Bush recorre ao keynesianismo de guerra para reativar economia do país

22/10/2001
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O presidente norte-americano pegou uma economia em ciclo superavitário e pode gastar largamente, inflando a fatura da indústria bélica e, em seqüência, de toda cadeia industrial O reino de Friedrich Von Hayek, inimigo figadal do keynesianismo e da social-democracia, parecia destinado a durar mil anos, similarmente à promessa sinistra do III Reich; durou vinte, se tanto, desde a ascensão da Dama de Ferro a Downing Street. E o pensamento, sobretudo a prática, derivada da teorização do lorde inglês, voltou com tudo neste cenário pós-WTC. Que se esconde por trás da revalorização do papel do Estado, pelas mãos do caubói que talvez sequer tenha ouvido falar daquele lorde, e muito menos ter posto os olhos em algum de seus textos? A desproporção entre o atacado, no caso o Afeganistão, e os atacantes, sobretudo os USA, mas também a Inglaterra, e as reservas da Otan postas à disposição dos norte-americanos responde, parcialmente, à revalorização do Estado.Uma força bélica descomunal, inferior apenas à que foi utilizada contra o Iraque e o Vietnã, contra um país militarmente insignificante, que dispõe apenas de alguns velhos tanques herdados da guerra e talvez alguns milhares de kalashnikovs destruídos, ao longo de vinte anos, pela invasão russa e suas seqüelas detonantes de conflitos tribais. Como se explica? Em parte porque as operações militares, o emprego de um imenso aparato, legitima o governo norte-americano frente aos seus cidadãos, sedentos de vingança depois dos atentados e excitados pela belicosidade de seu presidente. É a prova da invencibilidade da América, tão ao gosto de Hollywood. E pelos caminhos da espetacularização da guerra, ela é ganha quanto maior for o espalhafato dos ataques. Trata-se de uma sinistra "indústria cultural". Mas tudo isso ainda é pouco para tamanha mobilização, mesmo porque, a confiar-se na própria perspectiva dos dirigentes norte-americanos, na palavra de Donald Rumsfeld, o falcão secretário da Defesa, será uma guerra de longa duração; isto é, o combate ao terrorismo não pode se prolongar indefinidamente, senão ao preço de sua própria banalização, o que anula o efeito-espetáculo. É como novela da Globo: ninguém agüenta mais de dois meses. O resto, e talvez o mais importante, são os gastos governamentais que podem propiciar a reativação da economia norte-americana, às vésperas de uma recessão, para a qual não se avista, ainda, saída próxima. É o keynesianismo de guerra. Apenas para reparar os danos imediatos dos atentados, o presidente prometeu novos gastos em torno de 130 bilhões de dólares, entre reparações, indenizações, subsídios às companhias de aviação mortalmente atingidas pela "síndrome do avião seqüestrado". Algo como 1% do PIB yankee, que anda na casa dos 13 trilhões de dólares. Não se incluíam os gastos propriamente militares. Matérias publicadas nos últimos dias em jornais de grande circulação davam os "preços" - entre aspas, por que não se trata propriamente de preço - de alguns equipamentos militares, em dólares: 1 milhão para um míssil Tomahawk, os quais são lançados às dezenas sobre o devastado Afeganistão; 2,5 bilhões para um bombardeiro B-2; 40 milhões para um helicóptero; e por aí vai. Aqui, o filet mignon. Pegando as finanças norte-americanas em ciclo superavitário, Bush tem todas as condições para gastar largamente, inflando a fatura da indústria bélica e pela cadeia industrial, toda a indústria e toda a economia. Seu programa econômico ampliou-se para além do prometido corte de impostos, ponto importante da bíblia neoliberal, para transformar-se na versão guerreira do deficit spending keynesiano. Que, aliás, funcionou admiravelmente no reerguimento da economia estadunindense pós-Depressão de Trinta, com Roosevelt e seu New Deal. Interessante é notar que os meios financeiros norte-americanos reagiram mal ao corte de impostos, porque eles não acreditam no que diz a precária teorização neoliberal e, por oposição, animaram-se com as notícias dos gastos governamentais e dos subsídios. Exatamente o oposto do que pregam os manuais, que, aliás, servem de alimento apenas para economistas e alguns governantes desavisados do Terceiro Mundo. E para gáudio dos gringos, eles não têm nenhum Malan para perseguir obsessivamente o ajuste fiscal. Bush vai sair-se ainda melhor. Com uma situação orçamentária folgada, nem a ameaça de uma leve inflação, que para Keynes era saudável, tolda os horizontes: pode injetar dinheiro na economia sem alterações na estrutura e curva de preços. Mas não é só nos USA que o Leviatã volta. Na bucólica Suíça, onde o mercado havia realizado a promessa bíblica da terra onde corre leite e mel, com a vantagem de ser achocolatado, a impecável Swissair entrou em parafuso depois de longa deterioração financeira, devido, em parte, à guerra de tarifas no mercado internacional. Dois poderosos bancos aprestaram-se a salvá-la, pelas próprias forças do mercado. Logo se viu que o buraco podia ser mais em baixo, ou mais em cima, depende da perspectiva, e o Estado suíço, o Estado ideal de Von Hayek, que existe mas parece não existir, entrou em cena, subsidiando a companhia aérea que leva nos ares o emblema da cruz branca sobre fundo vermelho. A questão mais grave e mais importante é o papel e o lugar do Estado no capitalismo contemporâneo. Tolos e aproveitadores pensaram haver- se chegado à época do mercado puro, sem se dar conta de que quanto mais se torna complexo o sistema e a produção do lucro, mais aumenta a incerteza. O Estado é, ainda, no capitalismo, o redutor da incerteza por excelência, sobretudo quando essa operação de redução do risco socializa as perdas e privatiza os ganhos. Esta é a lição "econômica" pós-WTC , por que a lição política é cruel e celerada. *Francisco de Oliveira é professor-titular aposentado do Depto. de Sociologia da USP e coordenador do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania da FFLCH-USP
https://www.alainet.org/es/node/105377
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