Atualidade da violência nas três religiões monoteístas
15/06/2003
- Opinión
O violento e irrefreável avanço dos fundamentalismos, o surgimento de novas formas de culto e a crise do homem pós-moderno trouxeram à tona dos acontecimentos de maneira caótica e apaixonada o estudo das religiões. Em todos os ramos da ciência, em todo tipo de mídia, em todo segmento social, o contato com o transcendente é discutido e analisado, na grande maioria das vezes, com um descaso e presunção indignos de uma metodologia séria e isenta o suficiente para esclarecer o tema, velando-o em discursos excessivamente dogmáticos e apaixonados ou deveras céticos e distanciados. Se a informação nunca esteve tão disponível quanto agora, nunca este tópico foi tão obscurecido. No centro desta discussão estão as três religiões monoteístas, as quais têm se visibilizado na mídia e na opinião pública dos últimos tempos estreitamente próximas de uma violência fundamentalista que leva inevitavelmente à pergunta se não estaria na própria essência dessas propostas religiosas um pacto com a excludência e a violência. De fato, a análise dos sistemas monoteístas semíticos há de ser meramente sistemática e um tanto quanto superficial, não só porque o número de obras sobre os temas tratados excede nossa pretensão momentânea, como também o interesse da observação há de ser ressaltado se nos atermos à identificação do conceito de "religião" apontado, nos limitando a confrontá-lo com os maiores desvios de interpretação que circundam tais tradições. Nas palavras de um religioso célebre, Não há compulsão na religião. Ao contrário do que se possa imaginar, o autor desta frase (se assim o podemos chamar), é o fundador (novamente, termo dotado de grande imprecisão) da religião considerada (de forma infeliz) como o flagelo do Ocidente, desde a baixa Idade Média até os dias de hoje. Maomé, mediador da mensagem divina, queria afirmar que a religião não é um estado artificial, infligido à espécie humana por um deus tirano; sequer um impulso emocional irracional e violento, que desafia os limites o outro, seja em níveis individuais ou sociais; mas uma predisposição dos seres para o reencontro com o amor divino. Por outro lado, o medo do dogmatismo religioso, resultado de séculos de secularização pode ser apontado como o maior adversário de um estudo sério e aprofundado dos sistemas religiosos tradicionais, em especial os semíticos monoteístas. O Islã invoca o pavor das invasões otomanas, a fúria dos literais (e não fundamentalistas, como terei a oportunidade de analisar) iranianos, a irracionalidade das Teocracias ditatoriais. O Judaísmo, apesar da piedade despertada por séculos de perseguição, cuja chaga mais profunda é a do holocausto nazista, ainda muito recente para ser esquecida, é alvo de uma série de suspeições e preconceitos, frutos de um passado cultural ainda distante de ser desmantelado. E avança rumo ao seu próprio fundamentalismo beligerante e excludente, na ocupação mal-explicada da Palestina. E os cristãos, em sua dupla divisão e multiplicidade de seitas, despertam na sociedade contemporânea um misto de reações que apenas os acontecimentos futuros haverão de revelar por inteiro: a dolorosa separação do Catolicismo Romano do Cristianismo Oriental, até a difusão desenfreada das inúmeras seitas protestantes. Porém, não é possível ignorar as semelhanças entre os monoteísmos, quer porque tenham raízes comuns, quer porque se dirijam ao mesmo Deus, Único, Onipresente, Onisciente, habitando o Paraíso Celestial de onde há de julgar os vivos e os mortos. A suspeita que se lança sobre eles é que o fato de adorar um Deus único pode levar à exclusão as divindades que outros adoram e querer mesmo combate-las. Infelizmente, parece que isso tem acontecido com freqüência, tanto no passado como nos últimos tempos. No entanto, cremos que não podemos deter-nos na consideração das religiões monoteístas apenas por este prisma. No fundo mais profundo de sua essência, na experiência fundante que lhes deu origem e dá força a seu projeto, está a experiência de um amoroso contato com o divino que põe em vivificante movimento todas as pulsões de vida e comunhão da humanidade. Condenar, portanto, e identificar a raiz da violência nos monoteísmos apenas porque o são seria diabolizar sua identidade. Parece-nos que o caminho é, conservando toda a sua riqueza, desativar o potencial explosivo que podem levar em si pelo fato de serem religiões de crença, e portanto de aceitação e submissão. Talvez não se possa eliminar essa característica, mas certamente se pode purifica-la. As religiões devem converter-se a si mesmas. Mas delas não se pode prescindir. São portadoras das maiores experiências humanas, da mais alta sabedoria, da realização mais gratuita, criadora e livre a que pode chegar o ser humano. Mas esta possibilidade não terminou com elas, e portanto não pode ser fechada e convertida em dogma imposto a todos. Tampouco é exclusiva de nenhuma delas. Continua aberta e é comum a todas as tradições religiosas e de sabedoria. Assim o experimentaram as testemunhas maiores dos três monoteísmos citados: são eles os profetas, sufís, místicos, de todas as religiões. Deixemos que eles mesmos falem. * Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga.
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