La Moneda e as Torres Gêmeas: aniversário re-cordado
12/09/2013
- Opinión
Quem não se lembra onde estava no dia 11 de setembro de 2001? Quem não se recorda do estampido mortal que ensurdeceu o Ocidente e o mundo inteiro quando o primeiro avião investiu contra a primeira torre e começou a desabar toda uma civilização e uma impunidade?
Eu me lembro e nunca me esquecerei: em um seminário em Juiz de Fora, discutia mística comparada com um grupo de colegas de várias universidades. Não havia televisão nem internet e, de repente, me chamaram no telefone da portaria. Era meu marido. Queria tranquilizar-me, pois já havia falado com nossos dois filhos mais velhos, que na ocasião se encontravam nos Estados Unidos: uma em Nova York, em plena Manhattan, e o outro em Washington, em Georgetown.
Disse-me: “Não se preocupe. Estão bem”. E eu perguntei: “Mas por que não estariam?” Sua voz irritada me respondeu: “O mundo está desabando e você não sabe?” Não sabia. Mas naquele momento soube e nunca mais deixei de saber e estar consciente. Não há fortalezas humanas inexpugnáveis. E um dia a conta chega. A grande potência do Ocidente fora atingida em pleno coração. A essa altura, o segundo avião já fizera sua investida e especulava-se se haveria um terceiro. O orgulho do império americano jazia ao chão, entre poeira, escombros, luto e dor de três mil vítimas.
Mas devido aos anos que vivi, não posso deixar de lembrar-me de outro 11 de setembro, mais antigo, há quarenta anos, vinte e oito anos antes das Torres Gêmeas. Salvador Allende, presidente do Chile, foi acordado cedo naquela manhã para receber a informação do levante dos oficiais da Marinha em Valparaíso, cidade portuária chilena. Ele sabia o que isso significava e dirigiu-se ao Palacio de La Moneda, sede de seu governo, em uma tentativa de, junto aos que lhe permaneceram fiéis, resistir ao golpe.
Ali entrou e pouco depois iniciou-se o bombardeio dos comandados pelo general Augusto Pinochet. Foi oferecido ao presidente um avião no qual pudesse embarcar para o exílio, em país de sua escolha. Mais tarde se saberia que Pinochet havia instruído seus comandados para que abatessem o avião em pleno voo. Allende recusou a oferta e optou por resistir com sua guarda e colaboradores.
Sabia que vivia suas últimas horas e escolheu vivê-las de maneira a que pudessem ficar para sempre gravadas na memória do povo chileno. Sabia que a força do testemunho e da honra é maior que a das armas. E por isso usou da palavra como tão bem o sabia fazer para falar à nação, da qual ainda era o chefe, através da rádio Magallanes, às 10h10m.
Dirigiu-se primeiro aos militares, dos quais era comandante em chefe como presidente: “Minhas palavras não têm amargura, mas decepção. Que sejam elas um castigo moral para quem traiu seu juramento.” Depois começou a pronunciar seu testamento: “Não vou renunciar! Colocado numa encruzilhada histórica, pagarei com minha vida a lealdade ao povo. E lhes digo que tenho a certeza de que a semente que entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos não poderá ser ceifada definitivamente. Eles têm a força, poderão nos avassalar, mas não se detêm os processos sociais, nem com o crime nem com a força. A história é nossa e a fazem os povos.”
Allende acreditava na liberdade e na soberania dos povos, a começar pelo seu. E queria transmitir isso a seu povo naquelas horas supremas. Após isso, profetizou os tempos obscuros e pesados de opressão que seu país iria viver: “Dirijo-me à juventude, àqueles que cantaram e deram sua alegria e seu espírito de luta. Dirijo-me ao homem do Chile, ao operário, ao camponês, ao intelectual, àqueles que serão perseguidos, porque em nosso país o fascismo está há tempos presente: nos atentados terroristas, explodindo as pontes, cortando as vias férreas, destruindo os oleodutos e os gasodutos, frente ao silêncio daqueles que tinham a obrigação de agir. Estavam comprometidos. A historia os julgará.”
Os chilenos certamente ainda não avaliavam quão tristemente exatas eram as profecias de seu presidente. Saberiam depois, no estádio onde morreram tantos jovens e artistas, como Victor Jara, que teve suas mãos de guitarrista cortadas; nos cárceres onde moças grávidas e jovens estudantes seriam barbaramente torturados e mortos; no medo do toque de recolher que se repetiria a cada noite por longos dezesseis anos até o plebiscito de 1989, quando o Não à ditadura triunfou.
Porém, o testamento do presidente terminava com uma nota de esperança. E é ela que hoje anima os chilenos que lutam para construir a democracia; e também os estadunidenses que se engajam na luta contra a violência e desejam soluções pacíficas para as questões internacionais nas quais está envolvido seu país. Que as palavras finais de Allende, no 40º aniversário de sua morte, nos inspirem também: “Superarão outros homens este momento cinzento e amargo em que a traição pretende impor-se. Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor.”
Que os homens e mulheres livres passem e que as alamedas se alarguem para acolher seus passos. E que digamos amém a essas palavras que em um macabro aniversário nos afirmam que a liberdade ainda é possível.
- Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, teóloga é autora de “O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco.
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