A ofensiva dos EUA na América Latina: golpes, retirada e radicalização

04/04/2002
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Introdução A atual ofensiva político-militar dos EUA se põe de manifesto na América Latina em múltiplos contextos, usando uma variedade de táticas (militares e políticas) e instrumentos, dirigida a sustentar regimes clientes em decadência, desestabilizar os regimes independentes, pressionar a centro-esquerda para que se desloque para a direita e destruir ou isolar os movimentos populares em ascensão que desafiam o império dos EUA e seus lacaios. Procederemos discutindo em primeiro lugar as formas particulares da ofensiva dos EUA em cada país, para logo em seguida explorar as razões gerais e específicas da ofensiva na América Latina contemporânea. Esta discussão nos dará as bases para a análise teórica da natureza específica de "Novo Imperialismo" que reveste esta ofensiva e seu impacto sobre os partidos eleitorais de centro-esquerda e os movimentos sociopolíticos radicais. Na seção final discutiremos as alternativas políticas existentes no contexto da ofensiva dos EUA e do novo imperialismo. Ofensiva Político-Militar: Métodos Diversos, Objetivo Único O aspecto mais chamativo da ofensiva político-militar dos EUA na América Latina é constituído pelas variadas táticas utilizadas para estabelecer ou consolidar os regimens clientes e derrotar os movimentos sociopolíticos populares opostos à dominação imperial. O centro da atenção sobre a intervenção estadunidense de alta intensidade se dá na Colômbia e Venezuela. Em ambos países Washington mantém apostas muito altas, que têm a ver com interesses políticos, econômicos e ideológicos, assim como com considerações geopolíticas. Ambos países têm costas para os países caribenhos e andinos, de igual forma para o Brasil; a emergência de um regime revolucionário na Colômbia ou a estabilização de um regime nacionalista na Venezuela poderiam inspirar transformações similares nas regiões adjacentes e minar o controle que os EUA exercem através de seus regimes clientes. Mais ainda, caso se produzam mudanças políticas significativas, estas poderiam afetar o controle dos EUA sobre a produção e o abastecimento de petróleo, não só na Venezuela e Colômbia, como também poderiam impor pressão sobre México e Equador para que retrocedam em seus processos de privatizações. A todo custo Washington quer manter um abastecimento seguro de petróleo no atual período de "guerra não declarada" contra países produtores de petróleo do Golfo - quer dizer, Iraque e Irã - e frente à crescente vulnerabilidade da Arábia Saudita. Geopoliticamente, as transformações sóciopolíticas na Colômbia e Venezuela poderiam levar a um pacto de integração com a Cuba revolucionária, destruindo assim o embargo de quarenta anos de Washington e criando uma alternativa viável ao Acordo de Livre Comércio (ALCA/FTAA em inglês) patrocinado pelos EUA. Washington optou por diferentes estratégias para esses dois países. Para derrotar a insurgência popular na Colômbia, adotou uma estratégia de "guerra total". Na Venezuela, combina uma estratégia civil de desestabilização político- econômica que culminaria em um golpe militar. A estratégia contra-insurgente de Washington na Colômbia operava sob a cortina de uma campanha anti-narcóticos, para justificar a acelerada escalada militar. As campanhas anti-narcóticos se centravam em regiões em que as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) eram mais fortes, ao mesmo tempo que ignoravam virtualmente as áreas controladas pelos paramilitares aliados das Forças Armadas Colombianas. O avanço político- militar das FARC a fins dos 90 obrigaram ao governo colombiano ir à mesa de negociações e incrementaram sua dependência de ajuda militar e de assessores do exército dos EUA. Nos EUA (e na Colômbia) as "negociações de paz" foram vistas como uma tática temporária para prevenir uma ofensiva a grande escala das FARC sobre os centros urbanos de poder e como uma trégua para fortalecer a capacidade militar do exército colombiano. Também para estender e aprofundar a influência militar dos EUA sobre as forças militares-paramilitares, bem como sobre a estratégia militar das mesmas. Os "negociadores da paz" do governo também esperavam distrair ou dividir as FARC oferecendo-lhes uma "opção eleitoral", tal como sucedeu na América Central (El Salvador e Guatemala). As FARC, conhecedoras do brutal assassinato em massa de ativistas políticos (4.000-5.000) na segunda metade dos 80 e do abjeto e estrepitoso fracasso dos guerrilheiros centro- americanos, convertidos em políticos eleitoralistas para quase não obterem mudanças sociais significativas, negaram-se a se render. Insistiram em reformas fundamentais das estruturas do estado e da economia como pré-condições para qualquer acordo de paz duradouro. Essas propostas de reformas democráticas e sócio-econômicas foram totalmente inaceitáveis para os regimes dos EUA e de Pastrana, que estavam se dirigindo na direção oposta, para uma maior militarização da vida política e da liberalização da economia. Ao largo de todo o período de negociações de paz, os EUA e Pastrana combinaram uma retórica de paz com o financiamento e a promoção de grupos paramilitares (através do exército colombiano) envolvidos na tomada e destruição de povoados e aldeias, o deslocamento de milhões de camponeses e sindicalistas, e o assassinato de milhares de camponeses suspeitos de terem simpatias esquerdistas. O objetivo era o de isolar às FARC dentro da zona desmilitarizada e ao mesmo tempo treinar, armar e acumular tropas nas fronteiras, levar adiante inspeções de reconhecimento de alta tecnologia para identificar alvos estratégicos. Por fim, romper abruptamente com as negociações e atacar de surpresa a região por ar e por terra, capturando ou matando os líderes das FARC e desmoralizando os insurgentes em retirada. Não é preciso dizer que essas táticas falharam. A guerrilha continua ativa fora da zona de paz, fortaleceram suas forças no interior da zona desmilitarizada e não sofreram perdas sérias quando Pastrana rompeu as negociações de paz. Os Estados Unidos fizeram da Colômbia um "caso experimental" para sua ofensiva político- militar na América Latina. Antes de mais nada porque as FARC são a formação anti-imperialista mais forte que ameaça tomar o poder do estado. Em segundo lugar, porque tem fronteira com a Venezuela e é tida como um aliado do Presidente Chávez. A derrota das FARC permitiria aos EUA "cercar" e incrementar a pressão externa sobre Venezuela, e reforçar a campanha de