Rever ou não rever a tabela do Imposto de Renda. Eis a questão!
30/01/2003
- Opinión
A pisada em falso do Ministro da Fazenda, Antônio Palocci, ao
avalizar declaração do atual Secretário da Receita Federal, Jorge
Rachid, segundo a qual não haveria este ano a correção nos valores
tributáveis da tabela do Imposto de Renda, defendida pelo PT ainda em
2002, permite trazer à luz o debate que realmente interessa: o
caráter desse tributo no Brasil.
Ao nos socorrermos nos mais comezinhos pressupostos de política
tributária, encontraremos valiosas lições sobre a classificação dos
tributos segundo sua natureza - regressivos, proporcionais e
progressivos -, a partir da qual tornam-se transparentes o caráter e
as preocupações centrais dos agentes do governo que têm a
prerrogativa institucional de instituir e cobrar tributos. Na
primeira classificação, encontraremos os impostos através dos quais
se coleta mais dos menos favorecidos, tendo como conseqüência a
elevação dos níveis de concentração de renda. Na segunda, ou seja,
proporcionais, estão aqueles cuja implementação prima pelo
conservadorismo ao manterem o perfil de distribuição de renda vigente
em dado momento. E, finalmente, na terceira encontramos os aplicáveis
em situações em que prevalece o princípio de que cada indivíduo deve
ser tributado de acordo com sua capacidade contributiva.
Ao Imposto de Renda vigente no Brasil aplicar-se-ia esta última
classificação, por terem sido adotadas três faixas a partir das quais
fixaram-se os níveis de isenção e de tributação a serem aplicados.
Quando nos referimos à tributação sobre a renda, necessário se faz
registrar ao menos a relevante e precedente questão, nada simples de
resolver, sobre a definição do que venha a ser renda. Apesar da ampla
aceitação de que assim se classificam os salários, cabem algumas
ponderações a respeito. Acaso será renda o produto financeiro da
venda da capacidade de trabalho das pessoas físicas ou, como renda
deveríamos considerar apenas a remuneração auferida a partir da
aplicação da parte do salário existente após o desconto dos custos
com o suprimento das necessidades básicas? Se aceitamos esse
conceito, quais as despesas a serem consideradas e sobre as quais não
incidiria Imposto de Renda? Acaso seria razoável tributar as parcelas
consumidas com necessidades básicas como moradia, alimentação, saúde
e educação dos filhos, por exemplo?
Bem estamos apenas começando. Voltando à classificação do Imposto de
Renda brasileiro e situando-o, segundo o senso comum, na categoria de
tributo progressivo, exploremos as justificativas apresentadas para
assim classificá-lo: a) estão isentos do IR os assalariados cujo
ganho mensal corresponda a R$ 1.058,00; b) os ganhos mensais situados
entre R$ 1.059,00 e R$ 2.115,00 estão sujeitos à taxa de 15%; c) a
partir dos R$ 2.116,00 reais mensais, sem limite, aplica-se a
alíquota de 27,5%, em ambos os casos com retenção na fonte. Mesmo
considerando-se as respectivas deduções anuais, de R$ 1.904,40 e R$
5.076,90, é evidente a injustiça na aplicação de uma mesma alíquota
para intervalos salariais tão amplos, penalizando especialmente os
que recebem menores salários, principalmente no intervalo onde
incidem os 27,5%. Enquanto isso, os Rendimentos de Capital estão
sujeitos a alíquotas de apenas 20% sobre a remuneração das aplicações
em renda fixa e renda variável. Na tributação aplicável sobre pessoas
jurídicas, vamos encontrar taxas incidentes sobre o lucro real,
presumido ou arbitrado a partir de 15%, dentre outras, em vigor desde
o ano-calendário 1996.
A partir desse cenário, em vez de deixar tudo como está - apesar de
segundo Palocci, o futuro a Deus pertencer -, é imprescindível
admitir a existência de conflitos de interesses em discussões sobre
esta questão e implementar as necessárias alterações na tabela do
imposto de renda, ampliando-se o número de faixas existentes e
atribuindo-lhes tantas alíquotas quantas sejam necessárias, para
tornar justa e consoante com o bom princípio da progressividade esta
tributação. Desta forma se tornaria mais um dos instrumentos capazes
de contribuir para o desenvolvimento econômico sustentável e a
diminuição dos níveis de miséria, guardando estreita relação com o
estabelecimento de princípios básicos democráticos e permeados pela
preocupação com a necessária alteração do perverso perfil da
distribuição da renda no Brasil. Estas medidas, longe de reduzir o
padrão de arrecadação do governo, tenderiam a elevá-lo desde que
fossem compensadas as reduções das alíquotas incidentes sobre os
salários mais baixos pela elevação das aplicadas aos salários mais
altos e aos ganhos proporcionados aos rentistas.
Tal iniciativa pode e deve ser implementada antes da propalada
Reforma Tributária, no bojo da qual terão de ser discutidos e
definidos conceitos básicos como o de renda, o perfil político do
sistema tributário necessário à realidade brasileira e os níveis
adequados de incidência da carga tributária sobre os vários setores
produtivos de nossa economia. O sistema tributário deve servir antes
de tudo como alavanca para o desenvolvimento e a geração de melhor
padrão de vida para os brasileiros.
* Wellington Leonardo da Silva é economista, consultor em planejamento
estratégico e Diretor do Sindicato dos Economistas do Estado do Rio
de Janeiro.
https://www.alainet.org/es/node/106901