ALCA e o Brasil: a nação vestida de dinheiro e despida de destino

18/10/2003
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"Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni."
Chico Buarque
O desmonte das estruturas protecionistas e intervencionistas no Brasil foi ditado não por uma "modernização econômica" em abstrato mas por interesses particularísticos de grupos monopolistas multinacionais e associados locais. Abertura sem cronograma e seletividade, privatizações e cortes linerares, ausência de política econômica de desenvolvimento. Sabe-se onde começa o parasitismo da Nação, não onde acaba.. As ventosas falam pelas bocas. As bocas calam aquilo que foi sugado. Trinta divisas ou mais, lá se vai o território e sua gente. As novas elites, estéreis porque nascidas em um modelo de internacionalização passivo e rebaixado, só conseguem ser competitivas apelando para os velhos atributos da colônia, matéria-prima abundante e mão-de-obra barata. Seus sapatos, frangos, semi-manufaturados e commodities agrícolas são competitivos às custas da desigualdade e da negação cotidiana dos direitos humanos. No atual modelo econômico de enclaves desarticulados, cada pico de exportação significa uma queda correspondente nos indicadores sociais e aumento na concentração de renda. Comemorar o êxito de setores que moem gente? Burguesia de segunda mão. Feitores da barbárie na periferia do mundo. Quando se defendem, protegem antes seus chefes. Apaniguados daqui gorjeiam como se fossem de lá. O Brasil que "deu certo" na (e por causa da ) crise vêm dizer que a ALCA, em moldes abrangentes, atende aos "interesses nacionais". Vejam a que ponto foram reduzidos tais interesses! Fizeram um país portátil que cabe no bolso. Tem trocado moço? Com concentração de renda, imperialismo é sempre bom negócio. Só vale a pena quando poucos entregam muitos. A ALCA serve para cristalizar um modelo econômico subordinado ao mercado mundial e uma das sociedades mais desiguais do planeta. Como são simpáticas nossas elites pós-nacionais. Nas entranhas do monstro querem aprisionar o povo brasileiro. O messianico império norte-americano não veio para trazer "segurança e prosperidade mundiais"? Não é difícil compreender o desespero e açodamento de bancos, financeiras, redes de serviços, plantations e maquiladoras "nacionais" por uma ALCA plus e para já. Em nome da segurança de seus privilégios vestem e desvestem qualquer identidade. A única pátria que conhecem é vestida de dinheiro e despida de destino. Antes de um país preferem uma griffe que proporcione credibilidade internacional e atração de investimentos, não importa se especulativos, de curto prazo ou em montadoras que pouco agreguem valor. Órfãos de qualquer projeto, são incapazes de entender o projetos alheios. No máximo, sabem submeter-se. Caminhar com suas próprias pernas então só pode ser uma "opção ideológica". Crime de pensamento" querer existir. Utopia insana querer construir uma nação justa e democrática que ocupe posição ativa e cooperativa no mundo. A ALCA é um pré-requisito para a unipolarização do mundo pelos EUA. Um pacto entre as mais poderosas redes econômicas para fazer dos EUA o centro regulador da globalização capitalista. A Autorização para a Promoção Comercial aprovado pelo Congresso norte-americano reproduziu parcialmente este acordo inter-monopolista. O que conquistar, o que proteger, o que liberalizar. As cartas estão marcadas consecutivamente. Confirmam cotas e subsídios que blindam seus mercados agrícolas e de semi-manufaturados. Tornam irrevogáveis os seus mecanismos unilaterais de defesa comercial. Ainda por cima exigem que todos os países-membros renunciem ao seu direito de estabelecer políticas nacionais de desenvolvimento, abrindo incondicionalmente serviços, investimentos e compras governamentais. A Área de Livre Comércio das Américas procura dar cabo a uma reestruturação (ampliada) da economia norte-americana, cada vez mais financeirizada e terciarizada. As expectativas frustradas de expansão nos anos 90 fizeram com que grande parte do capital alavancado por estes setores ficasse imobilizado. A ALCA procura ampliar as fronteiras de rentabilidade dos investimentos norte- americanos em condições de "previsibilidade e segurança econômica". Com o encolhimento dos mercados dos países desenvolvidos e adoção de novas barreiras protecionistas, a absorção de mercados residuais dos países latino-americanos tornou-se crucial. O aprofundamento da abertura de mercados e a flexibilização das regras no hemisférios aceleraria o reposicionamento das cadeias produtivas norte- americanas no continente e no mundo. Essa relocalização dos negócios hemisféricos levaria em conta os nichos de consumo, a disponibilidade de matérias-primas estratégicas, a densidade e eficiência da infra-estrutura , o grau de precarização do mercado de trabalho e de debilidade dos Governos. É esta agenda reflexa que as elites bastardas querem impor ao Brasil. Decadente encenação de peças acessórias de poder. Ópera bufa e sofrível. Engrenagens despersonalizadas da globalização tentando representar algum vínculo ou alguma vontade coletiva. Uma ofensa à boa e velha representação, que Moliere e Balzac identificaram como a essência do espírito burguês. Entendo perfeitamente porque querem regulamentar a profissão de prostituta. "É um mercado tão digno quanto outro", dizem picaretas de aluguel. Não se trata apenas de acobertamento do desemprego com formalização do sub-emprego. Milagre, Geni faz-se santa perto de burguesia tão puta! Geni não entrega nada que não seja dela mesma. Seu sacrifício é imenso mas o vazio só se sente dentro. E este imenso buraco do lado de fora quem deixou? * Luis Fernando Novoa Garzon. Sociólogo, membro da ATTAC. Da coluna no "Correio da Cidadania", 19 a 26 de outubro www.correiocidadania.com.br
https://www.alainet.org/es/node/108646
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