desestabilização interna. À medida que a base política de Pastrana se corrói - devido à prolongada recessão e aos cortes sociais resultantes do enorme orçamento militar - os EUA aumentam sua ajuda militar. Agora, toda a economia colombiana está subordinada à estratégia militar estadunidense; e a estratégia militar está dirigida por uma política de terra arrasada - guerra total. Isto significa que todas as considerações civis e econômicas da Colômbia são secundárias para o interesse primordial de Washington de "ganhar a guerra" contra as FARC. Dadas a força e a experiência das FARC e a formidável capacidade estratégica de seu dirigente, Manuel Marulanda, e de seu Comando Geral, a guerra entre os EUA e Colômbia promete um desenrolar prolongado e sangrento, em que provavelmente haja uma escalada de grandes dimensões de intervenção dos EUA, um maior uso do terror paramilitar e maiores e mais indiscriminados bombardeios de alvos civis. Entretanto, uma vitória militar dos EUA é bastante duvidosa: o resultado final poderia estar mais próximo do Vietnã do que do Afeganistão. Os primeiros sinais de que a ofensiva de Washington poderia ter um efeito boomerang são visíveis na Colômbia. Faz menos de duas semanas, logo depois de os EUA terem pressionados o Presidente Pastrana para que terminasse com as conversações de paz e declarasse a área desmilitarizada como zona de guerra, o primeiro general a frente das tropas que entraram na zona renunciou. Declarou publicamente que a vitória militar era impossível. A causa imediata de sua renúncia foi a destruição pelas FARC de uma ponte que levava até a antiga zona desmilitarizada, sob o comando militar direto do general. A exitosa ofensiva militar das FARC que se seguiu ao término das conversações de paz, levou o Embaixador dos EUA na Colômbia a admitir que o Plano Colômbia era um fracasso. Em contraste com a estratégia militar de terra arrasada na Colômbia, os EUA implementam um enfoque cívico-militar para derrocar o presidente Chávez na Venezuela. Chávez é um nacionalista liberal: tem seguido uma política econômica interna bastante ortodoxa ao mesmo tempo que tem empreendido uma política exterior nacionalista e independente. A estratégia dos EUA tem várias fases e combina ataques cívico-econômico-midiáticos com esforços para provocar fissuras dentro do exército com vistas a provocar um golpe de estado. A primeira fase deste conflito é a desestabilização da economia, através de ações bem coordenadas de grupos agregados de negócios e profissionais, e dirigentes sindicais de direita. O propósito é o de mobilizar a oposição pública e centrar a atenção das mídias na instabilidade do país, inibindo os investimentos dos capitalistas menos politizados que, no entanto, têm medo de ver diminuir seus lucros frente a uma situação conflitiva. Os meios de comunicação empreendem uma campanha sistemática para derrocar o regime de Chávez, defendendo uma tomada violenta do poder. Os protestos governamentais e públicos contra o comportamento subversivo da mídia permitem que Washington orquestrem uma campanha internacional contra as "violações à liberdade de expressão", em especial através da Associação Inter-Americana de Imprensa, influenciada pelos EUA. A segunda fase da estratégia da Administração Bush consiste em passar diretamente da desestabilização a um golpe militar. Isto inclui duas fases. A primeira é a de mobilizar os recursos de inteligência dos EUA, oficiais venezuelanos reformados e aqueles denominados "dissidentes" entre os oficiais militares na ativa dos ramos mais reacionários do exército - no caso da Venezuela, a Força Aérea e a Marinha. A idéia é a de forçar uma discussão política no comando militar, provocar outros oficiais com idéias afins para que "saiam" em defesa dos oficiais expulsos e reforçar a mensagem da mídia/empresários acerca da "instabilidade" e de uma iminente "derrubada de Chávez", estimulando assim um incremento da fuga de capitais. O segundo passo é o de organizar os oficiais autoritários da marinha e da força aérea para que pressionem o exército - o grosso do apoio a Chávez - para conseguir adesões, neutralizar os oficiais apolíticos e isolar os leais a Chávez. A estratégia de duas fases de Washington culminaria em um golpe militar com apoio ativo dos EUA, no qual uma "junta cívico- militar de transição" acabaria no poder. Vinculada a sua estratégia interna, baseada em seus lacaios venezuelanos, Washington implementou uma "estratégia externa". O Secretário de Estado Powell denunciou Chávez publicamente como autoritário, e tanto ele como o FMI deram publicamente seu apoio a um "governo de transição" - um sinal claro e evidente do apoio dos EUA aos golpistas internos. As "Forças Especiais" dos EUA já operam no Equador, Colômbia, Peru, Panamá, Afeganistão, Iêmen, Filipinas, Geórgia, Uzbequistão e outros estados lacaios da Ásia Central. É mais do que provável que, no caso de uma tentativa de golpe, o Pentágono envie elementos táticos operativos e assessores políticos para "conduzir o golpe" e se assegurar de que emirja a configuração apropriada de personalidades civis com propósitos propagandísticos. O perigo que o regime venezuelano enfrenta é o de que, na "guerra de desgaste político" de Washington, em que abundam as avalanches propagandísticas diárias e as ações provocadoras, Chávez não pode depender das constantes mobilizações de massas. Deve implementar seriamente políticas sócio-econômicas redistributivas radicais para manter o compromisso das massas e o apoio ativo organizado. A ofensiva orquestrada pelos EUA está orientada a criar uma "tensão permanente" como um arma psicológica para esgotar o apoio popular e afundar a moral do exército. A política exterior independente de Chávez é o que suscita o antagonismo dos EUA. Isto inclui sua oposição ao Plano Colômbia, sua crítica à guerra dos EUA no Afeganistão e à ofensiva imperial a nível mundial, suas relações cordiais com Iraque, Irã e Cuba, e seu rechaço a permitir que os EUA colonizem o espaço aéreo venezuelano. Sua política exterior não foi complementada com reformas sócio- econômicas integrais que redundem no bem-estar de milhões de seus partidários desempregados e mal remunerados que vivem nos bairros pobres e nas vilas miseráveis. Os esforços dos EUA em derrocar Chávez estão baseados em seu rechaço, a inícios de outubro, a apoiar a ofensiva imperial mundial - a assim chamada "campanha anti-terrorista". Assessores próximos a Chávez me informaram que uma delegação de altos funcionários de Washington visitaram Chávez e lhe disseram sem rodeios que "pagaria um alto