Pós-mediocridade

14/11/2002
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O pior governo da história econômica brasileira dos últimos cem anos está terminando. A (já) era FHC não deixará saudades. Muito pelo contrário. Fernando Henrique deixará uma herança trágica. Em oito anos, alguns recordes históricos foram batidos como, por exemplo, a maior relação dívida interna/PIB, o maior déficit e a maior carga tributária. Nem durante a guerra do Paraguai ou às vésperas da Proclamação da República, houve tanta irresponsabilidade fiscal. Houve, ainda, uma extraordinária concentração de riqueza e renda em um período marcado por uma das mais baixas taxas de crescimento econômico da História do Brasil. O Brasil andou para trás, tanto em indicadores econômicos, como sociais, comparativamente ao resto do mundo. Fernando Henrique deixou o Brasil mais injusto e mais subdesenvolvido. Para ilustrar, enquanto a renda mundial cresce a uma taxa média anual da ordem de 3,5%, a taxa de crescimento econômico do Brasil é inferior a 2,4% no período 1995-2002. Para dezenas de milhões de brasileiros, os direitos fundamentais à vida somente existem na letra da lei. Em 1995, o Brasil tinha 50 milhões de pobres e miseráveis, sendo que o número de pessoas em condição de indigência era de 22 milhões. Em 1999, esses números tinham aumentado para 53 milhões e 23 milhões, respectivamente. A partir de 1999 a situação, muito rovavelmente, se agravou em decorrência da piora do desempenho econômico. A taxa de crescimento médio anual do Produto Interno Bruto foi de 2,6% em 1995-98 e menos de 2,2% em 1999-2002. Em um país marcado por uma das mais elevadas concentrações de riqueza, renda, poder e cultura do mundo, a igualdade perante a lei somente é reconhecida pelos nefelibatas. Brasil, país subdesenvolvido e profundamente injusto, é uma sociedade de direitos civis retardatários. O modelo neoliberal deixa uma herança trágica no que se refere a direitos sociais e civis. O próximo presidente enfrentará desafios oceânicos. É muito provável que, nos dois primeiros anos, que focarão os programas emergenciais para combater a fome e a miséria, a reconfiguração institucional e a correção dos desequilíbrios econômicos, haja poucos resultados concretos em termos de renda e emprego. Esse período é, no entanto, curto para limpar a herança trágica e o desempenho medíocre de Fernando Henrique. Considerando a "lambança" de FHC, a previsão de que o ajuste tomará dois anos é claramente otimista. Ademais, frente à herança trágica de Fernando Henrique e aos enormes desafios, não há espaço para voluntarismos ou espamos panglossianos. Nesse último caso, deve-se destacar que o desmonte do aparelho produtivo dificilmente permitirá um aumento significativo da competitividade internacional da economia brasileira num horizonte de curto ou médio prazos. O saldo positivo continuará sendo determinado, em grande medida, pelo nível das importações. Se não houver calibragem da conta de capital, a situação das contas externas será incompatível com a retomada do crescimento no médio prazo. Há, ainda, risco das novas classes dirigentes serem contaminadas pelo síndrome do ultra-realismo. Nesse caso, o discurso padrão é o seguinte: "uma coisa é o que queremos, outra é o que podemos". Essa síndrome implica, na realidade, a falta de ousadia na execução das mudanças e das rupturas. No que se refere à política econômica, a seqüência e a temporalidade Das medidas são fundamentais. As políticas monetária, cambial, comercial, creditícia e financeira podem ser alteradas no curto e médio prazos, enquanto as políticas fiscal, tecnológica, cambial, agrária e agrícola já têm horizontes de mais médio e longo prazos. Entre os ultra-realistas e os voluntaristas-panglossianos, há alguma margem de manobra. * Reinaldo Gonçalves é professor da UFRJ.
https://www.alainet.org/es/node/106611
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