Boito: Marina é síntese de rentismo e ambientalismo contra o crescimento
10/09/2014
- Opinión
Armando Boito Jr, professor titular de Ciência Política da Unicamp, tem se dedicado a entender o movimento das frações de classes sociais nos governos de Lula e Dilma Rousseff.
Para isso, Boito acompanha o posicionamento dos diversos segmentos da classe trabalhadora e da burguesia para compreender as políticas econômicas e sociais do governo federal.
O estudo de quem ganha e quem perde com as políticas do governo é fundamental para entender os setores que sustentam, disputam e combatem a chamada frente neodesenvolvimentista, de acordo com Boito.
No livro “Política e classes sociais no Brasil dos anos 2000″, organizado por Boito e Andréia Galvão, um artigo do professor da Unicamp analisa a disputa entre o neoliberalismo, representado pelo PSDB, e neodesenvolvimentismo, forjado sob os governos Lula e Dilma.
O fortalecimento da candidatura de Marina Silva, pelo PSB, é uma novidade, já que quebra a polarização entre os partidos que disputam o governo federal desde 1994 e representam os projetos que organizam as forças sociais e econômicas.
“O discurso de Marina é contra a polarização PT/PSDB. Mas, de fato, o que está ocorrendo é que ela está ocupando paulatinamente o lugar do PSDB e mantendo, portanto, a polarização”, afirma Boito.
Segundo ele, há uma convergência objetiva de interesses entre ambientalismo de tipo capitalista e a política econômica do rentismo neoliberal, contra o crescimento econômico que sustenta o neodesenvolvimentismo.
“Os ambientalistas porque imaginam que, assim, preservarão a natureza; os rentistas porque querem conter os gastos do Estado para aumentar o superávit primário e rolarem sem sobressaltos a dívida pública”, analisa.
Abaixo, leia trechos da entrevista de Armando Boito ao blog Escrevinhador.
Eleições e o extraordinário
O PSDB é um partido eleitoralmente declinante. O seu programa não fala, e não pode falar, às grandes massas. Como as pesquisas indicam, a disputa, salvo acontecimento extraordinário, está entre Dilma e Marina. Não podemos nos esquecer, contudo, que as manifestações de Junho de 2013 foram um acontecimento extraordinário e a queda do avião – de propriedade até hoje suspeita e desconhecida – que transportava Eduardo Campos em agosto, também. E foram acontecimentos que mudaram o processo eleitoral. A queda do avião foi providencial para a direita. Impossibilitada de chegar ao poder com Aécio, a direita desembarcou na candidatura Marina. Ela está juntando tudo: o Clube Militar, banqueiros, ecologistas, pastores fundamentalistas, setores modernos da juventude de classe média, oposicionismo ao PT… Tem um partido pequeno e fraco, por isso maleável, uma imagem flutuante, comportamento eleitoral oportunista e origem na centro-esquerda. É o que a direita precisava para reverter o declínio eleitoral.
Dilma, frente da burguesia interna e setores populares
A candidatura Dilma representa a grande burguesia interna e tem apoio na maior parte dos setores populares organizados – sindicatos, movimentos de moradia, movimentos pela terra – e desorganizados – a base dispersa de trabalhadores marginais beneficiária dos programas de transferência de rendas. Daí, a sua política neodesenvolvimentista acoplada a uma política social moderadamente distributivista.
Grande capital e Aécio
A candidatura Aécio representa o grande capital internacional, os setores da burguesia brasileira atrelados a esse capital e a alta classe média. Daí o seu programa neoliberal ortodoxo e a sua rejeição aos investimentos produtivos do Estado e às políticas sociais distributivistas.
Perspectivas para a cidadania
O neoliberalismo e o neodesenvolvimentismo entretém relações distintas com os movimentos de reconhecimento da cidadania de negros, mulheres e homossexuais. O campo neodesenvolvimentista é aberto à luta pelo reconhecimento de negros, de mulheres e do movimento LGBT, enquannto o campo neoliberal ortodoxo é mais fechado a essas lutas, principalmente à luta da população negra que ameaça os privilégios da alta classe média nas grandes universidades e no serviço público.
Efeito colateral do sistema político
Os campos neodesenvolvimentista e neoliberal e seus respectivos partidos guardam uma relação orgânica, isto é, mais sólidas – o que não significa que tudo esteja separado de maneira estanque como poderia sugerir a rápida síntese que fiz acima. São relações sedimentadas ao longo de anos. Com Marina Silva, a situação é mais complicada. A sua candidatura é resultado da complexidade da disputa política-eleitoral.