preço por sua oposição ao Presidente Bush". Pouco depois, a câmara de comércio local e os dirigentes sindicais lançaram suas campanhas - ainda quando o Presidente Chávez havia introduzido uma reforma impositiva muito modesta (que em grande parte afetava às companhias petrolíferas estrangeiras), um plano de aquisição (remunerada) de terras, e havia privatizado a maior empresa elétrica pública de Caracas. Claramente, os intentos de Chávez de montar sobre dois cavalos - uma política exterior independente e uma política interna liberal-reformista - o tornam muito vulnerável à estratégia golpista desenhada pelos EUA. A tática imperial dos EUA na Venezuela difere substancialmente da empregada na Colômbia, em grande parte porque num caso está defendendo um estado cliente contra a insurgência popular e no outro está tentando criar um movimento civil para provocar um golpe. Entretanto, estrategicamente, o resultado político buscado é o mesmo: o de consolidar um regime lacaio que subordine o país ao império neomercantilista personificado na ALCA, e se converta em vassalo disposto a se fazer de polícia do império na América Latina e talvez de provedor de mercenários para as novas guerras de ultramar. Argentina é o terceiro país em que Washington está intervindo. Depois do levantamento popular de massas do 19/20 de dezembro de 2001, e da caída de cinco "Presidentes" lacaios, Washington começou a operar através de uma estratégia de várias fases que foi desenhada para continuar transferindo ativos de bilhões de dólares às companhias estadunidenses, prejudicar os competidores europeus e assegurar novamente para si uma posição privilegiada no sistema político e econômico da Argentina. O colapso do regime vassalo de De La Rúa, e a debilidade do regime de Duhalde para "impor" um retorno ao status quo anterior ao levantamento popular, levou Washington a recorrer aos achegados civis incondicionais (o ex-presidente Menem e o ex-ministro de economia Murphy) e ao aparato de inteligência militar - relativamente intacto desde os dias da sangrenta ditadura. O problema de Washington com o regime de Duhalde não é sua "retificação" das "medidas populistas" (acedeu ao pagamento parcial da dívida, jurou apoio incondicional à ofensiva global dos EUA, propõe limitar o gasto público, etc.). O problema dos EUA é que Duahlde não pode cumprir de maneira enérgica com seus compromissos com o FMI e Wall Street. Os movimentos populares estão crescendo em tamanho e atividade, e são mais organizados e radicais. Em suas assembléias, defendem questões fundamentais assim como preocupações imediatas. Suas demandas incluem o repúdio à dívida externa, a nacionalização da banca e dos setores econômicos estratégicos e a redistribuição da renda - em uma palavra, repudiam o "modelo neoliberal", em um momento em que os EUA estão pressionando para estender e aprofundar seu controle por meio da ALCA neomercantilista. Cabe poucas dúvidas de que o regime de Duhalde está preparado para aceder à maioria das demandas do FMI - mas lhe falta capacidade de implementar o pacote completo de austeridade e resgatar economicamente os bancos no tempo e nas condições que Washington e o FMI demandam. Cada concessão ao FMI - como os cortes orçamentários - atiça o fogo de mais manifestações de professores e funcionários públicos; o resgate dos bancos estrangeiros requer continuar o confisco das poupanças privadas; o rebaixamento drástico dos orçamentos provinciais provoca mais desemprego, fome e revoltas. O regime de Duhalde já aumentou o nível de repressão e desatou seus capachos de rua - mas os movimentos ainda proliferam e o tênue verniz de legitimidade deste regime está se dissolvendo. O diretor da CIA Tenet já assinalou a "preocupação" dos EUA com a instabilidade na Argentina - referindo-se às mobilizações populares. Os recursos estadunidenses no aparato de inteligência argentino estão lançando balões de sondagem que avaliam a resposta aos rumores de um golpe militar. Essas tentativas, jogadas, exploratórias, foram desenhadas para assegurar um consenso entre as elites militares, financeiras e econômicas - junto com os banqueiros e multinacionais estadunidenses e européias, especialmente espanholas. A mídia dos EUA e da Europa começaram a fazer eco da estratégia em desenvolvimento de Washington - escrevendo sobre o "caos", o "colapso", e a "instabilidade crônica" do regime civil. Washington aponta para um regime cívico-militar, se e quando Duhalde renuncie ou seja derrocado. A estratégia de Washington é a de decapitar a oposição popular. Pode ser resumida como o Triplo M, um regime conformado pelo ex-presidente Menem, o ex-ministro da economia Murphy e os Militares. A falta de todo apoio social entre as camadas médias e pobres urbanos significa que esse seria um "regime de força": desenhado para pôr a classe média contra a parede, levando-a a um êxodo massivo por meio de uma redução brutal dos níveis de vida para cumprir com os compromissos da dívida externa. Em resumo, Washington está trabalhando em duas direções: por um lado pressionando Duhalde para que se dobre a suas demandas assumindo poderes ditatoriais totais, e pelo outro preparando as condições para um novo regime vassalo "cívico-militar", mais autoritário e direitista. O recurso das ditaduras militares com uma fachada cívica proporciona à Administração Bush a fachada ideológica de "defender a democracia e a liberdade de mercado". A mídia dos EUA pode embelezar isto, assim como toda uma variedade de motivos relacionados. A estratégia de militarização de Washington também é evidente no Equador, Bolívia e Paraguai, onde os regimes lacaios, desprovidos de toda legitimidade popular, se aferram ao poder e impõem as fórmulas neomercantilistas de Washington (mercados livres na América Latina e protecionismo e subsídios nos EUA). No Brasil e México, Washington depende grandemente de instrumentos políticos e diplomáticos. No caso do México, Washington tem acesso direto à Administração Fox em política econômica e um virtual agente no Ministro de Relações Exteriores, Jorge Castañeda. A meta da subordinação mexicana ao neomercantilismo dos EUA não é questionada, dado que Fox e Castañeda estão totalmente de acordo. O que sim é questionado é a efetividade do regime em implementar as políticas estadunidenses. O esforço de Fox para converter o sul do México e a América Central em uma grande planta de ensamblagem, centro petrolífero e turístico dos EUA (Plano Puebla- Panamá) tem se chocado com uma oposição substancial. O deslocamento massivo de capitais estadunidenses para China, onde