Os expulsos da terra
21/01/2004
- Opinión
Espoliados ou escravizados pelas corporações de agroindústria,
hotelaria ou minenadoras, trabalhadores do campo querem retomar
direitos
Antepassados da tailandesa Kingcorn sempre tiveram uma relação
direta e natural com as terras do campo e da floresta em seu país.
Sem escrituras e organizadas em regime comunal, as terras pertenciam
aos que nela viviam. Nos anos 70, com a chegada dos programas do
Banco Mundial de titulação de propriedades, tudo mudou.
Não é preciso grande imaginação para compreender que muitos títulos
nunca chegaram a quem pertenciam de direito, e muitos dos que
chegaram migraram depois para outras mãos. Comerciantes da cidade,
corporações da agroindústria e do turismo agiram rápido e logo
tiveram os camponeses sob seu controle.
"Antes tínhamos terra e não tínhamos título. Depois tínhamos título
e não tínhamos terra", contou Kingcorn, no IV Fórum Social Mundial
(FSM), em Mumbai. Ela veio relatar uma virada importante na atitude
dos camponeses expulsos ou explorados e que foi provocada pela troca
de experiências no processo do FSM, durante o último ano.
Em 2003, uma delegação tailandesa participou do III FSM em Porto
Alegre, onde manteve contatos com o Movimento dos Sem Terra (MST)
brasileiro. Um mês após visitarem acampamentos e ocupações, em
fevereiro de 2003, nascia o Movimento dos Sem Terra da Tailândia.
Em Mumbai, Kingcorn ouviu histórias parecidas, de gente como os
camponeses da Indonésia, forçados a migrar de uma ilha para outra
por um programa articulado entre governo e grandes empresas de
monoculturas.
Indra Urbes, da Via Campesina e representante da Federação dos
camponeses da Indonésia, relata essa viagem até agora sem volta que
inúmeras famílias estão fazendo rumo a uma vida de semi-escravidão.
Para possibilitar as grandes monoculturas de borracha, coco e dendê,
empresas estrangeiras se apossam de pequenas ilhas – são centenas de
pequenas ilhas no país. Praticamente desabitadas, elas demandam mão
de obra no campo. O governo promete moradia e condições de vida para
trabalhadores que concordem em abandonar suas comunidades e pequenas
produções, se aventurando a mudar de uma ilha para outra atrás dos
empregos no campo oferecidos pelas empresas. O novo lar dessas
famílias não passa do mínimo para que sirvam aos novos patrões. Tudo
que tinham, de vida em comunidade e vínculos com as terras onde
nasceram, fica para trás.
Os indianos, porém, não tinham menos problemas a expor. Com uma das
maiores populações mundiais para alimentar, e terras disputadas por
corporações – seja da agroindústria, sejam as mineradoras – a Índia
vai se tornando um celeiro de miseráveis no campo e nas cidades. É
um terreno fértil para que as grandes empresas determinem as
condições de trabalho das famílias que vivem da agricultura.
"Os motivos são diferentes, mas a perda do direito à terra é
generalizada em lugares de interesse do grande capital", diz a
brasileira Mônica Martins, ativista da Rede Social de Justiça e
Direitos Humanos e mediadora do seminário que reuniu representantes
da Índia, África do Sul, Indonésia, Tailândia, Brasil e Cuba.
As pressões políticas vêm principalmente das instituições como Banco
Mundial e FMI, que impõem mudanças na legislação: "no Brasil mudam a
lei da água, na Tailândia, a lei da terra, e, na Índia, as leis das
florestas para permitir que as corporações explorem esses recursos".
Uma das mais terríveis, diz Mônica, é a pressão cultural que resulta
de tudo isso. "Camponeses que mantém com a natureza uma relação de
cooperação são obrigados a submeter-se a um processo de devastação e
consumir produtos industrializados".
Cuba participou do seminário de forma mais orgulhosa. Catherine
Murphy, uma norte-americana que foi à ilha para estudar e de lá
nunca mais saiu, explicou que depois do colapso soviético Cuba vem
investindo em programas de diversificação da agricultura e
demonstrando enorme criatividade para vencer a fome. Uma das
iniciativas mais corajosas foi a de apostar no desenvolvimento de
uma agricultura urbana. O governo passou a fazer campanhas e
garantir incentivos e programas de crédito para as famílias que
utilizem terrenos urbanos, quintais e jardins – e até vasinhos
dentro de casa – para produzir alimentos. Hoje, diz Murphy, Cuba
apresenta a maior agricultura urbana do mundo.
O que fazer juntos
O seminário mediado por Mônica Martins foi apenas uma entre as
muitas atividades do Fórum para debater o direito à terra, e deixou
uma mostra da disposição dos trabalhadores rurais em traçar
estratégias comuns. Os indianos, por exemplo, querem que o subsolo –
objeto de cobiça das empresas mineradoras na Índia - também seja
considerado nas lutas pelo direito à terra, assim como são as águas
e as florestas.
Um irlandês que assistia ao seminário pediu a palavra para contar
como a luta pela terra foi grande inspiradora do processo
revolucionário para libertar o país dos ingleses. Hoje, ele explica
que, apesar de estarem na Europa, o conflito entre camponeses e as
corporações da agroindústria são muito parecidos com os do Sul do
Planeta.
Joseph Olé Simel, do Quênia, acredita que é possível e necessário
globalizar as respostas dos trabalhadores do campo, com estratégias
comuns de respeito a diversidade das culturas e da natureza, de
acesso e controle dos recursos pelas comunidades e questionamento
permanente das políticas impostas no campo. "A pior forma de
colonização é quando as mentes são colonizadas. Quando aceitamos sem
questionar", protestou da platéia.
A filipina Mary Ann, da LRAN, defende o caminho das ocupações como
política de ação direta para os movimentos camponeses do mundo todo.
Ela propõe o monitoramento de todas as instituições financeiras
internacionais, que mudam de estratégia muito rapidamente. Junto com
isso, acha que é preciso valorizar tremendamente os meios de
comunicação e informação entre os movimentos. Sofia Monsalve, da
Fian, acha que é hora de retormar a proposta de uma campanha mundial
pela reforma agrária, proposta há dois anos, em conjunto com a Via
Campesina, mas que ainda não deslanchou.
* Rita Freire, Planeta Porto Alegre
http://www.ciranda.net/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveT...
https://www.alainet.org/es/node/109235
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