Representantes da sociedade civil criticam militarização incentivada pelos EUA e propõem agenda alternativa

O contraponto da Cúpula dos Povos

15/11/2005
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Milhares de pessoas marcaram a história de Mar del Plata, cidade turística da Argentina, ao participarem da 3ª Cúpula dos Povos da América e da Marcha contra Bush. O evento, realizado de 1º a 5 de novembro, reuniu cerca de 500 organizações sociais, políticas e culturais de vários países, entre eles Argentina, Brasil, Chile, Cuba, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai. Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz e um dos coordenadores da Cúpula dos Povos, afirmou que o encontro é um espaço de construção do pensamento de liberdade e de determinação própria da comunidade americana em contraposição ao pensamento único difundido pelos países dominantes. “Nosso povo não precisa de mais exércitos, principalmente se forem dos Estados Unidos, mas sim de mais recursos para a saúde e para combater a pobreza. Necessitamos de ações para a vida, e não para a morte”, afirmou. A Cúpula dos Povos organizada pela Aliança Social Continental (ASC) - coligação de organizações sindicais, religiosas, camponesas, de direitos humanos, de mulheres e outros movimentos sociais - teve formato similar ao Fórum Social Mundial e contou com cerca de 150 atividades centrais, como oficinas, mobilizações e atividades culturais. Entre os temas debatidos nos quatro dias, estavam o livre comercio, a militarização, o terrorismo e a soberania alimentar. Inconciliáveis Na contramão do evento foi realizada nos dias 4 e 5, em Mar del Plata, a Cúpula das Américas, que contou com a participação dos Chefes de Estado e presidentes dos 34 países do continente, com exceção de Cuba (leia mais na página 10). Enquanto milhares de policiais argentinos garantiam a segurança do presidente de Estados Unidos na cidade, outros milhares de manifestantes expressaram sua solidariedade ao povo cubano, seu apoio ao presidente venezuelano Hugo Chávez e seu repúdio a George W. Bush, na Cúpula dos Povos. “A verdadeira cúpula é essa, a do povo”, resumiu o presidente do Parlamento cubano, Ricardo Alarcon de Quesada, que repudiou a presença de Bush na região e participou da Cúpula dos Povos. “Há quatro décadas, Che Guevara nos convocou para lutar por nossa verdadeira e irrenunciável independência”, lembrou o cubano. O encerramento do encontro reuniu mais de 50 mil pessoas no Estádio Mundialista e contou, ainda, com a presença de Hugo Chávez e do ex-jogador de futebol argentino Diego Maradona. Na ocasião, o trovador cubano Silvio Rodrigues embalou o público com as canções revolucionárias que já serviram de hino em diversas mobilizações populares no mundo. Os milhares de delegados na Assembléia dos Povos, reafirmaram, em sua declaração final, a luta para eliminar a pobreza, o desemprego e a exclusão social. O texto exige também o fim da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a anulação de toda a dívida externa dos países da região e a qualifica de ilegítima, injusta e impagável. A defesa da soberania alimentar dos povos, da agricultura sustentável e uma reforma agrária integral, bem como uma rejeição enérgica à militarização do continente, são outras reivindicações inclusas. A declaração condena os Estados Unidos por suas ações terroristas no mundo e determina a retirada das tropas militares estadunidenses da América latina, Iraque e Haiti. Também defende a liberdade dos cinco patriotas cubanos, presos há sete anos, que conseguiram a primeira vitória em agosto quando o tribunal de Atlanta anulou o julgamento. Agora, os cubanos aguardam o resultado da apelação feita pelo governo dos Estados Unidos que não acatou a decisão do tribunal. (Minga Informativa de Movimentos Sociais – www.movimientos.org) De novo, unanimidade contra Bush da Redação O presidente estadunidense, George W. Bush, foi a personalidade mais criticada durante 3ª Cúpula dos Povos. As principais ruas de Mar del Plata estiveram tomadas por pixações, cartazes, faixas e camisetas com dizeres "Fora Bush" e "Fora Alca". Nos espaços do encontro, também não foi diferente. Em praticamente todos os painéis e grupos de discussão, a oposição a Bush e ao o que ele representa esteve evidente. O maior protesto ocorreu no dia 04, último dia da Cúpula dos Povos e início da 4ª Cúpula das Américas, reunião dos presidentes do continente americano. Cerca de 20 mil pessoas participaram da marcha de encerramento do encontro, percorrendo durante uma hora e meia as ruas vazias de Mar del Plata. O comércio da cidade, com a grande maioria de lojas, bancos e restaurantes fechados, e a pequena presença de policiais chamaram a atenção. Alguns moradores vinham às janelas para tirar fotos e assistir às manifestações; outros batiam palmas e faziam gestos de apoio. A marcha seguiu até o Estádio do Complexo Poliesportivo, onde aconteceu o ato final. Blanca Chancoso, da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), leu a carta final formulada na Cúpula. O destaque ficou por conta da presença do presidente venezuelano, Hugo Chávez, único dirigente do continente a participar da 3ª Cúpula dos Povos. Túmulo da Alça Diante de aplausos e de gritos como “Viva a República Bolivariana”, Chávez afirmou que em Mar del Plata estava sendo enterrado