Raízes do MST

29/05/2004
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Em janeiro de 2004 o MST completou 20 anos de idade. Datas, porém, são apenas referências históricas - o mais importante são as comemorações ao longo do ano na base. Quem luta por terra está apenas cobrando uma dívida social que o Estado brasileiro contraiu com os pobres. Por isto, quem luta por terra e reforma agrária, luta também pela mudança da estrutura fundiária e por mudanças sociais no Brasil. Mais do que as conquistas materiais, o MST firmou-se sobre elementos da cultura popular brasileira, tomando-os como sustentáculos de suas próprias convicções. Somos fruto de uma longa história. O Movimento não pode ser compreendido apenas por seus últimos vinte anos. Na verdade, ele é fruto da história realizada por nosso povo. Somos filhos do povo brasileiro. Assim, só existimos hoje porque, antes de nós, o povo organizou outras formas de organização e de luta por justiça. Somos herdeiros das lutas históricas dos povos indígenas, dos negros, dos brancos, dos movimentos camponeses e de resistência. Somos fruto de muitas reflexões. Somos fruto da teorização de muitas experiências de luta que nos antecederam, seja no Brasil ou nos movimentos camponeses da América Latina. Elementos que antecederam e acompanham o Movimento 1o – A descoberta do direito O MST vive há 20 anos por ter descoberto o direito de ter acesso à terra. Ao ver outras pessoas sendo proprietárias de terra, descobrimos que também podemos ser e buscamos as causas pelas quais não somos. Essa descoberta pode chegar até a consciência pela comparação entre o ter e o não ter, pelos ensinamentos da história de outros movimentos e da solidariedade entre as pessoas. 2o – A confiança e a solidariedade Quem acredita confia. Este sentimento de credibilidade dá aos outros o merecimento de liderar, representar o coletivo, guardar objetos e recursos financeiros etc. O MST empenha-se pelo grau de fidelidade, companheirismo, espírito solidário, simpatia e respeito, vislumbrado aquele que deve merecê-los. Os pobres são solidários por natureza. Sabemos que não precisamos de muitas coisas, apenas uns dos outros. Elementos que desenvolveram e expandiram o Movimento: a.. Ser nacional: O MST tornou-se nacional porque a necessidade dos trabalhadores sem terra estende-se por todo o território. As forças sociais, sindicais e religiosas determinaram as possibilidades de instalação e organização do MST em cada lugar. Sendo assim, após ganhar confiança, o Movimento ganhou o apoio estrutural, financeiro e moral para fazer as reuniões e as ocupações. b) Adoção de princípios: Elaboramos princípios para garantir a linha política de não afastar-nos dos objetivos: fazer a reforma agrária e conquistar uma nova sociedade. Memorizados os princípios, outros dois elementos se apresentaram como forma de implementá-los: identificação dos desafios e elaboração dos métodos. A responsabilidade com as tarefas foi e é a razão da eficiência do MST. O respeito às decisões coletivas é um dever inquestionável. c) Acertar as táticas e ampliar as reivindicações: Um movimento social tem sua causa específica, mas deve vinculá-la às causas gerais. Se a principal reivindicação é a terra, não podemos nos dar por satisfeitos quando a conquistamos, porque ainda faltarão o crédito, a escola, a casa, o transporte etc. Na história do MST aprendemos que a força da opinião pública favorece ou dificulta as vitórias. Chegamos aos vinte anos apoiados pela sociedade brasileira. a.. A discussão para elaborar um projeto popular para o país: A alternativa é o projeto popular porque somente ele pode garantir definitivamente os direitos negados pelo capitalismo. Como se mantém um movimento social? Há uma infinidade de aspectos que determinam a construção e a preservação de um movimento durante muito tempo. Simplificando, podemos dizer que um Movimento social se mantém por uma combinação de elementos básicos, como, por exemplo, preservar os elementos que originaram-no. Foi importante o MST manter a sua serventia ao longo dos anos. As atribuições iniciais do Movimento permanecem. Porém, a cada passo surgem novos desafios; por isso a organização precisa enfrentá-los. A injustiça social está na origem do nascimento do MST, e não poderia ter surgido se não houvesse concentração de terra no Brasil, onde apenas 1% dos proprietários detém 46% das propriedades. A necessidade de enfrentar o latifúndio fez com que os trabalhadores buscassem formas organizativas. Como a tarefa de derrotar o latifúndio não é pequena, a função inicial do MST continua válida e atual. A primeira