Por que há tanta injustiça?
25/06/2001
- Opinión
Todos nós ficamos indignados com o resultado do Tribunal do Júri
realizado no último dia 18 de junho, que inocentou o fazendeiro mandante
do assassinato da sindicalista Margarida Alves, na Paraíba, em agosto de
1983. Quem dera se fosse o único caso. De 1985 para cá mais de 1.600
companheiros e companheiras, sindicalistas, religiosos, advogados e
deputados foram assassinados no meio rural por motivos políticas, em
problemas de terra. Menos de 100 casos tiveram processos e julgamentos.
Em menos de 20, foram condenados os autores ou mandantes. E, pelo o que
se sabe, estão presos apenas os envolvidos em três crimes, que obviamente
tiverem muita notoriedade: os assassinos de Chico Mendes, do padre Josimo
Tavares e do sindicalista Canuto. Todos os demais estão impunes.
No caso dos policiais que participaram do massacre de Carajás, há mais de
cinco anos, a certeza da impunidade fez com que alguns deles se
envolvessem no assassinato de mais dois líderes do MST, em Paraupebas
(PA).
Há mais de ano está parado no Senado, depois de aprovado em duas votações
na Câmara dos Deputados, um projeto de lei de emenda constitucional, de
iniciativa do próprio governo, que transfere para a Justiça Federal os
crimes cometidos contra os direitos humanos. Há acordo entre todos os
partidos para a aprovação desse projeto. E, por alguma razão mais forte
do que a retórica dos partidos políticos e do governo federal, o projeto
não é aprovado no Senado. Por quê?
Infelizmente, além da estúpida violência física que ceifa impunemente
tantas vidas, existem muito mais injustiças no meio rural. Incansável e
corajosamente o padre Ricardo Resende continua denunciando a existência
de trabalho escravo, ainda hoje, em pleno século 21, em fazendas do Sul
Pará. Mães desesperadas não conhecem o paradeiro de seus filhos adultos,
levados por ''gatos'', sem nunca mais dar notícias. Sem documentos, sem
endereço, sem cidadania. Tratados apenas como uma mercadoria. Será este o
Brasil moderno que Fernando Henrique Cardoso prometeu ao povo brasileiro
há sete anos, quando assumiu o governo?
Todos nós ficamos indignados com a insensatez e a irresponsabilidade do
governo federal com a crise da energia elétrica. Mas no meio rural há
ainda milhões de brasileiros que não conhecem a energia elétrica. E não é
porque moram em grotões inacessíveis. Temos uma escola, de um
assentamento do MST, que funciona com 600 alunos, no antigo canteiro de
obras da maior hidrelétrica do Paraná, Salto Santiago. Portanto, ao lado
da usina hidrelétrica. E não tem luz! Milhares de camponeses do Pará e do
Maranhão vivem no escuro, perto da linha elétrica de Tucuruí, que leva
energia apenas para uma multinacional canadense exportar alumínio.
Quantos exemplos mais se poderia dar de tantas injustiças, violências
sociais e da impunidade existente? Exemplos não faltam. Basta andar por
esse Brasil e observar.
Mas a pergunta chave é: por que persistem a injustiça e a impunidade?
Persistem porque nossa sociedade é controlada por uma minoria, da classe
dominante, de abastados, que pensa apenas em acumular riqueza, acumular
poder. Para isso, frente ao capital internacional, são extremamente
subservientes. Frente ao povo brasileiro, são violentos e repressores.
Essa minora se utiliza do Estado apenas para garantir seus privilégios e
aumentá-los ainda mais. O Estado brasileiro nem assimilou ainda a
Revolução Francesa de 1789, da separação dos três poderes e do voto livre
e democrático. Mas, mais do que isso, o Estado brasileiro está
organizado, estruturado, para funcionar apenas em beneficio de uma
minoria.
Como disse, recentemente, o bispo de Caxias (RJ), Dom Mauro Morelli, ''o
Estado brasileiro é como uma Van, feito para caber apenas 10 pessoas. O
povo, amontoado nas paradas, até pode escolher a troca de motorista, mas
seguirão viajando apenas os 10%.''
Nossa sociedade precisa é de mudanças radicais, que vão à raiz dos
problemas. E para isso não basta apenas mudar o motorista. Precisamos
mudar o tipo de transporte, para que todos os brasileiros possam
''viajar'' e não apenas os 10%. Sem essas mudanças, as injustiças sociais
continuarão aumentando e a impunidade dos poderosos continuará sendo
parte das regras do jogo.
* João Pedro Stedile é membro da direção nacional do Movimento dos Sem
Terra
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