o projeto da Alca. “Aquí em Mar del Plata está o túmulo da Alca, garantido pelo povo”. Ele considerou o dia como “histórico” e lembrou de companheiros que não puderam estar presentes, como o presidente cubano, Fidel Castro. Chávez disse que para destruir o modelo neoliberal é preciso, acima de tudo, que o povo intervenha como protagonista nesse processo. O presidente também ressaltou a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba) como principal alternativa para uma integração justa e socialista dos povos. “Assim como o império fracassou com a Revolução Cubana, ele vai fracassar com a Revolução Bolivariana”. (SD – www.movimientos.org) Mulheres definemdesafios para a Marcha Cerca de 70 mulheres de todo o continente elencaram os principais desafios da Marcha Mundial das Mulheres. Durante a III Cúpula dos Povos, em Mar del Plata, Argentina, a defesa do livre comércio, da soberania alimentar e da autodeterminação dos povos foram apontadas como as principais lutas gerais da Marcha. Para as participantes, a dominação a que a mulher está submetida atualmente está relacionada a todas essas questões. “Quando se fortalece a dominação capitalista, a dominação sobre a mulher aumenta”, afirma Nalu Farias, da Marcha Mundial de Mulheres no Brasil. Segundo a integrante brasileira, o sistema neoliberal se utiliza do controle sobre a mulher por meio do desemprego e da pobreza para se sustentar. Nesse sentido, elas concluíram que é necessário encontrar um meio de sensibilizar, para a luta, as mulheres que sucumbiram aos “benefícios” econômicos que o capitalismo traz a uma minoria. Sobre as questões mais específicas da Marcha, o combate à violência doméstica e ao assassinato das mulheres, chamado de “feminicídio”, estiveram entre os comentários. Leonor Aida Concha, da Rede Nacional de Gênero e Economia do México, ressaltou que metade das mulheres mexicanas sofrem agressões físicas de seus companheiros dentro da própria casa. “Estamos muito entusiasmadas em continuar com as ações da Marcha no México, principalmente para combater a pobreza, construindo um modelo econômico que una os povos, e para mudar a relação cultural entre mulheres e homens a fim de construir a nossa cidadania”, argumentou Leonor. Para isso, estão formulando uma campanha de educação popular entre as mexicanas, abordando preceitos como igualdade e justiça. “Estes são os valores que queremos que constituam uma nova sociedade. Só que, para que isso aconteça, precisamos primeiro saber o que significam”, finaliza. O futuro da Marcha também esteve em pauta. As participantes destacaram que se integrar a outros movimentos sociais é fundamental ao processo de transformação social. “Não queremos ser apenas parceiros, mas sim integrantes permanentes na organização popular”, destacou Nalu Farias. Com esse objetivo, a Marcha Mundial de Mulheres está ajudando a Via Campesina a organizar a Conferência Internacional de Soberania Familiar, que acontece em 2007, em local ainda nao definido.(RC – www.movimientos.org) O desafio de construir a Alba Um dos pontos mais discutidos durante a 3ª Cúpula dos Povos foi a necessidade de se construir uma integração dos povos americanos. Mais do que uma alternativa à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a união dos países da América deve promover um desenvolvimento econômico soberano e ambientalmente sustentável e resgatar a história e a cultura dos povos, respeitando as especificidades de cada sociedade local. “As alternativas para uma integração mais justa devem ser buscadas e encontradas dentro dos nossos países, e não fora deles”, afirmou Blanca Chancoso, da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie). Nesse sentido, a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba) foi colocada como a principal proposta a ser construída. O economista cubano Osvaldo Martinez salientou que a iniciativa não deve se pautar pelo crescimento econômico, mas sim pelo social, criando modelos alternativos. Um deles seria para substituir o petróleo, principal fonte energética mundial, não-renovável, e que está com os seus dias contados devido à exploração exagerada. Telesur Outra área citada por Martinez é a comunicação. O economista afirma que a Telesur (canal de TV criado pela Venezuela, com apoio de Argentina, Cuba e Uruguai) é um início, mas precisa ser melhorada. “A comunicação popular deve ser desenvolvida como um canal de articulação”, definiu. Outro destaque da Cúpula foi a denúncia da militarização do continente como estratégia de dominação dos Estados Unidos. Orlando Castillo, membro do Serviço de Paz e Justiça do Paraguai (Serpaj), alertou para o perigoso discurso de que as invasões dos exércitos estadunidenses servem para “garantir a paz e a solidariedade”, acrescentando que a própria população paraguai acredita nessa idéia. Em vez disso, como nos mostra os episódios do Haiti e do Iraque, as invasões das tropas dos EUA são explicadas pela necessidade da reconstrução política, social e econômica dos países depois das guerras. “Essa é uma forma de dominar países em nome da solidariedade”, destacou o haitiano Camille Chalmers, da Rede Julibeu Sul. (SD – www.movimientos.org) - Suzane Durães e Raquel Casiraghi, Brasil de Fato de Mar del Plata (Argentina)
https://www.alainet.org/es/node/113553
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