os salários são mais baixos, tem provocado o desemprego em grande escala nos povoados da fronteira entre México e EUA. Os assim chamados "benefícios recíprocos" da "integração" brilham por sua ausência. O dumping estadunidense de cereais e outros produtos agrícolas tem sido devastador para os camponeses e agricultores mexicanos. A tomada de controle estadunidense de todos os setores da economia mexicana (finanças, telecomunicações, serviços, etc.) tem levado a um fluxo massivo de pagamentos ao exterior por conta de benefícios e licenças. Quanto às relações exteriores, a influência de Washington nunca foi maior, dado que Castañeda copia grosseiramente as políticas do Departamento de Defesa e da CIA - declarando apoio incondicional à política estadunidense no Afeganistão e em qualquer intervenção militar futura, e intervindo toscamente na política interna de Cuba e provocando o pior incidente na história recente das relações diplomáticas Cubano-Mexicanas. As grosseiras intervenções anti-cubanas de Castañeda apoiando Washington tiveram resultado contrário, com a grande maioria da classe política mexicana pedindo um voto de censura para o ministro ou sua renúncia. No entanto, se vê claramente que a mera presença de tão desavergonhado promotor da política estadunidense, como é Castañeda na Administração Fox, é indicativa da conquista agressiva de espaço por parte de Washington no sistema político mexicano. A poderosa presença de bancos e corporações multinacionais dos EUA e de numerosos vassalos políticos locais e regionais, facilitam a recolonização do México - contra uma força laborativa cada vez mais empobrecida e difícil de controlar. No Brasil, os EUA têm estado ativos, tanto na esfera política como na econômica. Seu apoio a Cardoso produziu resultados sem precedentes: a virtual entrega das principais empresas públicas nos setores das finanças, os recursos naturais e o comércio. Mais significativo ainda é que os vínculos dos capitais dos EUA e Europa com os impérios brasileiros nos setores da mídia e os grandes negócios, têm tido uma poderosa influência sobre a classe política e sobre a conformação da política eleitoral. Este bloco de poder tem conseguido fazer virar políticos eleitoralistas de centro-esquerda para direita, com o objetivo de assegurar o acesso à mídia e o apoio financeiro para ganhar as eleições nacionais. A hegemonia dos EUA sobre o Brasil é um processo político. Sua influência se transmite tanto através de intermediários locais e regionais como dos monopólios midiáticos nacionais. A "conquista" mais recente da ofensiva estadunidense é a da direção do assim chamado Partido dos Trabalhadores, e em particular de seu candidato presidencial Luís Inácio Lula da Silva. Em resposta à ofensiva dos EUA, Lula escolheu um magnata têxtil do direitista Partido Liberal como candidato à vice-presidência. Tentou congraçar a si mesmo buscando uma reunião com Kissinger, declarando sua lealdade ao FMI e jurando cumprir os compromissos da dívida externa, as indústrias privatizadas, etc.. A guinada à direita de Lula e do Partido dos Trabalhadores significa que todos os maiores partidos eleitorais permanecerão dentro da órbita estadunidense e garantirão a hegemonia indiscutível dos EUA sobre as classes políticas. Em resumo, a ofensiva imperial tem adotado uma variedade de táticas e enfoques em diferentes países, em uma variedade de contextos político-militares. Ao mesmo tempo que dá uma maior supremacia à intervenção militar e aos golpes militares (sempre com alguma forma de fachada civil) em certos países (Colômbia, Venezuela), Washington continua por um lado instrumentalizando seus vassalos políticos e diplomáticos, e por outro "dando a volta" em seus adversários políticos. O objetivo estratégico de construir um império neomercantilista enfrenta uma grande variedade de obstáculos políticos, sociais e militares, o que é particularmente evidente na Colômbia, Venezuela e Argentina. Em outras palavras, a projeção imperial de poder está longe de ter se realizado. Encontra-se enredada em uma série de relações conflitivas e num contexto em que os fracassos sócio-econômicos do império no passado não criam um terreno favorável ao avanço nem justificam a suposição de uma vitória inevitável. Pelo contrário, a atual ofensiva imperial é em parte o resultado de importantes reveses nos anos recentes e do crescimento da oposição entre seus antigos partidários nas classes médias de alguns países. A Decadência do Império: As Bases da Ofensiva Imperial A ofensiva político-militar dos EUA na América Latina faz parte de uma campanha mundial para reverter a deterioração de sua influência política e sua dominação econômica, e para estender e consolidar seu poder imperial por meio de uma combinação de bases militares e regimes políticos vassalos. Com o início em 7 de outubro de 2001 do bombardeio massivo e a subsequente ocupação do Afeganistão, Washington procedeu a estabelecer um regime títere, completamente dependente do poder militar dos EUA. A construção de satélites se estendeu até a Ásia Central, onde Washington afastou abruptamente os enlaces russos e estabeleceu bases militares e relações patrão-cliente com os regimes. Processos similares de intervenções militares, ocupações de bases e relações patrão-cliente foram estabelecidas com os governantes das Filipinas, Iêmen e Geórgia. Na América Latina, antes do 7 de outubro de 2001, os EUA já haviam estabelecido bases militares no Equador, Peru, Aruba, El Salvador e no norte de Brasil. Mais significativo ainda é que a localização de novas bases foi acompanhada de um papel operacional extenso e direto no financiamento, treinamento e direção de operações de contra-insurgência das forças militares e paramilitares colombianas que combatem a insurgência popular. É importante fazer notar dois pontos. Primeiro, parte desta expansão do poder dos EUA está dirigida a se contrapor aos avanços dos movimentos populares e dos regimes anti-imperialistas. Segundo, a ofensiva não só busca recuperar a influência perdida, senão estabelecer novos centros estratégicos de poder de maneira a impor um império mundial indiscutível. No caso da América Latina, ambos processos estão a caminho: um esforço imperial orquestrado para derrotar os desafios populares ao poder imperial e estabelecer um império neomercantil mais exclusivo, explorador e repressivo do que o que existiu durante o período denominado como "neoliberal". O propósito imediato da ofensiva político-militar dos EUA na América Latina é o de recuperar sua dominação em uma região em que seus regimes