O abandono da ideologia no poder
04/09/2005
- Opinión
Durante os seus 25 anos, o PT incorporou a utopia dos lutadores e lutadoras do povo que, ao longo de 500 anos da história do Brasil, lutou por uma sociedade sem opressão e discriminação, baseada na solidariedade e igualdade. Mas esse idealismo foi rapidamente abandonado quando o PT chegou ao poder. O Governo Lula radicalizou o neoliberalismo, onde quase tudo é mercadoria: o voto, a ética e o apoio político. O que interessa são os resultados e não os meios para atingi-los. Não importa mais a militância e sim o apoio da grande mídia; não importa mais a participação popular, mas o apoio dos mercados. Para esta consolidação, é investido muito recurso no financiamento publicitário, para pagar o capital especulativo e para garantir o apoio parlamentar.
Esta é a crise que estamos vivendo: a crise de um projeto que atinge a economia, a ética, a política e os valores sociais. Crise profunda, momento onde o velho projeto não morreu e o novo não nasceu. Um momento de grande responsabilidade onde pode ser aprofundado o velho ou surgir o novo. Esta é a pior crise para a esquerda. Já tivemos outras e, nelas, a derrota da esquerda ocorreu no confronto com a direita. Agora, está se dando pela introjeção dos valores da direita, criando o desânimo, a desilusão e a falta de perspectiva por melhores caminhos.
Todos esperavam que o Governo de Lula contribuísse para que o processo histórico avançasse no rumo daquele sentido do povo-novo descrito por Darcy Ribeiro. As condições eram todas favoráveis. Lula tinha a alternativa histórica de nadar contra a corrente, respaldado na história do PT, no apoio dos movimentos sociais, no voto de 53 milhões de eleitores. Não foi este o caminho escolhido. Lula caminhou pelo lado mais fácil, se deixou levar pela corrente neoliberal com algumas concessões para o povo: não reprimiu, melhorou a assistência social, e ampliou o diálogo de ministros com os movimentos. Mas, não mudou o rumo da corrente e anuncia com orgulho que, em seu governo, tudo está indo muito bem, sobretudo, pela entrada de capital especulativo e pela exportação. Tem razão: segundo as contas do economista João Sicsú, da UFRJ, até o fim deste ano Lula terá pago R$450 bilhões aos detentores dos títulos da dívida pública e investido R$45 bilhões em educação e R$20 bilhões no programa Bolsa Família. Mas isso não é suficiente. Dois anos e meio depois da posse, temos um povo menos organizado, menos informado, menos consciente, mais perplexo e mais descrente de que vale a pena lutar.
A ambigüidade tem sido a marca, mas tendo um norte: o aprofundamento das políticas neoliberais. Como diz o jornalista da CBN, Carlos Sardenberg: indica Miguel Rossetto, da esquerda para a Reforma Agrária e quem toca a política agrícola é Roberto Rodrigues, eficiente representante do agronegócio capitalista e globalizado. Ele é capaz de demitir o Olívio Dutra de manhã e à tarde dizer que jamais aceitará qualquer pressão das elites, tendo nomeado o indicado do presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti. Ele é capaz de cortar as verbas de todos os ministérios e dizer que nenhum governo faz tanto quanto o dele está fazendo. Abraça o Hugo Chávez, mas veta o aumento do salário mínimo. No concreto, está sempre atendendo ao grande capital e fazendo discursos para o povo, buscando uma identificação mais da base. Uma identificação profundamente despolitizada, dirigida aos setores menos informados. Foi a saída encontrada.
Quanto à agenda internacional, Lula também achou que, dada a simpatia com que foi recebido mundo afora, os demais países estavam reconhecendo a liderança dele e do Brasil. Esta simpatia porém permanece enquanto cumprir a agenda do capital internacional, como o envio de tropas para o Haiti. Negócios à parte, é claro. Os candidatos brasileiros na Organização Mundial do Comércio (OMC) e no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) foram derrotados de maneira acachapante.
Esse fracasso monumental só não é mais visível dado o tamanho da crise política. O que funciona no governo? A Fazenda, o Banco Central, a Agricultura, o Desenvolvimento - justamente a parte comandada pelo representantes do neoliberalismo e que conta com o apoio das elites empresariais.
Mas, quando precisa botar seu bloco na rua para defender o governo, Lula recorre aos movimentos sociais, como ocorreu no dia 16 de agosto, quando CUT, UNE e MST organizaram uma manifestação em defesa do governo e por mudanças na política econômica. Resultado: o governo reafirma sua política economica, entregando mais ministérios para os setores mais à direita, liberando recursos para o agronegócios.
Diante desta avaliação, só tem uma saída: somarmos os nossos esforços, retomar a organização e mobilização e retomar nosso projeto da sociedade socialista porque “Um outro Mundo é Possível”.
- Dirlene Marques, Pres. Sindicato dos Economistas MG.
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