Espectaculo kafkiano no congresso da Colômbia
02/08/2004
- Opinión
A designação não ultrapassou as fronteiras: Autodefesas Unidas
da Colômbia, as AUC. Mas a sigla esconde a realidade. Para o
povo eles são os Paramilitares, uma organização criminosa,
instrumento da política de um estado oligárquico que a criou,
armou e financiou através das Forças Armadas para cumprir as
tarefas mais sujas.
Quantos são? Ignora-se. Mas o govêrno de Bogotá admite que os
efectivos dos seus bandos atinjam 20 000 homens, a ralé da
sociedade.
O rol dos crimes por eles cometidos ocuparia centenas de
paginas. O fundador e chefe histórico do paramilitarismo, Carlos
Castaño, executava pessoalmente alguns prisioneiros. Divertia-se
decepando-lhes os membros com uma serra eléctrica, antes de os
atirar ainda vivos aos jacarés do Magdalena . Estudos publicados
por cientistas sociais avaliam em mais de cem mil o total de
camponeses assassinados pelas autointituladas AUC.
Essa escória humana manteve desde o inicio relações tão intimas
e publicas com os cartéis da droga que até a justiça dos EUA
reivindicou a extradição dos seus lideres como narcotraficantes
notórios.
O povo colombiano teme os paramilitares e sente por eles ódio.
Mas não os sucessivos governos da Republica oligárquica.
Conservadores e liberais fecharam sempre os olhos aos seus
crimes. Afinal, eram cúmplices, gente amiga.
O actual presidente, Álvaro Uribe Vélez , quando governador de
Antioquia, fez o que estava a seu alcance para que o
paramilitarismo se desenvolvesse.
Não é de estranhar assim que o seu governo tenha iniciado
«negociações de paz » com os bandos das AUC. Enquanto se diz
disposto a destruir as FARC -EP, sorri aos paramilitares,
desejoso de os ver «reintegrados harmoniosamente na sociedade
colombiana».
O namoro foi tão longe que, na sequência de manobras
presidenciais , três destacados chefes das AUC- Salvatore
Mancuso, Ivan Duque e Ramón Isaza- foram convidados pela
Comissão de Paz da Câmara de Deputados para ali, no Salão
Elíptico , se defenderem, no dia 27 de Julho pp de acusações
múltiplas. Na pratica ofereceram-lhes uma oportunidade única de
se dirigirem ao País.
As coisas não correram, entretanto, como o Poder desejava.
O escândalo foi maiúsculo. Tão grande que El Tiempo, o grande
diário da oligarquia ,que apoia Uribe, definiu como 'insólita'
a presença no Parlamento dos paramilitares narcotraficantes,
sublinhando que nem os militares, comerciantes e ganadeiros que
criaram os bandos paramilitares, nem os familiares de milhares
de pessoas por eles assassinados poderiam«esperar vê-los algum
dia no Congresso».Eles «vieram ,em suma, fazer política -
sublinhou o editorialista- e dar um passo substancial no sentido
do que procuram ha muito: adquirir legitimidade»
Os criminosos comportaram-se com arrogância. Numa tirada de
humor negro, o actual líder máximo, Salvatore Mancuso ,
afirmou:« Não podemos aceitar a prisão como recompensa pelo
nosso sacrifício pela pátria ,por termos libertado da guerrilha
metade da Republica e evitado que se consolidasse no solo pátrio
outra Cuba, ou a Nicarágua de antes».
Esperava-se que os três «convidados» respondessem às perguntas
dos deputados e senadores presentes. Essa era a motivação do
encontro, autorizado , excepcionalmente, pelo Ministério da
Justiça, por se tratar de criminosos com processos em andamento.
Mas isso não aconteceu. Logo que falaram ,retiraram-se,
rodeados por um enxame de seguranças. Nas galerias, o filho do
ex-senador comunista Manuel Cepeda, assassinado pelos
paramilitares em 1994, era –segundo El Tiempo – «a imagem
solitária das vitimas » dos bandoleiros ali tão cortesmente
recebidos.
O que se passou durante a jornada no Congresso da Colômbia
excedeu pelo absurdo situações criadas pela imaginação de
Kafka.
«Penso que hoje estamos diante de um imenso fracasso
nacional(...)somos testemunhas da submissão das instituições do
Estado ao narcotráfico»-comentou o deputado Gustavo Petro.
Mesmo entre os parlamentares uribistas, muitos manifestaram
espanto e indignação. Na opinião de Rafael Pardo Rueda « isto
não tinha sentido se era para virem dizer-nos como legislar e
foi isso o que se passou»...Outra apoiante de Uribe, a deputada
Gina Parody, desabafou: «Foi um espectáculo vergonhoso e
lamentável».
O presidente , naturalmente , tem outra opinião sobre a ida ao
Congresso dos chefes paramilitares com quem dialoga
amigavelmente, identificando neles interlocutores idóneos.
Álvaro Uribe Velez estava preocupado ,sim, com o protesto
promovido na Plaza Bolívar por personalidades da esquerda e
familiares dos milhares de cidadãos assassinados pelos bandos
dos paramilitares chamados a discursar no Congresso.
À cautela concentrou ali um imponente dispositivo policial.
Não houve choques. Mas os cartazes expressaram bem o sentimento
do povo colombiano: «Ni perdón, ni olvido!»
Nestes dias, os revolucionários das FARC-EP têm a cabeça a
prémio e são perseguidos como terroristas pelas policias da
Europa e da América. Mas em Bogotá , os chefes do
paramilitarismo, responsáveis por incontáveis crimes, discursam
no Congresso da Colômbia, recebidos como personalidades
merecedoras de respeito.
A contradição ilumina bem a moral das direitas e a caricatura
de democracia existente na pátria de Nariño.
https://www.alainet.org/en/node/110295?language=es
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