Lula, Alckmin e a questão da ética
29/08/2006
- Opinión
Desesperada com a insistente queda nas pesquisas eleitorais, a direita brasileira
está decidida a se travestir de vestal da ética para ainda tentar levar a disputa
sucessória para o segundo turno. Geraldo Alckmin, que sempre abafou as
investigações sobre as várias falcatruas do seu governo em São Paulo e está
rodeado das principais raposas do fisiologismo nacional, agora resolveu afirmar
que seu objetivo é “varrer a praga da corrupção do país”. Baita cara de pau!
Neste esforço, ele conta com o apoio da mídia hegemônica e ainda com a ajuda de
alguns candidatos que também resolveram vestir o modelito “ético” na busca de
holofotes. A propaganda eleitoral de rádio e televisão lembra o cínico e
hipócrita estilo udenista dos anos 1950/60.
A questão da ética sempre foi marcante na política brasileira, servindo a bons e
a péssimos propósitos. A história está repleta de saudáveis ações contra o uso
ilícito dos recursos públicos, como a dos tenentistas em oposição à corrupta
oligarquia do “café com leite” ou a campanha pelo impeachment de Collor. Mas
também registra inúmeros casos do uso desta bandeira pelas elites, como na ação
golpista contra Getúlio Vargas ou na cruzada moralista, contra “a subversão e a
corrupção”, que serviu de pretexto para o golpe de 1964. Nestes momentos
dramáticos, a mídia sempre revelou seu caráter de classe. Assis Chateaubriand
construiu seu império dos Diários Associados com base no denuncismo e na venda de
falsos dossiês.
A força desta bandeira deriva das próprias distorções da democracia no Brasil.
Como observa o sociólogo Juarez Guimarães, “a corrupção é sistêmica ao próprio
Estado brasileiro, porque ela faz parte da dinâmica mesma do seu funcionamento,
estando enraizada no sistema político e na reprodução das iniciativas estatais.
Historicamente, esta degeneração pode ser explicada pela formação de um aparelho
de Estado sem democracia e submetido aos interesses privados, situação não
revertida com a transição democrática e, em certa medida, fomentada durante a era
neoliberal de FHC. Desta forma, a corrupção seria sistêmica porque está presente
no financiamento das campanhas eleitorais, na relação que os governos estabelecem
com os partidos para obter maioria parlamentar e na gestão de orçamentos públicos
pouco transparente”.
O falso moralismo
Esta visão totalizante, que aponta a corrupção como um problema sistêmico, ajuda
a desmascarar a atual cruzada moralista da direita brasileira. Afinal, que moral
tem a decrépita oligarquia do PFL, com ACM, Bornhausen e inúmeros outros gatunos,
para pousar de ética? Que moral tem os rentistas “modernos” do PSDB, responsáveis
pela privataria do Estado e pela orgia financeira, para se apresentarem como
políticos honestos? Como indicam recentes pesquisas, a sociedade está mais madura
e sabe que os atuais moralistas estão mais sujos do que pau de galinheiro. Ela
também avançou na compreensão sobre o papel da mídia, que crucifica os atuais
governantes, mas fez de tudo para blindar os ricaços do bloco tucano-pefelista.
Os fatos desmentem o falso moralismo da direita. Durante os seus oito anos de
triste reinado, FHC esteve envolvido em escândalos de corrupção que totalizaram
mais de R$ 40 bilhões de prejuízos para os cofres públicos. O mesmo FHC que hoje
berra que é preciso investigar o governo Lula - e que apresenta “sinais de
desequilíbrio e solidão”, conforme diagnosticou o ministro Tarso Genro – sabotou
todos os pedidos de instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito. Alguns
casos mais escabrosos acabaram vazando, mas nunca foram apurados e nem tiveram a
devida difusão na imprensa venal. A mesma operação abafa, com a cumplicidade da
mídia, inviabilizou a instalação de 69 CPIs contra as falcatruas do ex-governador
Geraldo Alckmin, que agora se arvora como político transparente e ético.
Mesmo nos escândalos recentes, amplificados pela mídia e instrumentalizados pela
direita para encurralar o governo Lula, uma apuração mais rigorosa e imparcial
demonstra que eles vinham de antes. O esquema do publicitário Marcos Valério teve
a sua origem na eleição do governador mineiro de Eduardo Azeredo, ex-presidente
do PSDB. Como provou a revista Carta Capital, numa reportagem intitulada “O
caixa-2 foi maior”, o valerioduto tucano movimentou R$ 100 milhões ilegalmente na
campanha eleitoral de 1998. Já no ruidoso caso da máfia das ambulâncias, as
investigações revelam, com fartura de fotos, que o esquema teve início na gestão
de José Serra no Ministério da Saúde do governo FHC. Apesar do silêncio da mídia
venal, agora se sabe que a “máfia das sanguessugas” agia em 128 prefeituras do
PSDB e em 107 do PFL.
