Bush tem medo dos mortos
21/06/2006
- Opinión
Os Estados Unidos sempre zombaram dos mortos. Todas as suas guerras agressivas resultaram em escombros e rastros de sangue para suas vítimas. No Vietnã, mais de 3 milhões de civis foram mortos, sob bombardeios em que não faltou o uso de armas químicas. Na América Latina, a diplomacia secreta e os órgãos de espionagem que respondem diretamente à Casa Branca estiveram por trás de golpes militares que redundaram na tortura e morte de dezenas de milhares de lutadores pela democracia. No Oriente Médio, os EUA instrumentalizam o Estado repressor de Israel que massacra cotidianamente a população desarmada da Palestina. Na luta contra Cuba socialista , esse mesmo imperialismo não hesita em abrigar e proteger notórios terroristas, como Posada Carrilles, responsável pela explosão de aviões e de bombas em hotéis. É uma história, além de criminosa, assumida como de zombaria e cinismo com os mortos. Os atos delituosos do imperialismo norte-americano sempre encontraram justificativa e legitimação na pena e na voz de um exército de propagandistas a seu serviço. “Direitos humanos”, “Democracia”, “Segurança nacional”, “Defesa de interesses estratégicos” são as expressões usuais com que os facínoras zombaram dos mortos e sobre eles tripudiaram.
Nas “guerras preventivas” da atualidade, não tem sido outra a conduta. No Afeganistão as tropas estadunidenses promoveram uma razia para caçar o ex-aliado terrorista que esteve a seu serviço durante a guerra anti-russa dos anos 80. No Iraque, com falsos pretextos e evidentes mentiras, destruíram um dos mais antigos patrimônios culturais da humanidade, destroçaram a infra-estrutura do país, mataram dezenas de milhares de civis, 28 mil segundo algumas fontes, 40 mil segundo outras. As cidades de Falluja, Ramadi, Talafar, Samarra e Haditha foram alvos de em operações de cerco e aniquilamento, cujo resultado pode ser equiparado em alguns casos a um genocídio. E o comportamento do império que se exibe como onipotente e invencível continua sendo de zombaria para com as vítimas. Para assassinar Zarqawi, o líder da facção Al-Qaeda, as forças de ocupação tiveram que bombardear seu esconderijo em Baquba. O presidente dos EUA, numa demonstração de decadência moral e política, comemorou o fato como uma grande vitória da sua administração. Acossado por uma opinião pública cada vez mais crítica em relação à guerra de ocupação, desmoralizado pelas inumeráveis derrotas políticas e no campo de batalha, o que se reflete cada vez mais nas pesquisas de opinião, George W. Bush está empenhado em capitalizar o fato, para demonstrar aos críticos a “utilidade” da guerra. A indigência de feitos é de tal ordem que os agressores não têm pejo em proclamar que se trata da maior façanha desde a captura de Saddam, há quase três anos.
A coleção de derrotas no Iraque talvez explique por que os imperialistas, sem fazer autocrítica nem demonstrar arrependimento pelos seus crimes, estejam substituindo a zombaria com a morte por outro tipo de sentimento, bem mais consentâneo com a fase de decadência que estão vivendo: o medo. Eis que o comandante do campo de concentração de Guantânamo, o vice-almirante Harry Harris, considerou o suicídio de três infelizes prisioneiros no sábado passado “um ato assimétrico de guerra”. Os EUA massacram os vivos. E têm medo dos mortos. Foi a mais clara confissão de derrota jamais feita por uma autoridade norte-americana, é a mais solene demonstração de que os Estados Unidos estão na guerra do Iraque cavando a própria sepultura. É a demonstração cabal de que também no caso da intervenção estadunidense no Iraque “a única verdade da guerra são as suas vítimas”.
O próprio Bush, caindo na real, foi obrigado a dizer que a morte de Zarqawi não é suficiente para “acabar com a violência” no país ocupado. Fez uma “visita-surpresa” para reiterar “apoio” e “confiança” no governo recentemente constituído, um governo fantoche, tão fantoche que ficou sabendo que se encontraria com o imperador cinco minutos antes de a reunião se realizar. Nesses mesmos dias, anunciou-se em Washington a liberação de mais 66 bilhões de dólares para pagar as operações de guerra no Iraque, elevando para 320 bilhões de dólares o total gasto com a matança.
Tudo indica que a visita de Bush caiu no vazio e que seus exércitos de ocupação continuarão temendo não só os mortos, como também os vivos. No front interno, continuam multiplicando-se as ações da resistência iraquiana. E externamente, a opinião pública internacional acaba de tomar conhecimento de um estudo realizado pelo instituto independente britânico Oxford Research Group, insuspeito de ser antiamericano, segundo o qual, após 18 meses de estudos e investigações, o terrorismo não é a principal ameaça à humanidade. Para o instituto, os perigos reais são as “mudanças climáticas”, a “marginalização da maioria da população mundial”, a “competição pelos recursos naturais” e a “militarização mundial”. Sobre este último aspecto acabam de ser divulgados pelo Instituto Internacional de Investigação da Paz, sediado em Estocolmo, Suécia, os dados referentes aos gastos militares globais, num total de 1,1 trilhão de dólares, 40% dos quais, ou 478,2 bilhões, correspondem aos Estados Unidos. Além disso, o estudo indica que a “guerra ao terrorismo” tem sido contraproducente, porquanto está gerando “mais instabilidade e insegurança”. Trata-se de mais uma condenação à doutrina de “guerra permanente ao terrorismo”, que está no fundamento das matanças que os Estados Unidos executam no Iraque.
Enquanto perdurar a guerra de agressão estadunidense, com seu cortejo de crimes de lesa-humanidade, prosseguirá a guerra de resistência do povo iraquiano, pois se trata de um povo cioso de sua liberdade e soberania, que em muitas outras situações históricas já deu mostras de não aceitar a dominação estrangeira. É por isso que, malgrado tudo, os Estados Unidos colhem derrotas e estão condenados a fracassar na sua intentona neocolonialista. Bush tem reiterado que não sai tão cedo do Iraque. Quanto a isso, o movimento pela paz e a solidariedade internacional não podem permitir-se equívocos. A exigência de retirada das tropas de ocupação imperialistas do Iraque é simultaneamente uma questão de princípios e uma palavra de ordem de ação imediata.
- José Reinaldo Carvalho, Jornalista. Diretor de Comunicação do Cebrapaz.
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