lacaios estão desacreditados e perdendo sua capacidade de controlar as políticas macroeconômicas devido à oposição das massas. Essencialmente, a presença militar de longo prazo dos EUA tem um objetivo político - sustentar regimes desacreditados, substituir regimes vassalos fracos por juntas cívico- militares mais autoritárias e derrocar governos nacionais independentes que se recusam a seguir as políticas de Washington. Que os regimes vassalos dos EUA estão se debilitando, salta à vista pelo fracasso do modelo econômico liberal, o declive vertical da popularidade registrado nas pesquisas de opinião, a fuga crescente de capitais locais e o que é mais importante, em alguns países, a beligerância cada vez maior de robustos movimentos populares de massas dirigidos a desafiar a autoridade do regime - quando não, o poder do estado. O desafio mais poderoso e organizado ao projeto de construção de satélites do império se dá na Colômbia. A oposição popular ao regime cívico-militar se baseia em um poderoso movimento agrícola multi-setorial (que inclui agricultores, camponeses e trabalhadores rurais), prejudicado pelos cortes dos créditos, da política de portas abertas às importações de alimentos baratos estadunidenses e o baixo preço de seus produtos de exportação. A oposição incluiu também lutas sindicais militantes, particularmente dos sindicatos petroleiros, dos funcionários públicos e da indústria. A terceira e mais significativa oposição se encontra no movimento guerrilheiro mais poderoso e melhor organizado da historia recente da América Latina. As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o Exército de Libertação Nacional (ELN) de menor tamanho, incluem mais de 20.000 combatentes. A tarefa principal dos especialistas em contra-insurgência é a de dirigir os esquadrões da morte paramilitares para que expulsem do campo pela força centenas de milhares de camponeses simpatizantes da guerrilha, e assassinar os habitantes progressistas dos bairros pobres, ativistas estudantis, trabalhadores pelos direitos humanos e líderes sindicais. A violência das forças paramilitares está orientada a isolar as guerrilhas de sua base natural de massas - e fonte de alimentos e recrutas - de maneira a facilitar as Forças Armadas no enfrentamento direto com a guerrilha. A amplitude e a profundidade da violência militar - 40.000 civis assassinados na década de 1990 - sugerem o grau em que a guerrilha esteve e está profundamente enraizada na população trabalhadora e camponesa. A guerrilha controla ou tem influência sobre a metade dos municípios rurais do país e não sofreu derrotas significativas, apesar das freqüentes "campanhas de extermínio" do exército. Pelo contrário, a guerrilha se encontra ativa a menos de 80 quilômetros da capital, Bogotá, controla estradas principais e domina uma vasta faixa de zonas rurais. Ao mesmo tempo que imersos em uma guerra móvel, mais do que de posições, os insurgentes têm, de fato, estabelecido um sistema de duplo poder em várias regiões do país. Mais ainda, os insurgentes têm a vantagem do conhecimento do terreno, a proximidade com a população local e uma direção estrategicamente superior que, mais do que compensa a superioridade tecnológica e numérica do exército dirigido pelos EUA, em sua maioria composto por recrutas. A entrada massiva de armas e oficiais estadunidenses está orientada a reforçar o regime e a impedir sua deterioração ou colapso frente à recessão que já leva dois anos, o descontentamento civil e as arremetidas da guerrilha. Na Venezuela, o regime de Chávez tem desafiado a política exterior dos EUA em várias regiões vitais: 1) No Oriente Médio, nos Estados do Golfo e do Norte da África. O governo de Chávez tem fortalecido a OPEP e visitado Iraque, Irã e Líbia, rompendo assim o boicote dos EUA. 2) No Sul da Ásia, Chávez se opôs à intervenção militar dos EUA ("a resposta ao terror não é mais terror"); na América Latina se opôs ao Plano Colômbia e à estratégia militar contra-insurgente dos EUA, proibiu os vôos espiões estadunidense sobre o espaço aéreo venezuelano, rechaçou a implementação imediata da ALCA, desenvolveu laços íntimos com Cuba e ofereceu sua mediação na disputa entre a guerrilha e o regime na Colômbia. Em termos mais gerais, Chávez tem fortalecido a OPEP e revitalizou sua capacidade de tomada de decisões, e sobretudo Chávez tem rechaçado a submeter-se à cruzada pela dominação mundial do tandem Bush-Rumsfeld. Esta última tomada de posição é a que levou os EUA a retirarem temporariamente seu embaixador e enviar uma delegação de alto nível de funcionários do Departamento de Estado que ameaçaram Chávez em um estilo que lembra mais a máfia do que os diplomatas de carreira. A política exterior independente de Chávez marca um claro contraste com os anteriores regimes vassalos corruptos, que se faziam de eco da política internacional dos EUA. O terceiro país que tem sido testemunha de um acentuado declive da influência dos EUA é a Argentina. O colapso do regime de De La Rúa e seu séquito de ministros, a reboque dos banqueiros estrangeiros e dos bancos multilaterais controlados pela Europa e EUA, fizeram soar as campainhas de alarme em Washington. A instalação da camarilha de Duhalde e suas concessões a Washington e ao FMI não têm pacificado à Casa Branca porque seu regime é tido como instável e incapaz de pôr fim de maneira efetiva às mobilizações de massas. O fato político mais significativo é o de que a grande maioria da classe média tem se colocado contra o neoliberalismo e seus promotores estrangeiros, e rechaçam a todos os políticos locais associados com eles. À diferença do golpe de 1976, em que os EUA e os generais foram capazes de botar a culpa na esquerda pela "desordem" e "violência", em 2002 são os regimes liberais direitistas pró-estadunidenses os que confiscaram as poupanças da classe média, fazendo baixar seus níveis de vida e reprimindo violentamente as assembléias e os panelaços da classe média. Um golpe cívico-militar respaldado pelos EUA teria lugar em um vazio político, praticamente sem nenhuma base social de apoio e dependendo exclusivamente da repressão violenta contra a totalidade prática das organizações da sociedade civil. O total descrédito político dos lacaios políticos dos EUA, como o ex- presidente Menem, o ex-ministro (ministro por 15 dias) Murphy e os comandantes genocidas do exército, significa que Washington enfrenta uma correlação de forças sócio-políticas bastante desfavorável neste momento e num futuro imediato. Neste contexto, as estratégias mais prováveis de Washington serão as de