Banco do Sul: novos desafios para a integração financeira regional
- Opinión
Muito se escreve (e é importante que assim seja) que, na década de bonança, entre 2003-2012, houve grandes avanços na diminuição da pobreza, pouco na diminuição da desigualdade de renda e nada na desigualdade de riqueza.
Com maior ou menor intensidade, esse fenômeno foi comum a quase toda a América do Sul.
Em relação ao comércio e produção, o debate tem sido menos intenso. Por analogia, se poderia afirmar que nos dez anos mencionados houve grandes avanços no comércio e consumo, pouco em infraestrutura e produtividade e quase nada em integração produtiva.
A baixa intensidade na integração produtiva encontra-se justificada na debilidade de nossa infraestrutura e dos instrumentos de financiamento.
Ainda que tenha havido alguns importantes projetos de integração na última década, como as primeiras pontes ligando o Brasil ao Peru e à Guiana, o investimento regional em infraestrutura na América do Sul em proporção do PIB é metade da média dos países emergentes e um quarto do da China.
Apenas uma pequena fração do que se investe em infraestrutura na América do Sul está relacionado a projetos de integração. É muito mais barato enviar um container do porto de Manta no Equador para Xangai do que para Santos.
Comércio regional em queda
Se o comércio intrarregional vinha orbitando em apenas 18% da média do comércio exterior dos países da América do Sul, os resultados deste ano e a tendência indicam que a situação deve deteriorar.
O Panorama da Inserção Internacional da América Latina e Caribe 2016, recentemente publicado pela CEPAL, indica que em 2015 o comércio da América Latina com o resto do mundo caiu 14% e que a projeção para este ano é de mais 4% de retração.
Dentro da própria região, o desempenho é ainda pior: menos 20% de comércio intrarregional ano passado e menos 10% agora.
Nota-se que no Mercosul o comércio intrabloco é de 14,2% enquanto na Aliança do Pacífico de apenas 3,6%, ainda que a queda do comércio interno de ambas agrupações tenha caído iguais 12% nos primeiros seis meses de 2016 comparado ao mesmo período de 2015.
A análise dos dados setoriais das importações regionais presente no mesmo relatório reforça o cenário pessimista. Enquanto as compras de bens de consumo caem 4%, os bens de capital caem 7% e os bens intermediários 10%, indicando uma retração mais forte da produção no curto prazo.
Ou seja, na retração atual a propensão relativa ao consumo segue aumentando e a ao investimento diminuindo, acentuando nossos problemas estruturais.
Queda livre
Já são quatro anos consecutivos de queda no comércio internacional do conjunto da América Latina, situação sem precedentes. Para o Brasil esse fenômeno é particularmente grave quando consideramos o tipo de comércio que temos com os vizinhos.
Além do superávit persistente que o Brasil tem no comércio com a América Latina, mais de 80% do que temos exportado para a região são manufaturados. Para os Estados Unidos, pouco mais de 50% são manufaturados. Para a Europa, o índice fica em 35 e, para a China, 5%.
Em 2016, a despeito da balança comercial geral superavitária, o Brasil vem registrando seu maior déficit na balança setorial de máquinas e equipamentos da história.
Por isso, mais do que antes, é necessário fortalecer a articulação regional para reforçar a cooperação financeira, tanto para a infraestrutura como para geração de cadeias produtivas regionais.
Integração
Nos dias 29 e 30 de novembro foi realizado um grande seminário sobre cooperação monetária e financeira na Secretaria Geral da UNASUL, em Quito, organizado em conjunto com a UNCTAD e o governo equatoriano.
O objetivo era discutir as propostas de criação de redes de financiamento para o desenvolvimento regional, mecanismos de cooperação de instituições financeiras de desenvolvimento intrarregionais e entre instituições de distintas regiões.
