As jóias do pensamento único
29/04/2012
- Opinión
Lembram do “pensamento único”, dos tempos de FHC, Menem et alii? Acharam que ele estava morto? Mas o “pensamento único” é como um vampiro. A gente acha que ele morreu num filme. Mas ele renasce em outro, mais desempenado e arrogante do que nunca.
No caso em pauta, ele sucumbiu na América Latina, mas vem mostrando toda a sua garra – e as garras também – na Europa.
O seu novo empreendimento – e comentaristas ortodoxos já se aprestam a tanto – é desacreditar o programa de François Hollande (v., p. ex. “How Long Will Hollande’s Party Go On”, por Wolfgang Kaden).
Tais vozes apontam-lhe a falácia da pretensão de promover o crescimento econômico com o concomitante crescimento do endividamento público.
O vocabulário é o de sempre: higienista e desqualificador. O programa de Hollande estaria “infectado” pelas idéias de Lord Keynes – nessa altura mais odiado do que Marx. Representaria um recuo de 40 anos no tempo. Seria a prova de que Hollande e os que pensam como ele “não aprenderam nada” com a presente crise.
Além do acréscimo nas despesas públicas, o que mais exaspera esse pensamento é a possibilidade de que, se a ótica de Hollande prevalecesse, o Banco Central Europeu mudaria de natureza. Passaria a promover o crescimento, coisa indesejável, porque ele teria de se comportar como um verdadeiro banco, lançando letras, captando fundos, e assim estaria concorrendo deslealmente com a banca privada, que continua sendo a menina dos olhos e o menino prodígio dos planos de austeridade, que visam promove-la a “reguladora” dos “novos” estados nacionais que devem emergir dessa crise.
Para esse pensamento, quais são os males a combater? Salários altos demais, que promovem pensões altas demais, tornam países pouco competitivos, diminuição das horas trabahadas, aposentadorias precoces, além do ensinamento maléfico, que viria das atitudes promovidas “pela agenda esquerdista clássica”, qual seja, a de que se pode viver acima dos próprios meios. E isso vale para trabalhadores e para países igualmente.
Enquanto isso, sem falar nos gordos bônus dos altos exectuivos do sistema financeiro, o Banco Central Europeu distribuiu 200 bilhões de euros para governos endividados – para que eles possam continuar a honrar seus compromissos com a banca privada – e repassou 1 trilhão diretamente a essa banca, para que ela possa continuar a promover os ganhos especulativos de que está acostumada a viver.
Agora, que o BCE passe a captar fundos para promover o crescimento, isso é inusportável para esse tipo de pensamento. E ele nem de longe consegue cogitar que tenha algo a ver com o que está acontecendo no mundo real: a catástrofe espanhola, o drama português, a tragicomédia britânica, o crescimento da extrema-direita na França, a tragédia grega, as crises na Holanda e na Romênia, o caldo de cultura favorável à xenofobia na Europa – com o caso dramático da Noruega, por exemplo.
Como se tudo isso não bastasse, Hollande fala em rever o pacto fiscal europeu – esse mesmo que está levando a Europa à inanição recessiva e boa parte do mundo com ela. Portanto, de tudo isso, só se pode tirar uma conclusão: está na hora de Angela Merkel disciplinar Hollande, ou pelo menos mostrar a ele quem é que manda.
Tão enraizado é esse “pensamento único”, que mesmo dirigentes do SPD alemão (não todos) vêm chamando as idéias de Hollande de “ingênuas”.
Essa arrogância não tem cura. Ela não cogita a partir do real, mas somente a partir da fantasia de suas premissas modelares.
Como nos filmes de vampiro, o único remédio para ela é uma estaca no coração. Política, é claro. Não estamos falando de apologia da violência. Isso é coisa da direita, inclusive de sua vanguarda “moderna”: o “pensamento único” que, para preservar os próprios anéis, não hesita em cortar os dedos, as mãos e os sonhos... dos outros.
No caso em pauta, ele sucumbiu na América Latina, mas vem mostrando toda a sua garra – e as garras também – na Europa.
O seu novo empreendimento – e comentaristas ortodoxos já se aprestam a tanto – é desacreditar o programa de François Hollande (v., p. ex. “How Long Will Hollande’s Party Go On”, por Wolfgang Kaden).
Tais vozes apontam-lhe a falácia da pretensão de promover o crescimento econômico com o concomitante crescimento do endividamento público.
O vocabulário é o de sempre: higienista e desqualificador. O programa de Hollande estaria “infectado” pelas idéias de Lord Keynes – nessa altura mais odiado do que Marx. Representaria um recuo de 40 anos no tempo. Seria a prova de que Hollande e os que pensam como ele “não aprenderam nada” com a presente crise.
Além do acréscimo nas despesas públicas, o que mais exaspera esse pensamento é a possibilidade de que, se a ótica de Hollande prevalecesse, o Banco Central Europeu mudaria de natureza. Passaria a promover o crescimento, coisa indesejável, porque ele teria de se comportar como um verdadeiro banco, lançando letras, captando fundos, e assim estaria concorrendo deslealmente com a banca privada, que continua sendo a menina dos olhos e o menino prodígio dos planos de austeridade, que visam promove-la a “reguladora” dos “novos” estados nacionais que devem emergir dessa crise.
Para esse pensamento, quais são os males a combater? Salários altos demais, que promovem pensões altas demais, tornam países pouco competitivos, diminuição das horas trabahadas, aposentadorias precoces, além do ensinamento maléfico, que viria das atitudes promovidas “pela agenda esquerdista clássica”, qual seja, a de que se pode viver acima dos próprios meios. E isso vale para trabalhadores e para países igualmente.
Enquanto isso, sem falar nos gordos bônus dos altos exectuivos do sistema financeiro, o Banco Central Europeu distribuiu 200 bilhões de euros para governos endividados – para que eles possam continuar a honrar seus compromissos com a banca privada – e repassou 1 trilhão diretamente a essa banca, para que ela possa continuar a promover os ganhos especulativos de que está acostumada a viver.
Agora, que o BCE passe a captar fundos para promover o crescimento, isso é inusportável para esse tipo de pensamento. E ele nem de longe consegue cogitar que tenha algo a ver com o que está acontecendo no mundo real: a catástrofe espanhola, o drama português, a tragicomédia britânica, o crescimento da extrema-direita na França, a tragédia grega, as crises na Holanda e na Romênia, o caldo de cultura favorável à xenofobia na Europa – com o caso dramático da Noruega, por exemplo.
Como se tudo isso não bastasse, Hollande fala em rever o pacto fiscal europeu – esse mesmo que está levando a Europa à inanição recessiva e boa parte do mundo com ela. Portanto, de tudo isso, só se pode tirar uma conclusão: está na hora de Angela Merkel disciplinar Hollande, ou pelo menos mostrar a ele quem é que manda.
Tão enraizado é esse “pensamento único”, que mesmo dirigentes do SPD alemão (não todos) vêm chamando as idéias de Hollande de “ingênuas”.
Essa arrogância não tem cura. Ela não cogita a partir do real, mas somente a partir da fantasia de suas premissas modelares.
Como nos filmes de vampiro, o único remédio para ela é uma estaca no coração. Política, é claro. Não estamos falando de apologia da violência. Isso é coisa da direita, inclusive de sua vanguarda “moderna”: o “pensamento único” que, para preservar os próprios anéis, não hesita em cortar os dedos, as mãos e os sonhos... dos outros.
- Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
https://www.alainet.org/en/node/157534
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