América Latina e Caribe em avaliação

06/08/2003
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Os processos de mudanças profundas em curso no mundo marcaram fortemente a vida dos diferentes povos da América Latina e do Caribe. Cristãos de diferentes confissões se reuniram na semana passada em São Paulo para avaliar a caminhada de suas igrejas nas últimas décadas a fim de poder apontar prospectivas para o cristianismo dessas regiões neste início de século a partir de um balanço crítico da situação de hoje. A pressuposição subjacente é que o cristianismo, a partir das raízes de sua fé, pode e deve contribuir decisivamente para a refundação de nossas sociedades atuando na história no horizonte da solidariedade e da justiça que constituem o cerne de sua ética. O Prof. Oscar Beozzo, na primeira palestra da semana, chamava atenção para as grandes questões de fundo que estão por detrás das discussões atuais sobre a situação da humanidade em processo de globalização: 1) O que fazer diante de uma economia cega às necessidades das grandes maiorias e indiferente ao sofrimento dos que são descartados pelo sistema ou se encontram permanentemente excluídos?; 2)É possível passar de uma economia regida unicamente pelos imperativos do mercado financeiro a uma economia regulada, política e socialmente? ; 3)Está a economia ao abrigo de qualquer imperativo ético ou tornou- se a construção de uma ética das relações econômicas e políticas a mais premente urgência de nossa época? Sem dúvida, esta é a maior urgência de nossa época, mas é necessário que se entenda o que se pretende dizer com isto. Não se trata simplesmente, como dizia M. Weber, de passar de uma ética das intenções das pessoas para uma ética da responsabilidade no sentido de levar também em consideração as conseqüências de suas ações individuais. Trata-se de algo mais: a ação normal dos seres humanos no mundo é sempre situada num conjunto complexo de instituições e profundamente marcada por elas, mesmo que as pessoas nem sempre tenham consciência desses condicionamentos de suas ações. Por exemplo, numa sociedade como a nossa, marcada do ponto de vista econômico pelas instituições da economia capitalista de mercado, nossas ações se situam no contexto da luta de concorrência que em si mesma não tem qualquer consideração social e, se se pode dizer como o fazia A. Smith, que serve ao bem-estar dos consumidores participantes do mercado enquanto são portadores de necessidades, contudo abstrai, normalmente com conseqüências mortais, dos pobres que dele não participam. Então, a afirmação feita sobre a urgência de uma ética das relações econômicas e políticas pretende, em primeiro lugar, explicitar, nossa obrigação de não capitular frente às injunções dessas instituições sociais. Em segundo lugar, a obrigação moral de explicitar princípios normativos, que possam provocar um processo de mudança de nossas instituições sociais capaz de enfrentar os problemas éticos que a humanidade levanta hoje. Numa palavra, trata- se aqui antes de tudo de uma ética das instituições políticas e econômicas e de suas relações com as ações dos indivíduos na sociedade que legitime a obrigação de buscar condições básicas para a sobrevivência da família humana num planta habitável e numa sociedade mundial em que os seres humanos possam ser reconhecidos em sua dignidade. O desafio fundamental de nossa época consiste em legitimar os fundamentos normativos básicos das estruturas necessárias para uma civilização global e descobrir os meios de sua implementação. Este horizonte abre o espaço para uma militância no mundo que tem como tarefa básica restabelecer os vínculos rompidos com a natureza e reconstruir as comunidades humanas de tal forma que se estabeleçam relações simétricas entre todos os seres humanos. * Manfredo Araújo de Oliveira é Filósofo, Teólogo, Escritor e Professor da UFC.
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