O 'ethos' que se compadece
14/08/2003
- Opinión
O ethos para ser plenamente humano, precisa incorporar a
compaixão. Há muito sofrimento na história, sangue
demasiado em nossos caminhos e interminável solidão de
milhões e milhões de pessoas, carregando sozinhas, em seu
coração, a cruz da injustiça, da incompreensão e da
amargura. Tal é a condição humana de seres que são a
convergência das contradições. O ethos que se compadece
quer incluir a todos esses no "ethos" humano, vale
dizer, na casa humana, onde há acolhida e onde as
lágrimas podem ser choradas sem vergonha ou enxugadas
carinhosamente.
Mas precisamos, antes, fazer uma terapia da linguagem
pois, compaixão possui, na compreensão comum, conotações
pejorativas. Ter compaixão significa apiedar-se do outro,
porque o considera desamparado, sem energia interior para
se erguer. Supõe a atitude de quem olha de cima para
baixo, humilhando-o. No cristianismo dos primórdios, no
entanto, com-paixão era sinônimo de misericórdia, aquela
atitude generosa que quer compartir a paixão com o outro
e não deixá-lo sozinho em sua dor. Isso não é fazer
"caridade", criticada pelo poeta cantante argentino
Atauhalpa Yupanqui: "eu desprezo a "caridade" pela
vergonha que encerra. Sou como o leão da serra que vive e
morre em soledade".
No budismo a compaixão é considerada a virtude pessoal de
Buda. Por isso é central e tem a ver com a questão que
fez nascer o budismo como caminho espiritual: "qual é o
melhor meio para libertar-nos do sofrimento"? A resposta
de Buda foi: "pela com-paixão, pela infinita com--
paixão".
Dalai Lama, como já escrevemos nesta coluna, atualiza
essa ancestral resposta desta forma: "ajude os outros
sempre que puder e se não puder, jamais os prejudique".
Duas virtudes realizam a compaixão: o desapego e o
cuidado. Pelo desapego renunciamos a possuir as coisas e
as respeitamos em sua alteridade. Pelo cuidado zelamos
pelo bem estar delas e as socorremos no sofrimento.
A compaixão talvez seja a contribuição ética e espiritual
maior que o Oriente deu à cultura mundial. O que torna o
sofrimento penoso não é tanto o próprio sofrimento. Mas a
solidão no sofrimento. O budismo e também o
cristinianismo convocam a estabelecer uma comunhão no
sofrimento para que ninguém fique só e desamparado em sua
dor.
Como o amor e o cuidado, assim a compaixão tem um campo
ilimitado de realização. Não se restringe apenas aos
seres humanos. Mas a todos os seres vivos e aos cosmos.
O ideal budista de compaixão nos ensina como nos
relacionar adequadamente com a comunidade de vida:
primeiro respeitar sua alteridade, em seguida conviver
com ela, cuidar dela e especialmente regenerar aqueles
seres que sofrem ou estão sob ameaça de extinção. Só
então nos beneficiar com seus dons, na justa medida e
com responsabilidade, em função daquilo que precisamos
para viver de forma suficiente e decente.
*Leonardo Boff. Teólogo.
https://www.alainet.org/es/articulo/108087
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