III. O “imperialismo sindical” dos EUA
14/08/2005
- Opinión
Na sua deprimente história, a AFL-CIO não causou prejuízos apenas aos trabalhadores dos EUA com sua concepção tradeunionista de negação da luta de classes – e as suas excrescências do banditismo mafioso, dos negócios empresariais ilícitos ou da ação lobista no parlamento burguês. Ela também foi um poderoso instrumento da política imperialista desta nação, procurando abocanhar as migalhas resultantes dos saques efetuados nos países periféricos. Como descreve George Morris, autor do clássico “A CIA e o movimento operário americano”, a partir do período em que os EUA se tornaram uma agressiva potência, esta cúpula sindical prestou inestimáveis serviços à burguesia como agente conspiradora dos governos imperialistas.
Os episódios são inúmeros, chocantes e inquestionáveis. Durante a guerra da Vietnã, a congresso da AFL-CIO de São Francisco, em dezembro de 1965, aprovou o “apoio incondicional” à intervenção militar. Na seqüência, promoveu campanhas de alistamento para reforçar o genocídio. Ela também apoiou o bloqueio econômico e várias ações terroristas dos EUA contra a revolução em Cuba. Já na crise da Guiana Inglesa, em 1964, o presidente nacionalista Cheddi Jagan denunciou a presença de onze sindicalistas treinados nos EUA como os principais conspiradores golpistas. No golpe do Chile, em 1973, a central ianque adestrou provocadores e orquestrou o locaute dos caminhoneiros objetivando depor o socialista Salvador Allende.
No Brasil, a ingerência da AFL-CIO também aconteceu. O livro “1964: A conquista do Estado”, de René Dreifuss, revela que “o sindicalismo americano teve atividade intensa nos anos que antecederam ao golpe militar, ajudando na conspiração”. O autor detalha os investimentos de milhões de dólares na formação de sindicalistas contrários ao presidente João Goulart, na construção de chapas de oposição e em várias ações de desestabilização. O principal receptador dos recursos foi o Movimento Sindical Democrático (MSD), dirigido pelo arquipelego Antônio Pereira Magaldi e celeiro dos interventores nos sindicatos após o golpe.
O próprio Willian Doherty, integrante da secretaria internacional da AFL-CIO, chegou a confessar várias ações ilegais. Ele se gabou de que os sindicalistas treinados nos EUA “foram tão ativos que se tornaram intimamente envolvidos em algumas operações clandestinas da revolução. O que houve em 1º de abril de 1964 não ocorreu por acaso – foi planejado com meses de antecedência. Muitos dos líderes sindicais, alguns deles em verdade treinados em nosso instituto, estavam envolvidos na revolução e na derrubada do regime de João Goulart”. Já o ex-agente Philip Age, autor do livro “Diário da CIA”, revela que Doherty fez parte da folha de pagamento desta agência e promoveu vários atos conspirativos na América Latina.
Age relata que, para realizar essas operações, a AFL-CIO usava vários meios, como os adidos trabalhistas das embaixadas estadunidenses, jornalistas de projeção na mídia e até os serviços da Orit – a organização regional da Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres (Ciosl). Ela também criou uma rede própria de institutos para disseminar sua concepção pragmática e pró-imperialista de sindicalismo. O mais ativo foi o Instituto Americano de Desenvolvimento do Sindicalismo Livre (Iadesil). Fundado em 1962 por Joy Lovestone, secretário de relações internacionais da AFL-CIO e outro notório agente da CIA, este organismo possuía direção tripartite – com dirigentes da central, representantes do governo dos EUA e executivos de 65 poderosas multinacionais, sendo presidido pelo banqueiro David Rockefeler.
Institutos similares, bancados pela central e manietados pelo Departamento de Estado dos EUA, também foram criados na África e na Ásia. O Centro dos Sindicatos Afro-Americanos (AALC), fundado em 1964, incentivou a divisão do sindicalismo e dos movimentos contrários ao racismo na África do Sul. Em 1982, a AFL-CIO atribuiu o seu “Prêmio de Direitos Humanos George Meany” ao colaborador do apartheid Gatsche Buthelezi, que havia rachado o Cosatu (Congresso dos Sindicatos Sul-Africanos). Já o Instituto Asiático-Americano dos Sindicatos Livres (AAFLI), criado em 1967, sabotou o movimento operário na Coréia do Sul e enviou recursos à central paralela fundada pelo ditador Ferdinando Marcos nas Filipinas.
Nova roupagem
Até o final dos anos 80, quando ainda predominava o anticomunismo fundamentalista da “guerra fria”, a AFL-CIO investiu pesado nesta rede ilegal e nas suas seções nacionais – como no ICT (Instituto Cultural do Trabalho), a filial brasileira dirigida por Antonio Magri que teve papel decisivo na fundação da Força Sindical. Segundo reportagem da Business Week, nesse período ela gastava, em média, “US$ 43 milhões por ano em 83 países, geralmente em projetos contra o comunismo, que tendem a se fundir com temas de interesse da política externa dos EUA”. A maior fatia dos recursos foi destinada a 22 países da América Latina, sendo usada na montagem de chapas patronais, em cursos sindicais e na cisão do sindicalismo.
Em outubro de 1995, o congresso nacional da AFL-CIO em Nova Iorque sinalizou com a possibilidade de mudanças desta política de relações internacionais. Na primeira disputa em seus 40 anos de existência, a chapa de oposição encabeçada por John Sweeny venceu o pleito, derrotando o candidato do anticomunista Lane Kirkland. Na ocasião, foram feitas críticas aos fartos investimentos da central no sindicato polonês Solidariedade e na desestabilização de vários governos democráticos. A nova direção se comprometeu a abandonar os antigos laços com o serviço de inteligência para superar o rótulo, tornado famoso no mundo todo, de ALF-CIA. Tanto que, pouco depois, Willian Doherty foi afastado da direção executiva do Iadesil.
Entretanto, segundo recente artigo de Kim Scipes publicado na conceituada Montly Review, a alteração na política externa da AFL-CIO não foi profunda e ela continua a praticar o que ele chama de “imperialismo sindicalista”. Além de se recusar a abrir os arquivos do período sujo da “guerra fria”, a nova direção ainda manteria a ingerência nos assuntos internos das outras nações. Prova disto se deu na tentativa frustrada de golpe na Venezuela, em abril de 2002. A AFL-CIO, através do seu Centro de Solidariedade (ACILS), apoiou as ações da direitista Confederação dos Trabalhadores da Venezuela contra o presidente Hugo Chávez. Inclusive solicitou a liberação de verbas do governo dos EUA (via NED) para ajudar sua “antiga aliada”. O autor garante que “a NED forneceu mais de US$ 700 mil para este trabalho na Venezuela”.
Atualmente, a AFL-CIO participa da Comissão Consultiva para Diplomacia Sindical (ACLD), organismo criado em maio de 1999 pelo ex-presidente Bill Clinton. O seu objetivo é “servir ao Secretário de Estado na consulta relativa aos programas de diplomacia sindical do governo dos EUA... Mais concretamente, ele aconselhará o Secretário sobre recursos e políticas necessárias para garantir a liderança dos EUA perante a comunidade internacional”. Com o fim da “guerra fria”, o imperialismo mudou seu discurso, mas seus objetivos expansionistas permaneceram inalterados. A AFL-CIO, que agora sofre uma profunda divisão, também teria mudado de roupagem, mas prosseguiria com a sua concepção de “imperialismo sindical”.
- Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “Encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, junho de 2005).
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