Marina, casamento do capital com o ambientalismo
Marina Silva não tinha, inicialmente, nenhuma relação orgânica com a classe dominante. Ela representava o ecologismo de tipo capitalista de setores da classe média. Foi no jogo eleitoral que que a sua candidatura veio a se vincular com o grande capital internacional. Esse vínculo, contudo, não é aleatório. Há uma convergência objetiva de interesses entre ambientalismo de tipo capitalista e a política econômica do rentismo neoliberal. Esse ambientalismo quer brecar o crescimento econômico e, por isso, a política do rentismo lhes é mais favorável. Ambos, ambientalismo e rentismo, elegeram o neodesenvolvimentismo como inimigo principal. Não querem saber de investimentos públicos em estradas, portos, hidrelétricas. Os ambientalistas porque imaginam que, assim, preservarão a natureza; os rentistas porque querem conter os gastos do Estado para aumentar o superávit primário e rolarem sem sobressaltos a dívida pública. Essa é uma convergência objetiva de interesses, é algo mais profundo que o fato de a Marina Silva ser amiga política e pessoal da Neca Setúbal. O discurso de Marina é contra a polarização PT/PSDB. Mas, de fato, o que está ocorrendo é que ela está ocupando paulatinamente o lugar do PSDB e mantendo, portanto, a polarização.
Contradições de um eventual governo Marina
Uma coisa é a candidatura e outra é o governo. Para pedir votos, o candidato pode ser, pelo menos dentro de certos limites, uma “metamorfose ambulante”; para governar, não. Um governo Marina Silva teria de assumir posições mais firmes e tenderia, por isso, a entrar em conflito com uma parte ou outra dos que atualmente apoiam a sua candidatura. Seu apoio mais sólido é o grande capital internacional e o capital financeiro. Mas, provavelmente, seria um governo instável.
Obstáculos de um novo governo Dilma
A frente política neodesenvolvimentista está sim em crise. Mas estou falando de uma crise política e não de uma crise econômica, embora seja verdade que a queda do crescimento é um dos fatores que explicam a crise política da frente neodesenvolvimentista. A frente neodesenvolvimentista é muito heterogênea e sempre foi atravessada de contradições. Na conjuntura atual, essas contradições internas se exacerbaram e, ademais, o campo neoliberal ortodoxo iniciou uma ofensiva restauradora. A queda do crescimento, a proximidade das eleições, o crescimento das demandas populares, as divisões no seio da grande burguesia interna e a pressão do imperialismo, tudo isso contribuiu para desestabilizar a frente neodesenvolvimentista e encorajar a ofensiva restauradora do grande capital internacional e de seus aliados internos.
Afastamento da burguesia do governo
O fato de o neodesenvolvimentismo ter surfado na onda do boom das commodities, abandonando a proposta inicial mais ambiciosa – e também mais complexa – de reindustrialização do país, afastou a burguesia industrial do governo e reduziu a capacidade de a economia gerar empregos de alta qualificação, decepcionando a juventude de classe média que cursou universidades – esse descontentamento apareceu em primeiro plano nas manifestações de junho de 2013.
Ofensiva do grande capital
As contradições ativas na crise política se desenvolveram de modo desigual. Enquanto as demandas do movimento popular expressam-se, ainda, em lutas reivindicativas, isto é, sem um programa político democrático-popular que os unifique, a ofensiva restauradora do grande capital internacional e de seus aliados internos é uma ofensiva política. Eles têm programa, partido e, com Marina, uma candidatura viável. São eles, e não o movimento popular, que têm condição de substituir o neodesenvolvimentismo. E o que colocarão no seu lugar será um programa contrário aos interesses da população trabalhadora e aos interesses nacionais.
Limites do movimento popular
Atualmente, o movimento popular, como disse acima, está, enquanto movimento de massas, no nível da luta reivindicativa. Emprego, salário, moradia, terra: temos aí uma gama de reivindicações, cristalizadas em movimentos específicos e mais ou menos estanques. Esses movimentos não têm um projeto de poder. Falta aos movimentos populares consciência revolucionária e organização política. O que podem fazer agora é combater o inimigo principal: o grande capital internacional e seus aliados internos representados no PSDB e, cada vez mais, na candidatura Marina Silva. Se perderem essa batalha, até a luta reivindicativa poderá sofrer enorme retrocesso.
Campanha por uma Constituinte do sistema político
Essa campanha foi organizada pela parte da sociedade cujos interesses estão alijados do sistema político. O presidencialismo brasileiro é autoritário, a mídia é monopolizada e funciona como partido político da direita, temos o financiamento empresarial de partidos e candidatos, não há mecanismos de consulta e de participação popular nas decisões governamentais, enfim, temos um sistema politico fechado. O plebiscito pela Constituinte exclusiva e soberana do sistema político visa a mudar esse sistema com participação popular. Se acumular força e lograr impor a convocação de uma Constituinte desse tipo, daremos um grande passo na superação da democracia atrasada e elitista que é a democracia brasileira. Aliás, diga-se: a única candidatura que demonstrou algum interesse em tal Constituinte foi a candidatura Dilma Rousseff.
- Igor Felippe, no Blog Escrevinhador
11/09/2014
https://www.alainet.org/en/node/103270?language=es
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