ALCA = Gaiola de Ferro

07/12/2002
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O neoliberalismo tem sido um grande êxito para Wall Street, mas ainda persistem na América Latina negócios sob o controle de interesses locais, algumas enfraquecidas legislações que restringem o investimento estrangeiro e, em alguns casos, regimes incapazes de pôr em prática a totalidade das políticas de Washington devido à pressão popular. Com a ALCA, esses impedimentos a um total saqueio imperial serão eliminados. Os cálculos de Washington e Wall Street, entretanto, subestimam o alcance e a profundidade da emergente onda de movimentos populares massivos contra a ALCA e seu componente militar. Da reunião ministerial realizada em Quito, Equador, das conversas e entrevistas com executivos e banqueiros de Wall Street, com editores financeiros e funcionários governamentais em Washington, bem como da leitura de jornais de negócios e de documentos públicos, fica claro que há um quase unânime e entusiasta apoio à Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Afora alguns grupos de igrejas cristãs e organizações de solidariedade com a América Latina que se opõem à ALCA, o restante dos cidadãos estadunidenses ignoram a existência da negociação comercial. Várias perguntas importantes surgem desses fatos: (1) tendo em conta o fracasso das políticas de livre mercado na América Latina nas duas décadas passadas e a crescente pobreza no México sob o NAFTA, por que há um apoio tão forte à ALCA?; (2) por que é necessária a ALCA se as empresas multinacionais estadunidenses e européias têm prosperado no atual marco neoliberal?; (3) como se encaixa a ALCA dentro da estratégia de guerra global da administração de Bush? Dos mega-ganhos à ALCA. De 1990 a 2002, a "era de ouro do neoliberalismo", os bancos estadunidenses e as empresas multinacionais enviaram desde a América Latina 1 trilhão de dólares em ganhos, pagamentos de juros e royalties. Além disso, cerca de 900 bilhões de dólares em "dinheiro sujo" foram enviados pela elite latino-americana ao exterior, através de bancos estadunidenses e europeus. No mesmo período, os bancos estadunidenses e europeus compraram mais de 4 mil lucrativos e antes estatais bancos e companhias de telecomunicações, de transporte, petroleiras e mineiras, principalmente na Argentina, México e Brasil. Os superávits comerciais estadunidenses com a América Latina cobriram mais de 25% do seu déficit com a Ásia ou mais de 50% com a Europa. As taxas de ganhos e juros das empresas multinacionais e bancos estadunidenses na América Latina foram duas ou três vezes superiores às taxas de ganhos dentro dos Estados Unidos. As empresas estadunidenses que se posicionaram na América Latina puderam reduzir seus custos trabalhistas em 70 a 80%. As ações estadunidenses nos mercados latino-americanos varejistas, colocadas através de subsidiárias bancárias e locais, aumentaram geometricamente, especialmente no ramo da comida rápida, shopping centers e imóveis. Em outras palavras, as políticas de 'livre mercado' geraram resultados diametralmente opostos: para as multinacionais estadunidenses, significaram os maiores ganhos e a maior presença na América Latina nos séculos XX e XXI, enquanto que, para América Latina, significaram o pior desempenho de crescimento no mesmo período - especialmente na Argentina, no Brasil e no México. A pobreza e a estagnação da América Latina são produto da concentração e a centralização da riqueza e da expansão dos Estados Unidos. Do ponto de vista dos banqueiros estadunidenses, os regimes 'neoliberais' foram um grande sucesso e sua compreensão da ALCA diz que se aprofundarão e se prolongarão os anos, literalmente 'dourados', de 1990- 2002. As maciças transferências de riqueza para o norte têm socavado a acumulação e o crescimento local. A privatização tem provocado ganhos cada vez maiores e maior desemprego. A desregulamentação dos bancos tem estimulado para que se apropriem da poupança local, transfiram de forma irregular milhões de dólares de fundos ilegais da América Latina para os Estados Unidos, cobrem as maiores taxas de juros e concedam escasso crédito para os produtores locais. Os assimétricos 'livre comércio e proteção' têm levado a que as empresas estadunidenses se apropriem do comércio varejista, as telecomunicações e os bens imóveis, e ao estabelecimento de cotas e restrições às exportações latino- americanas de bens agrícolas (cítricos, açúcar, algodão, camarão etc.), têxteis e muitos outros produtos. Excluindo o petróleo e os produtos de baixo valor agregado das maquiladoras estrangeiras, as exportações da América Latina, como percentagem das exportações estadunidenses, têm reduzido consideravelmente. Se essa imensa transferência de riqueza para os Estados Unidos tivesse sido investida na América Latina durante a década passada, os níveis de vida teriam aumentado 40% e os sistemas nacionais de educação e saúde teriam melhorado substancialmente. A conclusão é totalmente clara: o apoio estadunidense à ALCA