Participaram organismos tradicionais da região como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) e Fundo Latino-Americano de Reservas (FLAR), além de externos como o Banco Islâmico de Desenvolvimento e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura e novos, como o Banco do Sul. O Ministério da Fazenda do Brasil também apresentou o Novo Banco de Desenvolvimento (banco do BRICS).
Os resultados do seminário serão publicados em livro nas próximas semanas. Coincidiu-se que os instrumentos de integração financeira são complementares, não excludentes, e verificou-se que a arquitetura financeira desenhada é insuficiente para os desafios atuais da região.
Isto é, as principais instituições têm contribuído com o desenvolvimento da região, mas são insuficientes para a integração. Há alguns anos, após pressão de vários países, o diretório do BID determinou que 15% do financiamento de seus projetos fossem direcionados a projetos de integração binacional ou que envolvam mais de dois países.
Ainda que a meta esteja sendo cumprida é evidente que o volume muito baixo, comparado às necessidades da região.
Mesmo no período de bonança, a defasagem no financiamento de projetos de infraestrutura se fez mais presente na América do Sul por conta da mudança na composição dos fluxos internacionais de capitais no período pós crise financeira internacional.
Houve menos empréstimo de corporações financeiras e mais investimentos de portfólio, por conta do boom no mercado de bonds. Os bancos, que são de difícil substituição para financiar infraestrutura, têm limitado suas ações de longo prazo.
Projetos de integração e multi-jurisdicionais envolvem riscos adicionais, dificultando o acesso ao financiamento e demandando a utilização de instrumentos de cooperação financeira para viabilizar diretamente e mitigar seus riscos. A atual conjuntura de consolidação fiscal afeta de forma desproporcional os investimentos públicos.
Novos recursos de bancos multilaterais de desenvolvimento podem ajudar a sustentar o nível de investimento em setores prioritários. A importância dessas instituições de financiamento está aumentando tanto por conta do déficit de financiamento em infraestrutura como pelo novo contexto de risco e aumento dos custos de capitalização no exterior.
O Banco do Sul
O Banco do Sul foi proposto no fim da década passada para cobrir a lacuna dos instrumentos existentes e utilizar a poupança local no fomento do desenvolvimento e integração regional.
Paralelo ao seminário de cooperação financeira, na própria Secretaria Geral da UNASUL, se instalou a diretoria executiva do Banco do Sul, que elegeu seu presidente interino, o uruguaio Pedro Buonomo. A conta do banco será aberta em 19 de dezembro e em 2017 serão feitos os aportes iniciais simbólicos, somando US$ 90 milhões.
O convênio constitutivo do Banco do Sul foi assinado em 2009 pelos presidentes de Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Cinco países chancelaram o documento em seus parlamentos, mas Brasil e Paraguai ainda tramitam sua aprovação.
No Brasil, o convênio do Banco do Sul foi aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados em 2013, mas até agora não foi apreciado pelo plenário da casa.
Vários instrumentos de integração foram propostos em um momento em que aparentemente havia maior confluência dos governos da região, mas nem todos foram executados na velocidade e com consistência desejadas.
Agora, o desafio é compatibilizar políticas econômicas e de inserção internacional divergentes com a necessidade de estancar a queda no comércio intrarregional e estimular cadeias regionais de valor.
Atuando especificamente nesses setores é que o Banco do Sul pode vir a ser um elemento estratégico para superar a crise sem precedentes que a região enfrenta.
A UNASUL, em conjunto com a CEPAL, está elaborando um estudo sobre garantias para as exportações regionais e outro sobre oportunidades de integração produtiva a partir da análise da matriz insumo-produto sul-americana. Ambos documentos serão concluídos em 2017 e devem ser insumos decisivos para a atuação do novo banco.
Para o bem ou para o mal, a história de nossa América do Sul mostra que nos movemos muito mais por necessidades do que por afinidades. Isso pode trazer algo de otimismo para o próximo período, que tudo indica será pior do que o anterior.
- Pedro Silva Barros é Diretor de Assuntos Econômicos da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), convidado do GR-RI.
14/12/2016
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