O 'axioma Mourão'
- Opinión
Desde o início do governo Bolsonaro, há exatos dois meses, parte do mundo político empenha-se em demonstrar o que se afigura como o 'teorema Mourão'.
O general vice-presidente opina sobre tudo. E os atores políticos buscam descobrir se é ou não pretendente à faixa presidencial na eventualidade de uma crise política e governamental de envergadura.
Mas há algo mais simples sobre a performance do general vice-presidente, o que poderíamos chamar de "axioma Mourão".
Na última segunda-feira (25), ele fez as vezes de chanceler ao representar o Brasil na reunião do Grupo de Lima, realizada em Bogotá para discutir a "questão venezuelana".
Em tempo, o Grupo de Lima é um arranjo diplomático artificial, composto por países satélites do imperialismo estadunidense, governados pela direita ou extrema-direita, formado para contrabalançar o falhanço que é a Organização dos Estados Americanos (OEA), o antigo ministério das colônias dos EUA, hoje transformado num traste que não tem a mesma funcionalidade do passado na execução das ordens do império sediado em Washington.
E a "questão venezuelana" é um dos tantos contenciosos internacionais criada pelo mesmo imperialismo, com finalidades intervencionistas. A rigor, para o povo do país vizinho e seu governo legítimo e constitucional a questão venezuelana é a continuidade da Revolução bolivariana, o aprofundamento do processo democrático-popular, a defesa da soberania nacional ameaçada, a superação da crise econômica criada pelas dificuldades objetivas e sobretudo pelas abusivas sanções econômicas, comerciais e financeiras impostas pelos Estados Unidos.
Quando se trata deste assunto, deparamo-nos não com o teorema, mas com o "axioma Mourão". A Venezuela e Maduro são este axioma, o que o general diz sobre isto não carece de demonstração, é evidente por si mesmo. É quando ele deixa às claras seu verdadeiro pensamento, alinhamento estratégico e geopolítico.
A entrevista que deu à Globonews na última quarta-feira (27) é elucidativa sobre suas próprias opiniões, as do governo de que faz parte e das Forças Armadas brasileiras. São posições políticas opostas a tudo o que é progressista, anti-imperialista e transformador na América Latina.
O general vice-presidente contestou a legalidade, a legitimidade e a autenticidade da eleição presidencial de maio de 2018, quando Maduro foi reeleito. Peremptório, disse: "Não resta dúvida do caráter de ilegitimidade do 'regime' de Maduro". Dessa premissa saca a definitiva conclusão, que pelo efeito repetitivo, mais parece uma obsessão: "O Maduro tem de sair".
Uma posição coincidente com a de todo o establishment brasileiro e inteiramente alinhada com a do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, exceto pelo aspecto da intervenção militar externa.
O alinhamento essencial com a proposição de derrubar Maduro compromete a própria a negativa à intervenção militar na Venezuela e à participação brasileira em tal nível de agressão. Em resumo, segundo o axioma Mourão, o Brasil contrapõe-se à solução militar, mas empenha-se afanosamente na derrocada do presidente do país vizinho.
A oposição brasileira à intervenção militar é, assim, tática. E contém boa dose de cálculo e pragmatismo defensivo, porquanto o Brasil não tem condições políticas, morais nem militares para enfrentar uma guerra. Para além disso, a cessão do nosso território a uma aventura militar inteiramente desligada dos interesses do país é algo que poria inevitavelmente o governo e as Forças Armadas no terreno da traição nacional.
Ao coincidir com Trump no empenho para derrubar o presidente Maduro, o general Mourão fez uma profissão de fé durante a entrevista: enalteceu a "aliança antiga com os Estados Unidos".
Ele já tinha defendido a derrubada de Maduro em seu discurso na reunião do Grupo de Lima. Desta vez, perante a bancada de jornalistas amigos, pronunciou-se um pouco mais coloquialmente. Empregou linguagem de cerco: "arrinconar Maduro, pôr Maduro no canto". Do cerco à tentativa de aniquilamento é um passo.
O repertório de declarações do general vice-presidente incluiu o elogio ao titular da presidência por receber em Palácio o fantoche de Trump, Juan Guaidó, a quem deu conselhos: "Neutralizar as milícias, arrinconar Maduro, mobilizar a comunidade internacional" para derrubar o presidente venezuelano.
Por via das dúvidas, o vice-presidente foi obrigado a admitir a possibilidade de Guaidó fracassar. É realista e deve ter tomado conhecimento das reprimendas do vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, ao fantoche que preside a Assembleia Nacional venezuelana por não ter conseguido desde a sua autoproclamação como "presidente encarregado" cumprir o que prometeu - a adesão das Forças Armadas venezuelanas e do povo bolivariano à sua aventura, e a coleta de dinheiro junto aos milionários vende-pátria para comprar apoio mediante a corrupção.
No caso de fracasso da operação Guaidó, Mourão indica para liderar a "democratização" da Venezuela nomes como Leopoldo López, condenado por assassinatos, em prisão domiciliar, Antonio Ledezma, condenado pelos mesmos crimes, prófugo da Justiça, exilado na Colômbia, e Henrique Caprilles, o ex-candidato que Chávez e Maduro derrotaram duas vezes consecutivas e que também se encontra implicado em processos na Justiça venezuelana.
Não convém ao Brasil nenhum tipo de envolvimento, mesmo diplomático, para derrocar o governo de outro país. Não é só a intervenção militar que a Constituição Federal interdita. É qualquer tipo de ingerência e violação ao princípio da autodeterminação nacional. As Forças Armadas decerto conhecem o preceito.
- José Reinaldo Carvalho é jornalista, pós-graduado em Política e Relações Internacionais, diretor do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz. Integra o projeto Jornalistas pela Democracia
1 de Março de 2019
https://www.brasil247.com/pt/colunistas/josereinaldocarvalho/385455/O-'axioma-Mour%C3%A3o'.htm
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