baseia- se nos mega-ganhos das políticas de livre mercado e na crença de que a ALCA vai consolidar o marco para que os altos ganhos continuem. A desintegração das economias latino-americanas e a decadência das sociedades latino-americanas estão totalmente fora do cálculo de Wall Street e de Washington, sem contar o fato de que podem desencadear sublevações populares. Caso que isto aconteça, Washington está preparada para militarizar a região, em vez de modificar as condições da exploração. A necessidade da ALCA. A ALCA é a continuação necessária do 'livre mercado' porque estabelece uma base institucional, legal e formal para a total absorção dos recursos, da poupança, dos mercados, do comércio e das empresas latino-americanas. Da forma como estão concebidas, as políticas econômicas da ALCA serão ditadas por uma comissão dominada pelos Estados Unidos - da mesma forma que dominaram a OEA, o BID e outras organizações regionais. As regras da ALCA serão impostas, na prática, por pessoal administrativo controlado pelos Estados Unidos e por alianças militares. A ALCA emerge, madura, da casca neoliberal, mas também é uma tentativa por fazer com que as políticas e estruturas regressivas se tornem "irreversíveis". Ao eliminar os organismos executivos e legislativos locais sujeitos à influência popular, a ALCA os substituirá por comissionados não eleitos, sob a direção do Departamento do Tesouro estadunidense e do Departamento de Comércio, quem supervisionarão e formularão as políticas para avançar na penetração estadunidense e proteger as empresas estadunidenses não competitivas, às expensas dos competidores europeus e os produtores latino-americanos. Finalmente, as multinacionais estadunidenses vêem na ALCA um meio para restringir o acesso das competidoras multinacionais européias aos lucrativos recursos e ações do mercado latino-americano. Dado o aumento do déficit comercial estadunidense com o resto do mundo, a ALCA permitirá que haja mais superávits comerciais e facilitará a transferência para o norte de "dinheiro sujo". Com o colapso e o descrédito dos regimes clientelistas neoliberais, o aumento dos movimentos populares e o cada vez maior número de governos progressistas emanados das urnas, a ALCA propõe transferir o poder da tomada de decisão dos seus desacreditados clientes locais diretamente às mãos dos funcionários imperiais. A ALCA e a estratégia de guerra. Enquanto que os funcionários econômicos estadunidenses estão preparando as bases para o pacto da ALCA de 2005, os altos funcionários da administração Bush vão por uma trilha diferente, mas paralela: a busca da conquista militar e o monopólio dos recursos estratégicos petroleiros através da guerra e da ocupação do Iraque - e das muito prováveis guerras futuras e da colonização de outros países produtores de petróleo. A convergência entre a conquista militar, cuja meta é o petróleo, e a América Latina está nos intensos esforços por fomentar um golpe de Estado na Venezuela e em promover uma guerra total na Colômbia. A ascensão dos militaristas da ultra-direita no regime Bush (Paul Wolfowitz, secretário adjunto da Defesa; Richard Perle, presidente do Comitê do Pentágono para Políticas de Defesa; Dick Cheney, vice- presidente; Condoleezza Rice, conselheira de Segurança Nacional; Donald Rumsfeld, secretário da Defesa) significa que as políticas repressivas e de guerra têm maior prioridade que as políticas econômicas - incluindo a ALCA. Washington assume que seus regimes clientelistas latino-americanos e seus ativos políticos entre os servis ministros do Exterior tratarão de empurrar a ALCA. Em um sentido estratégico, os senhores da guerra estadunidenses contam com crescentes laços com os militares e a polícia secreta latino- americana (a chamada "inteligência" e as forças de segurança) para impor a ALCA, se necessário. Objetivamente, a ênfase do regime de Bush na conquista militar baseia-se nos atuais déficits econômicos e os futuros ganhos monopólicos que provenham do controle direto sobre o petróleo do Oriente Médio e Venezuela. No período de 'transição', entre os atuais déficits e os futuros ganhos, para compensar, Washington se propõe a espremer a América Latina. Os cálculos da Casa Branca e de Wall Street, todavia, subestimam o alcance e a profundidade da emergente onda de movimentos populares massivos contra a ALCA e seu componente militar. Enquanto Washington continua com seu projeto imperial, as massas se inquietam e os regimes clientelistas viram notas de rodapé da história. Fica ainda por resolver uma questão de tempo: criarão os movimentos populares regimes nacionalistas e socialistas antes que os Estados Unidos possam impor sua gaiola de ferro da ALCA? Eu aposto nos movimentos populares. * James Petras é professor de sociologia da Universidade Binghamton de Nova Iorque. Correio da Cidadania. Ed. 324, 7 a 14 dez. 2002
http://www.correiocidadania.com.br/ed324/internacional.htm
https://www.alainet.org/es/node/106717
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