O agronegócio burguês e a exclusão social do campesinato
13/06/2004
- Opinión
Há uma grande aliança política e econômica no interior das
classes dominantes no Brasil, com o suporte dos grandes
conglomerados econômicos multinacionais ligados ao agronegócio
burguês, contrária a qualquer iniciativa governamental
favorável a uma reforma agrária, mesmo conservadora, e à
consolidação do campesinato no Brasil.
Os 106 milhões de hectares de terras devolutas que
constituem as áreas da fronteira agrícola passíveis de serem
exploradas economicamente já estão destinadas política e
ideologicamente (enquanto concepção de mundo) à expansão de
algumas culturas, criações e ao extrativismo florestal que
darão suporte ao crescente processo de dependência externa do
país a uma pauta de exportação de produtos primários como soja,
milho, carne bovina, açúcar e álcool, café, algodão, madeiras e
celulose, entre outras, para a geração de superávit primário
tendo em vista cumprir as exigências do FMI com relação ao
pagamento da dívida externa.
Se a esses 106 milhões de hectares de terras supostamente
disponíveis acrescentarmos os 100 milhões de terras sub-
aproveitadas dos latifúndios do país(1) , ter-se-ia
aproximadamente 200 milhões de hectares para a reforma agrária
e, portanto, para o crescimento do campesinato no país. Mas,
essas terras e outras como as das florestas da Amazônia, dos
Cerrados e da Mata Atlântica já tem destinação: a exploração
agropecuária e madeireira pelos grandes grupos econômicos
nacionais e multinacionais.
Aliado a esse estoque de terras para o grande capital
expande-se na atualidade a compra e arrendamento de terras de
camponeses por grandes grupos econômicos como, por exemplo, a
VPC (Votorantim Papel e Celulose) e a Aracruz Celulose, como
está ocorrendo no Estado do Rio Grande do Sul (município de
Piratini e entornos), onde esses grupos econômicos estão se
apropriando de 400 mil hectares de terras de camponeses para o
plantio de eucalipto para a produção inicial de celulose e
depois transformar hipoteticamente tais áreas florestais
homogêneas como reserva para o seqüestro de carbono. O mesmo
está ocorrendo em outros estados como Santa Catarina, Espírito
Santo, Minas Gerais e Bahia.
Essa iniciativa concentracionista das terras rurais do
país para a exploração predatória madeireira das florestas
nativas, seguida da criação extensiva de gado de corte e do uso
aleatório dessas terras para o plantio de grãos e fibras em
função do comportamento dos preços das "commodities" no mercado
internacional, ou mesmo a compra e arrendamento capitalista de
terras de camponeses para a produção de madeira e ou de
celulose, ora é facilitada pela omissão consentida do governo
federal em manter desaparelhados os organismos públicos
fiscalizadores como o IBAMA, a ANVISA e a polícia federal,
assim como a manutenção de leis facilitadoras da impunidade(2)
seja em relação ao meio ambiente seja em relação à função
social da terra, ora é incentivada direta e indiretamente pelo
governo federal por não tomar a iniciativa de realizar uma
reforma agrária, mesmo de caráter conservador, e por apoiar
financeiramente os grande grupos econômicos ligados ao
agronegócio burguês.
Quando se constatou recentemente que apenas dez (10)
grandes grupos econômicos multinacionais(3) obtiveram
financiamento do Banco do Brasil no ano de 2003 num total 4,349
bilhões de reais e que nesse mesmo período aproximadamente 1,3
milhão de camponeses alcançarão efetivamente cerca de 4,5
bilhões de reais para a safra 2003/2004, tudo leva a crer que
menos do que uma coincidência há de fato conivência explícita
do governo federal não apenas com o agronegócio burguês, mas
com a exclusão social do campesinato. Esse comportamento das
classes dominantes no país e do governo federal que lhe é
orgânico é condizente com as premissas da expansão massiva do
neoliberalismo no campo (cf. Carvalho)(4) que tem como
fundamento a livre expansão da iniciativa privada nacional e
internacional no campo. Expansão essa induzida e legitimada
pelo FMI, Banco Mundial e a FAO.
Seria ingenuidade supor que esse comportamento político e
econômico dos governos e das classes dominantes com relação ao
neoliberalismo no campo seria exclusivo para o caso brasileiro.
No entanto, esse comportamento é do capital em geral, em
especial dos grandes grupos econômicos mundiais da indústria da
química fina nas suas frações relacionadas com o agronegócio
burguês e com o capital financeiro internacional. O que atrai
com maior ênfase esses capitais para o Brasil é a facilidade de
realizarem simultaneamente vários movimentos econômicos:
acumulação primitiva ao se apropriarem dos recursos naturais
como florestas, minérios e biodiversidade; o mercantilismo ao
usufruírem a impunidade no comércio ilegal de madeira(5) , e a
acumulação capitalista monopolista ao controlarem o comércio
internacional da soja e outras commodities. No recente episódio
de rejeição da soja brasileira pela República Popular da China,
constatou-se mais uma vez que somente 7 (sete) empresas
"tradings" controlavam o comércio exportador brasileiro de
grãos com esse país: Trevisan, Noble Grains, Cargill, ADM,
Bianchini, Louis Dreyfus e Libero Trading.