palavra de ordem surgida na luta pela terra no início da década de 1980 era: "Terra para quem nela trabalha", simbolizando a relação que há entre a reforma agrária e a geração de trabalho. A descoberta de que a terra se conquista com organização, luta e pressão levou o movimento a vincular a ela o direito à educação. Quando surge a possibilidade de ocupar o latifúndio, a preocupação central é se há escola para os filhos. Este ideário se estende cada vez mais para os jovens e adultos, seja através da alfabetização ou da busca da universidade. Sem o conhecimento científico, a reforma agrária não prospera. Como a terra, o conhecimento deve se tornar patrimônio coletivo. A força de mobilização para enfrentar os desafios e buscar a solução dos problemas levou as pessoas, individual e coletivamente, a terem o reconhecimento público da sociedade local, nacional e internacional. Somente a participação na luta social e política de forma organizada é capaz de devolver às pessoas o espaço negado. Na medida em que se estrutura a organização através das pessoas, o olhar social muda completamente a seu respeito. Ninguém teme um grupo que esmola nas calçadas das cidades, mas teme um acampamento dos Sem Terra porque está organizado. Assim, o excluído integra-se novamente pela força ao convívio social com identidade coletiva. Resgata os espaços perdidos na relação social, mas também a dignidade perdida. Seria difícil, porém, edificar um projeto, por mais simples que fosse, se não houvesse uma organização das pessoas. Através da luta não se edifica apenas construções materiais que ganham forma através de casas, escolas, postos de saúde, armazéns etc. Edificam-se também novos seres humanos. Nesse período muitas pessoas se tornam pedagogos, historiadores, filósofos, médicos, agrônomos, cantores, escritores, poetas, violeiros, agentes de saúde. Com isso, a elevação do nível de consciência é inevitável. O simples fato de fazer coisas que não foram realizadas anteriormente em combinação coletiva já é sinal de avanço na consciência de cada ser social. Há uma consciência no acampamento e outra no assentamento, já que os elementos que compõem as estruturas de ambos são diferentes. A consciência é fator determinante para qualificar uma organização e dar a ela vida longa sem, entretanto, se desviar de seus objetivos estratégicos. O MST também não seria um movimento social se não fosse criativo. O improviso é característica indispensável nos movimentos sociais. Esta criatividade faz com que se produza um novo jeito de viver a coletividade, de resolver os problemas. Criam-se novos métodos de seguir sempre em frente. Compreende-se que o maior legado que deixaremos às futuras gerações serão os valores. Companheirismo é uma palavra nova que entra na consciência e sua explicação se dá através de atitudes. A solidariedade entre os pobres é o envolvimento nas lutas de outras categorias, contribuindo com novas ocupações ou realizando o trabalho voluntário internamente na sociedade em que vivemos. Isso gera cuidado e respeito à vida e à natureza e gosto por pertencer à organização como parte de sua história. A mística é parte da consciência social e política de um ser humano. Nela está escondida e submersa em inexplicáveis razões a energia que move as forças de enfrentamento e contestação da ordem vigente. Sem esta energia seria impossível justificar sacrifícios, martírios e perdas vistas em todo o momento. Nosso destino continua o mesmo. O MST segue sendo um movimento social, que procura organizar os pobres do campo e seus amigos, para lutar por uma sociedade com menos pobreza e menos desigualdade. E achamos que o combate acerca do latifúndio, acerca do capital, acerca da ignorância e acerca da dominação tecnológica é a melhor forma de construir uma sociedade igualitária no meio rural e no Brasil. Por isso, na comemoração dos vinte anos todos os direitos serão resgatados e comemorados porque, através da descoberta dos mesmos, os obstáculos foram vencidos. Devemos olhar para a história para enxergar um futuro mais claro. Aproveitar a maturidade de quem já caminhou tanto, e conseguiu chegar aos vinte anos, poder ter a lucidez de olhar para traz, enxergar cada curva do caminho trilhado e consertar os erros, fortalecer os acertos, tirando lições para os próximos passos. Os vinte anos do MST pertencem a quem sonhou, a quem lutou, a quem morreu e a quem ainda nascerá. Comemoramos por quem deu pelo menos um passo nesta estrada e toda a sociedade que nos deu a solidariedade. * Marina dos Santos - Direção Nacional do MST.
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