chamar Duhalde a tomar medidas repressivas ainda mais severas como um meio de desmobilizar a oposição para cumprir com as condições dos bancos estrangeiros, com a promessa de novos empréstimos do FMI. Outro cenário possível seriam novas eleições, em que uma renovada versão de coalizão de centro-esquerda chegue ao poder, e Washington recorra a uma estratégia de desgaste político - minando os investimentos, empréstimos, etc. a efeito de provocar o descontentamento, para assim descarregar um golpe de estado em um entorno de caos e políticas falidas. Neste contexto tem lugar uma corrida entre os movimentos de massas e Washington, para ver quem consegue preencher o espaço deixado pela direita civil em desintegração. Os EUA têm as armas do estado mas não a base social. Os movimentos de massas têm o apoio popular mas nenhuma direção nacional organizada em uma posição de impulsionar a tomada do poder do estado. Colômbia, Venezuela e Argentina expressam claramente os centros da influência e poder em decadência dos EUA. No entanto, forças alternativas avançam em vários outros países latino- americanos. Há sinais claros de que os regimes vassalos no Paraguai (Macchi), Bolívia (Quiroga), Equador (Noboa), Peru (Toledo) estão desacreditados e têm pouco apoio popular na implementação da agenda de Washington. E mais, há poderosos movimentos de massas multi-setoriais nos três primeiros países que têm demonstrado sua capacidade para a ação direta ao bloquear algumas das leis mais retrógradas. Ao passo que esses movimentos são poderosos, sua força reside em regiões e em classes sociais particulares (camponeses) e são propensos a negociar acordos limitados (que nunca são implementados pelo regime - o que deste modo precipita novas mobilizações e confrontações). Analisar a influência política de Washington no Brasil é muito complexo. Por um lado, o regime centro-direitista e pró-estadunidense de Cardoso perdeu muito apoio na opinião pública - exceto entre os banqueiros estrangeiros e as elites locais - debilitando assim a hegemonia dos EUA. Por outro lado, a esquerda tem sido severamente debilitada pela guinada à direita da direção do Partido dos Trabalhadores e seu candidato presidencial Luís Inácio Lula Da Silva. Sua aliança com o direitista Partido Liberal e a adoção da maior parte da agenda neoliberal deixam os EUA em uma situação em que só podem ganhar. A guinada à direita alienará muitos dos votantes de base do PT e talvez divida o partido, resultando na perda das eleições. Ou, caso se dê o resultado improvável de uma vitória do PT-Liberais, as conseqüências políticas não afetarão os interesses fundamentais dos EUA. A incógnita é em quê medida a guinada à direita do PT vai resultar em um reagrupamento da esquerda - em que os poderosos movimentos sociais (Trabalhadores Sem Terra, pequenos agricultores, movimentos urbanos e habitacionais), os partidos de esquerda radicais (PSTU, PCdoB, etc.) e os dissidentes da esquerda do Partido dos Trabalhadores possam unir forças. Independentemente dos partidos eleitorais, há uma poderosa e crescente corrente de opinião nacionalista e anti-imperialista, que se opõe fortemente à ALCA e às políticas econômicas promovidas pelos EUA e Europa que trouxeram consigo uma década de estancamento econômico. Mais ainda, o exército brasileiro não é um aliado de confiança para o Pentágono, dado que há uma forte corrente nacionalista com raízes históricas que poderia resistir a uma maior intervenção estadunidense. Em resumo, seria um equívoco atribuir a atual ofensiva político-militar dos EUA exclusivamente a fatores globais. A contra-ofensiva dos EUA é desde antes ao 11 de setembro e ao 7 de outubro. O Plano Colômbia começou quase dois anos antes. Certamente, a ofensiva imperial na América Latina recebeu um ímpeto ideológico e militar maior logo depois dos eventos da segunda metade de 2001, mas igualmente importante é o avanço dos movimentos populares e a extensão dos sentimentos anti-imperialistas e anti- liberais a setores substantivos das classes médias em alguns dos maiores países. A complexa interação entre a decadência da influência na América Latina e nos Estados do Golfo, combinada com a competição da Europa, mudou dramaticamente a concepção do império por parte de Washington. O Novo Imperialismo: Do Neoliberalismo ao Neomercantilismo O caso dos "regimes falidos" no interior do império neoliberal dos EUA na América Latina foi ilustrado dramaticamente pela Argentina, mas se repete em outros países. O Neoliberalismo, como estratégia imperial para obter o controle dos mercados, das empresas nacionais e dos recursos naturais, parece estar chegando a seu ponto final. Isto não significa o fim do imperialismo. O que está acontecendo é um maior grau de controle do estado imperial sobre as economias e circuitos de circulação do capital e mercadorias. A ALCA de Washington é precisamente um plano para a construção de um império neomercantilista, em que os EUA estabelecem o marco legal para consolidar uma posição privilegiada nos mercados e na economia latino-americanos, acima e contra seus concorrentes europeus/japoneses. Os impérios neomercantilistas se baseiam essencialmente em decisões de estado unilaterais (rechaçando as negociações) e na supremacia militar, ambas desenhadas para impor políticas aos concorrentes internacionais, regionais e nacionais. Dada a debilidade dos estados-clientes neoliberais para conter a insurgência popular, o estado imperial neomercantilista opta por um maior uso da força e da militarização da política. Contra as conquistas econômicas na América Latina de seus aliados europeus, o neomercantilismo busca limitar as perdas futuras atando a América Latina aos Estados Unidos. A transição de um império neoliberal a um neomercantil não é uma mudança abrupta; o novo imperialismo ainda tem muitas das características do anterior: EUA ainda importam muito mais mercadorias do que há 30 anos, e continuará sendo dependente das importações num futuro previsível. Mas de modo cada vez maior, Washington está indo na direção do controle das importações, cotas e tarifas para proteger as indústrias domésticas não- competitivas, desde o aço até o camarão. Segundo, muitas das exportações dos EUA têm sido subsidiadas e, em certa medida, o protecionismo sempre existiu, mesmo nos momentos mais álgidos do império neoliberal. A verdadeira questão é o grau e, o que é mais importante, a direção do comércio subsidiado pelo estado. Os EUA têm incrementado desproporcionadamente seus subsídios à agricultura, e por causa do dólar sobrevalorizado passaram a impor