E qual a proposta chinesa para superar esses
intermediários e realizar importações diretas de soja? Investir
3 bilhões de dólares em ferrovias e portos no Brasil(6) .
Portanto, além de se ampliar a privatização da infraestrutura
no país para estímulo à produção e comercialização da soja nos
Cerrados, se estará iniciando uma nova dependência colonial,
agora perante a República Popular da China.
Nesse contexto aqui simplificado pode-se perceber que a
abdicação da soberania nacional é fato concreto, que o
comportamento orgânico do governo federal perante essa
concepção de mundo do neoliberalismo é irreversível e que o
campesinato e a reforma agrária tornaram-se temas excluídos da
agenda política dominante. A retirada desses temas sociais
fundamentais para o país da agenda política assume caráter de
enorme gravidade não apenas porque não se contemplará, a partir
do alto, a reforma agrária e a consolidação e desenvolvimento
do campesinato no Brasil, mas, sobretudo, porque ao se manter
essa estratégia política dominante se estará condenando milhões
de camponeses pobres e de trabalhadores rurais sem terra à
miséria.
Camponês e reforma agrária formam uma unidade política
inseparável, tendo em vista que a reforma agrária, além de
eliminar o latifúndio, alterar a correlação de forças políticas
no campo e proporcionar novas formas de apropriação da natureza
ecologicamente sustentáveis, gera novos camponeses. Um e outro
--- camponês e reforma agrária, são a negação dialética do
modelo econômico neoliberal que se implantou agressivamente no
campo no Brasil.
A estratégia das classes dominantes de exclusão social do
campesinato, de manter milhões de trabalhadores rurais sem
terra sem qualquer perspectivas de colocação da sua força de
trabalho ou de acesso à terra, a liberalidade impune com que a
iniciativa privada capitalista se apossa das terras no Brasil e
a facilidade de apoios políticos, econômicos e jurídicos que o
capital multinacional obtém no país para concretizar seus
interesses econômicos oligopolistas no agronegócio burguês,
releva, entre tantas outras evidências, que se está vivenciando
um regime autoritário de novo tipo.
Não é um autoritarismo do tipo "pelo alto", despótico ou
golpista "mano militar". Mas, aquele que se instala nos
microporos da sociedade. Ali quando a previdência social deixa
morrer aos poucos os mais pobres por falta de atendimento;
quando os demais serviços sociais públicos são intencionalmente
desmantelados para privilegiarem econômica e ideologicamente a
proficiência dos serviços privados; quando se liberam os
produtos transgênicos para se prestar vassalagem ao grande
capital e à ciência a seu serviço; quando o camponês e a
reforma agrária são considerados caminhos obsoletos para a
democratização e o desenvolvimento no campo e se reifica como
modernidade a perda da soberania nacional, o agronegócio
burguês que contamina e depreda o meio ambiente, a saúde humana
e animal; quando se tolera o desemprego e o subemprego que
facilita a transferência consentida da mais-valia como forma de
sobrevivência humana... Enfim, lá no mais recôndito da vida
humana se instaura um autoritarismo subliminar que mina a
esperança das pessoas e destrói a solidariedade social.
Ainda que necessário, não é mais suficiente se condenar o
latifúndio, as multinacionais do agronegócio burguês, a
predação do meio ambiente, as sementes transgênicas e a perda
da soberania alimentar. As forças progressistas nacionais e
internacionais precisam propor um novo modelo de
desenvolvimento rural que seja afirmativo e dialeticamente
negue o modelo dominante. Esse novo modelo de desenvolvimento
rural passa necessariamente pelo campesinato, pelo seu modo de
ser e de viver.
(1) Os 32.264 imóveis rurais com área total acima de 2 mil hectares se apropriaram de 132, 6 milhões de hectares
(31,6 % do total de imóveis do país), segundo dados cadastrais do INCRA, 2003.
(2) A ministra Marina silva, do Meio Ambiente, criticou o Congresso Nacional pela demora na aprovação do
projeto de combate à biopirataria há dez anos tramitando nessa casa (FSP, 10 junho de 2004, A 16).
(3) Aracruz Celulose (1,17 milhões de reais), Cargil (921 mi), Bunge (607 mi), ADM (585 mi), Nestlé (330 mi),
Dhodia (304 mi), Souza Cruz (189 mi), Basf (120 mi), Monsanto (68 mil) e Bayer (58 mi).
(4) Carvalho, Horacio Martins (2004). A questão agrária e o fundamentalismo neoliberal no Brasil. Curitiba, maio,
mimeo 10 p.
(5) Estima-se que só em mogno o Brasil perde por sonegação 1,2 bilhão de dólares ano. Sem contar a floresta
devastada etc.(Soares, Antonio José. O Diário do Pará, sessão Cidades, 17 de setembro de 2003). Isso sem se
associar tal comércio ilegal de madeira com o trabalho escravo e com o comércio de armas, drogas, ouro e
diamantes (HMC).
(6) Hudson Correa. Chineses querem "importação direta", in FSP, 01/06/04 B10.
https://www.alainet.org/es/node/110082?language=en
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