat", porção sul do Saara Ocidental.
Como não houve reação da ONU ao ataque, os saarauis declararam “estado de guerra” e regresso à luta armada.
Desde então, confrontos, agressões e sequestros vêm se intensificando ao longo do chamado Muro da Vergonha, com seus 2,7 mil km construídos com assessoria de Israel e vigiados por mais de 150 mil soldados marroquinos.
"O posicionamento histórico da Frente Polisário é que a República Árabe Saaraui Demorática não é parte do território marroquino, que a presença do Marrocos no Saara Ocidental é uma ocupação ilegal, e que todos os acordos, não só com a União Europeia, representam um roubo. Por isso, a decisão desta quarta é tão estratégica", enfatiza Emboirik Ahmed.
Edição: Arturo Hartmann | Brasil de Fato
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