E o governo Lula?
Estes fatos, que revelam que a corrupção é sistêmica e que os atuais moralistas
são hipócritas, não servem de desculpa para os que cometeram graves erros no
primeiro mandato do presidente Lula. Há evidências que algumas pessoas com poder
de mando no PT e no próprio governo cometeram as mesmas distorções apontadas
acima por Juarez Guimarães. Teriam adotado métodos ilegais de financiamento de
campanhas eleitorais, estabelecido relações promíscuas para conquistar a maioria
parlamentar e não teriam agido de forma transparente na discussão do orçamento.
Algumas, inclusive, se aproveitaram da proximidade com elevadas somas de recursos
para viabilizar os seus projetos pessoais, chafurdando-se na lama.
Se isto é real, também é evidente que o governo Lula não ficou parado diante das
denúncias de corrupção. Só a direita e os sectários não enxergam que também no
terreno da ética o atual governo dá de goleada no triste reinado de FHC. É só
lembrar que os principais envolvidos em denúncias foram afastados do núcleo
central do governo e do próprio comando do PT. Diferentemente da prática usual
dos caciques do PSDB e do PFL, o atual governo garantiu inédita liberdade para a
apuração das denúncias. Houve um verdadeiro festival de CPIs nesta gestão, com
várias delas sendo descaradamente instrumentalizadas pela oposição de direita.
Além disso, o governo Lula tomou várias iniciativas para coibir os desvios éticos
na política.
Ainda segundo Juarez Guimarães, “uma análise mais realista e justa reconheceria
os esforços do governo Lula em dotar o Estado brasileiro de uma
institucionalidade capaz de responder ao imenso desafio de combater a corrupção
sistêmica. Este trabalho pode ser verificado nas constantes ações da Polícia
Federal, no fortalecimento do Tribunal de Contas da União (TCU), na autonomia do
Ministério Público Federal, em iniciativas como a de organizar o IV Fórum Mundial
de Combate à Corrupção e na interlocução constante com os movimentos da sociedade
civil. As marcas mais definitivas deste esforço estão na institucionalização e
consolidação da Controladoria Geral da União (CGU)”.
CGU e Polícia Federal
Em parceria com a Receita Federal, o Tribunal de Contas da União, o Ministério
Público e Ministério da Justiça, a CGU desenvolveu um inovador sistema de
fiscalização dos municípios por sorteio público. Até final de 2005, esse trabalho
de mapeamento sobre o destino de recursos públicos atingiu 18% das cidades
brasileiras. Já nos órgãos federais, a CGU realizou 8.763 auditorias e encaminhou
ao TCU 5.688 tomadas de contas especiais – num esforço que representa o retorno
potencial de R$ 1,3 bilhão aos cofres públicos. Esta ação é que permitiu
identificar “os esquemas de ‘máfias’ do dinheiro público, que estavam aí há anos
e que jamais eram tocados ou sequer conhecidos”, explica Jorge Hage, ministro da
CGU.
Outro ponto positivo do governo Lula no combate à corrupção e ao crime organizado
se deu na destacada atuação da Polícia Federal. Enquanto nos dois últimos de FHC
ocorreram apenas 20 operações da PF, que resultaram na prisão de 54 pessoas, no
atual governo estas ações especiais já chegaram a 183 e levaram à detenção 2.961
pessoas – média de 987 presos por ano, 36 vezes mais do que na gestão anterior.
Entre os detidos por crimes contra o erário público estão 515 servidores e 130
agentes da própria PF. Algo inédito e impensável no Brasil, aonde só ladrão de
galinha ia preso, no atual governo vários ricaços foram parar na cadeia – como a
gerente da boutique de luxo Daslu, amiguinha de Geraldo Alckmin.
A atuação mais rigorosa da PF, elogiada em várias pesquisas de opinião, só foi
possível porque o governo Lula investiu no órgão e aumentou seu efetivo. O
orçamento do ano passado, por exemplo, foi de R$ 590 milhões, 74% superior ao do
último ano de FHC. Já o número de agentes saltou de 9.289, em 2002, para 11.749,
em 2005. Este reforço permitiu que o governo desmontasse inúmeros esquemas de
desvio do dinheiro público, como na Operação Gafanhoto, em novembro de 2003, que
desbaratou a quadrilha que, desde 1995, desviou R$ 1 bilhão de Roraima; Operação
Vampiro, maio de 2004, que desmontou a máfia que agia há 12 anos no Ministério da
Saúde; Operação no Asfalto, em novembro de 2004, que prendeu os chefes das
principais quadrilhas fraudadoras de combustíveis; Operação Gabiru, em maio de
2005, que desmontou o esquema de desvio de verbas da educação; entre as outras
operações especiais da PF.
- Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da
revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo”
(Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).
https://www.alainet.org/es/node/116786
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