tarifas alfandegárias ao aço, a um custo para os exportadores de ultramar de quase 10 bilhões de dólares em ingressos não-percebidos. Europa fará represálias; os clientes latino-americanos, não - especialmente aqueles comprometidos com a ALCA. Terceiro, à medida que os EUA passam a ser um império de comércio e investimentos dirigidos pelo estado, na América Latina manterá sua retórica neoliberal implementando ao mesmo tempo uma estratégia estatista, desorientando assim os analistas superficiais. Vários fatores levam a uma coincidência entre o neomercantilismo e o incremento da militarização. Em primeiro lugar, a evidente assimetria das relações comerciais - os EUA protegem e dão subsídios a sua indústria, mas exigem "livre comércio" para América Latina - conduz a desequilíbrios que só podem ser impostos e mantidos pela força. Segundo, o Neomercantilismo degrada e aliena setores das classes médias locais, dos agricultores, e dos pequenos negócios urbanos, estreitando assim a base política do regime lacaio local. Em terceiro lugar, o papel cada vez maior do estado imperial politiza a oposição ao estado. Em quarto lugar, o neomercantilismo debilita o emprego local nas indústrias e nos serviços sociais do setor público, engrossando as filas dos desempregados e subempregados e ampliando a base social para a ação direta de massas. Quinto, a pressão do estado imperial sobre os estados vassalos para que cumpram com o pagamento da dívida externa, elimina a maior parte do ingresso para financiar serviços sociais locais ou projetos de capital, reduzindo o emprego de profissionais e o desenvolvimento da infra- estrutura. Em resumo, a transição à economia neomercantil requer mais exploração e dominação. A ideologia global "anti-terrorista" usada para justificar uma maior militarização estadunidense na América Latina é um ardil propagandístico: as bases econômicas da militarização estão enraizadas na transição para um novo imperialismo. A Ofensiva dos EUA: Seu Impacto na Esquerda A atual ofensiva imperial dos EUA têm tido um impacto diferenciado nas formações de esquerda na América Latina. Em geral, podemos dizer que os partidos eleitoralistas têm virado à direita e que os movimentos sociopolíticos têm se radicalizado. A ofensiva não só tem afetado as configurações políticas e as estratégias, senão que também aos programas econômicos. Comecemos pelo lado negativo - aqueles setores da esquerda que, como resultado da intervenção dos EUA, ameaças, pressões e propaganda, guinaram à direita. Os dois casos mais destacados são os do Partido Sandinista (FSLN) na Nicarágua e o Partido dos Trabalhadores no Brasil. Em ambos casos houve uma gradual guinada para o centro durante a última década. Nas eleições presidenciais da Nicarágua de 2001, Daniel Ortega escolheu um candidato neoliberal para vice-presidente e logo após o 11 de setembro avalizou o bombardeio dos EUA sobre Afeganistão, sua ofensiva militar a escala mundial, a ALCA, o pagamento da dívida externa e a política neoliberal ortodoxa. Isso não serviu de nada: Washington e o embaixador dos EUA intervieram nas eleições favorecendo o candidato liberal convencional e lançaram ameaças ao eleitorado caso votassem por uma guerrilha reciclada convertida em liberal. Ortega perdeu as eleições e o apoio da militância e da esquerda, sem conseguir garantir o apoio das elites capitalistas. No Brasil, a direção do Partido dos Trabalhadores passou de um programa socialista a um social-democrata e, recentemente, a um neoliberal. Enquanto que o Partido ainda conta com uma forte minoria de social-democratas de esquerda e um contingente de intelectuais marxistas, sua orientação atual é a de se deslocar para a centro-esquerda para assegurar alianças com o conservador Partido Liberal e o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro). Enquanto que os dirigentes do partido dão a guinada para a direita, o dirigente máximo, Lula, assume as características de um caudilho autoritário - mais interessado em ganhar posições de poder do que em reformar ou mudar o sistema sócio-econômico. Lula e seus seguidores na direção têm tomado medidas tanto simbólicas quanto efetivas para assegurar a Washington sua vontade de ser vassalos obedientes: prometem garantir o pagamento da dívida, defender as empresas privatizadas e estimular os investidores estadunidenses. No nível simbólico-substantivo, a escolha por parte de Lula de um magnata têxtil, hostil aos sindicatos militantes, aos homossexuais e ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e favorável à ALCA sugerem que o PT continua em movimento… para a direita. Lula bajulou Kissinger, arquidefensor das guerras imperiais e da OMC, durante sua recente visita a São Paulo. Lula visitou Washington para dar garantias à Casa Branca de seu apoio total à campanha global "anti-terrorista". A guinada à direita, ainda mais pronunciada por parte do PT depois do 11 de setembro, sugere que a pressão de Washington acelerou um processo que já estava tendo lugar como resultado da política partidária interna. No México, o voto do PRD (junto com os outros dois principais partidos de direita) a favor da legislação que prejudicava as comunidades dirigidas pelos zapatistas - e de fato, todas as comunidades indígenas - é um indicador das políticas conciliatórias da atual direção. A negativa do atual líder do Partido em denunciar os provocadores pronunciamentos do ministro de relações exteriores mexicano e das ações contra Cuba, são indicadores de que alguns setores do PRD podem estar competindo com o PAN para serem os lacaios favoritos de Washington no Senado mexicano. Em resumo, a ofensiva dos EUA teve um impacto significativo em empurrar a maioria dos partidos eleitoralistas de centro-esquerda para a direita. Em quase todos os casos, no entanto, esta guinada à direita já estava a caminho - a pressão só acelerou o processo e talvez empurrou esses partidos muito mais para a direita do que se podia prever. Em contrapartida, a ofensiva político-militar estadunidense e o grande empurrão dado para impor a ALCA têm aumentado a extensão, profundidade e radicalização de muitos dos movimentos sócio-políticos da região. Na Colômbia, a pressão dos EUA para romper as negociações de paz e militarizar a zona neutral, levou a grandes e exitosas contra-ofensivas das guerrilhas, a uma colaboração mais estreita entre as FARC e o ELN e a uma drástica deterioração da economia, incluindo os fluxos de petróleo e energia, e o abastecimento de água, produto dos ataques da guerrilha. Mais ainda, sob condições de guerra e confrontação de classes, é provável que as demandas programáticas da insurgência se radicalizem. Ao menos em sua primeira fase, a ofensiva estadunidense na Colômbia tem conduzido a várias derrotas táticas e, à parte da captura de umas poucas populações isoladas na zona desmilitarizada, tem levado a perdas significativas entre os esquadrões da morte paramilitares patrocinados pelos exércitos dos EUA e Colômbia. Na Argentina, o intento de Duhalde para tranqüilizar os EUA quanto ao pagamento da dívida, oferecendo votar contra Cuba, honrar com o FMI, etc., fortaleceu a oposição e radicalizou as demandas. Os grupos e classes de oposição, outrora díspares, convergem cada dia mais para uma coalizão efetiva. As reuniões de unidade nacional contam com a presença de milhares e os panelaços da classe média continuam um atrás do outro com grandes bloqueios de estradas a cargo dos desempregados. A economia continua se afundando, se prevê um crescimento negativo de dois dígitos. A massa da classe média com seus fundos ainda confiscados sabe que os banqueiros estadunidenses e europeus e seus clientes argentinos puderam enviar aos EUA, Europa e Uruguai cerca de 40 bilhões de dólares antes que suas contas fossem congeladas. O resultado é um rechaço poderoso e consciente para com a classe política. A ofensiva dos EUA teve o efeito de isolar seus vassalos políticos. Não teve nenhum efeito quanto a amortizar ou neutralizar o ascenso popular. Enquanto o regime de Duhalde respalda a ofensiva dos EUA, se vê socialmente impotente e politicamente isolado, incapaz de implementar medidas políticas significativas. Mais importante ainda é que Washington não possui interlocutores estáveis na mansão presidencial - o regime de Duhalde poderia terminar antes de cumprir o período de seu mandato. Na Venezuela, a ofensiva estadunidense tem mobilizado exitosamente as elites comerciais (Fedecamaras), a hierarquia religiosa e os chefes sindicais em manifestações de grande escala com a esperança de provocar um golpe militar e substituir Chávez por um vassalo local. Por outro lado, Chávez tem respondido fomentando manifestações massivas de seus partidários entre os pobres das cidades e os sindicalistas dissidentes. Também conta com a lealdade dos comandantes do Exército. A intervenção dos EUA tem radicalizado os discursos de Chávez, que tem dado sinais de que poderia introduzir mudanças sócio-econômicas mais substanciais a favor dos pobres. As confrontações estão levando a uma maior polarização social entre as classes altas ricas e classes medias prósperas por um lado, e a classe média pauperizada e pobres urbanos e rurais pelo outro. A ofensiva de Washington tem polarizado o país e radicalizado as demandas políticas e sociais em ambos os lados: as classes ricas e o empresariado apóiam abertamente uma solução militar para voltar a impor um regime lacaio que reverta a política exterior independente de Chávez; os pobres pedindo a Chávez que use mão de ferro para tratar a oposição orientada do exterior e que implemente um programa redistributivo radical. Chávez até o momento mantém uma cada vez mais insustentável "posição intermediária" - resistindo aos intentos da direita para derrocá-lo, convocando a mobilizações de massas em apoio ao regime constitucional, mantendo sua política exterior independente mas sem se comprometer claramente em um processo de transformações sociais claramente delineado. No México, Brasil, Bolívia, Equador e Paraguai, os EUA têm assegurado o respaldo dos regimes lacaios a sua ofensiva mundial. Mas nesse processo, os próprios regimes se convertem cada vez mais em instrumentos isolados e ineficientes das políticas dos EUA dentro da América Latina. Mais ainda, abaixo do nível do governo, há pouco apoio para qualquer campanha militar estadunidense que favoreça às políticas econômicas assassinas e que se sustenta em forças militares repressivas com um largo histórico de massacrar movimentos populares. Washington consegue garantir alinhamentos favoráveis por parte da maioria dos regimes nos fóruns internacionais, por meio das ameaças e da compra de votos, mas tem perdido a hegemonia ideológica em toda a região, exceto em alguns círculos de elites intelectuais e entre as ONG’s conformistas. Em contraste com isto, os bloqueios de estradas se multiplicam - desde as "auto-pistas" da Patagônia até os caminhos rurais da Bolívia ou as selvas da Colômbia: "eles" não passam. Os EUA conseguem obter promessas dos Presidentes títeres, mas cada vez mais os palácios presidenciais e os prédios do congresso são cercados por manifestantes, enquanto que o cheiro de pneus queimando se infiltra por entre os arames farpados e passa pelas caras de mau dos soldados fortemente armados. A ofensiva estadunidense tem intimidado ou cooptado os políticos oportunistas precisamente no momento em que o eleitorado os estava abandonando. Conclusão Claramente, estamos entrando em um período de ofensiva política e militar dos EUA, golpes militares (ou tentativas de golpes), ação direta das massas, polarização política e novas formas de representação social. Não há resultados uniformes - os benefícios e as perdas que resultem da ofensiva estadunidense não podem ser medidos contando os votos dos presidentes e o nível de assentimento dos generais leais. Os movimentos sociais em avanço e a insurgência popular têm desmascarado o saque imperial e têm derrubado regimes lacaios, mas os resultados políticos importantes estão ainda por vir. Os conflitos sociais e os enfrentamentos militares acontecem a escala continental; presidentes lacaios sobem e descem, impõem substitutos. Movimentos e partidos crescem e logo enfrentam desafios decisivos: fazer compromissos ou lutar pelo poder. As falhas e as limitações dos programas reformistas voltaram a colocar o socialismo na agenda. Tem surgido uma nova geração que não viveu na própria carne as derrotas políticas e o terror das décadas de 1960 e 1970, mas que certamente tem vivido a fome, a pobreza, o desemprego e a corrupção política da década de 1990. Nenhum dos movimentos militantes emergentes ou das insurgências populares experimentaram uma derrota histórica nesta década. O movimento, com ascensos e descensos temporais, ainda segue uma trajetória ascendente. Entretanto, nenhum resultado é inevitável nem predeterminado: a organização consciente, a clareza política e a audaz intervenção humana são necessárias para se contrapor a atual ofensiva imperial e convertê-la em uma derrota histórica, e mais do que isso, em uma revolução socialista vitoriosa.
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