Eu já vi este filme: Eleiçoes para presidente no Brasil (2006)
15/10/2006
- Opinión
Quem viveu no Chile na época da eleiçao do Allende, ou conhece bem a história do Chile, deve estar sentindo, como eu, uma sensaçao de "dejá vu". Pois é. Eu já vi este filme. Durante a campanha para Presidente no Chile, em 1970, praticamente todos os meios de comunicaçao falavam que Salvador Allende, o candidato da Unidad Popular –coligaçao de partidos de esquerda – iria dividir o país entre ricos e pobres, iria exilar os mais ricos, expropriar toda a propriedade privada da classe média, inclusive suas casas e apartamentos em Santiago, e levaria o país ao caos comunista. Também disseram, sem cessar, que Allende era alcóolico, e profundamente corrupto. Os jornais, rádios e a televisao mostravam pilhas de dinheiro que supostamente roubado pelo Allende e seus assessores. Pelas escolas do Chile foram mostrados filmes com crianças sendo levadas à força para a Uniao Soviética. Assustaram a classe média com isso tudo. Nao adiantou nada. Allende venceu a eleiçao no dia 4 de Setembro de 1970. Mas, como ganhou com muito pouca diferença, de acordo com a legislaçao chilena na época, o Congresso Nacional deveria votar para decidir qual dos dois candidatos mais votados seria o Presidente. Foi entao que aconteceu o impensável. René Schneider, Comandante em Chefe das Forças Armadas, e defensor da Constituiçao do Chile, foi emboscado por um grupo de homens armados no dia 24 de outubro de 1970. Levou mais de 15 tiros. Morreu dois dias depois no Hospital Militar de Santiago. A imprensa inteira colocou a culpa no Allende e seus aliados. A crise quase levou o Congresso a nao referendar sua posse como Presidente da República. Mas, afinal, foi descoberto que tudo tinha sido armado pela CIA dos Estados Unidos que financiou um grupo de extrema direita, da Patria y Libertad, para realizar o atentado. E o Congresso aprovou a posse de Allende. Muitos anos mais tarde, com a desclassificaçao de documentos secretos da CIA, ficou amplamente comprovado que também a campanha da imprensa tinha sido orquestrada e financiada pela CIA. Inclusive com notas e artigos diretamente preparados por seus agentes e "implantados" na imprensa, em jornais prestigiosos e, supostamente, "independentes e neutros" como o El Mercurio. E os "fatos", tao explorados na época, como o sequestro de crianças para serem enviadas à Uniao Soviética, e as pilhas de dinheiro roubadas pelos aliados de Allende, tinham sido montagens elaboradas nos gabinetes da CIA.
Henry Kissinger, entao Secretário de Estado dos Estados Unidos, declarou abertamente que os Estados Unidos nao poderiam deixar um país como o Chile se transformar em território comunista só porque "o povo irresponsável tinha votado majoritáriamente em um Presidente socialista." E, declarou Kissinger, "uma revoluçao de pele escura" nao podia florescer pelo perigo que representava o caminho para o socialismo pelo voto. Nao pelo Chile, pequeno e pouco importante país dentro dos esquemas de controle imperial, mas sim, como falou abertamente Kissinger, durante uma conferência em MIT, à qual assisti pessoalmente, "pelo exemplo que seria para outros países, entre os quais a França e a Itália."
Espero que ninguém seja assassinado no Brasil para que joguem a culpa no Lula. E acho que nao chegariam ao ponto de mostrar filmes de criancinhas sendo mandadas quem sabe para onde hoje em dia. Aliás, fica difícil para eles, já que a Uniao Soviética deixou de existir. Mas nem por isso os Estados Unidos deixam de se meter nas eleiçoes em outros países. O George Bush declarou que o "Eixo do Mal" na América Latina está entre Cuba, Venezuela, Argentina e o Brasil. Agora adicionaram a Bolivia a este "Eixo do Mal". A re-eleiçao do Lula para Presidente da República tem um significado importante na luta pelo controle regional da América Latina. A destruiçao do caminho de integraçao regional latino-americana, em contraposiçao ao ALCA, ou aos tratados bi-laterais (TLC), nos quais os Estados Unidos têm clara vantagem comercial, é importante ítem na agenda da política externa norte-americana. Que nao se enganem os que pensam que Bush está por demais ocupado no Iraque para pensar na América Latina. Hugo Chavez o tem desafiado. E, o Lula também. Afinal, o Brasil, durante o governo do Lula, foi chave na formaçao de um grupo internacional de países aliados contra os interesses dos Estados Unidos na ONU e, principalmente, na Organizaçao Mundial do Comércio. E este grupo, o chamado "Grupo dos 20", chateou a tal ponto que afinal as negociaçoes na OMC foram deixadas de lado, sin die. Poderíamos dizer, sin die nao, apenas até que pudessem derrotar políticamente os que ousavam enfrentar os países dominantes com propostas de comércio que favoreciam os países mais pobres.
Entao, que quero dizer com a idéia de que os Estados Unidos estao se metendo nas eleiçoes do Brasil? Nao é a toa que estudei tanto no MIT ciencias politicas. Justamente nos anos da intervençao norte-americana no Chile, na República Dominicana, na Guatemala, em Granada, depois na Nicaragua e El Salvador. Nestes tempos, como estava "entre amigos" no MIT, tive acesso a muitos documentos importantes e de estratégia política eleitoral. Uma das propostas estratégicas, hoje amplamente empregada em vários países da America Latina, tem o nome de "Guerra de Baixa Intensidade", doutrina de controle político-militar que inclui a chamada "Guerra Psicológica". Foi usada primeiro no Chile, nao sómente em 1970, mas principalmente depois que Allende tomou posse como Presidente, para tentar barrar o crescimento dos partidos da Unidad Popular no Congresso, em 1973. A estratégia política consiste em quatro partes:
1. A desconstruçao da imagem do político que pretendem derrotar. Isso quer dizer, na prática, a destruiçao pública de tudo que a pessoa representa. Deve ser apresentado como corrupto, rodeado de assessores que desviam dinheiro público e se apropriam de propriedades do Estado. Também, ensina a doutrina, deve ser enfatizado que o político a ser "desconstruido" representa enorme perigo politicamente para seu país e até para o mundo. Deve ser destruido pessoalmente com campanhas que o mostrem como fraco, como bêbado e até como traidor de mulheres. No caso do Allende chegaram a forjar uma foto falsa, estampada em jornais, do Presidente "transando" com sua secretaria no chao do Palacio da Moneda. Novamente, espero que nossa Primeira Dama Marisa nao venha a sofrer tanta humilhaçao como a pobre esposa de Salvador Allende, Hortensia Bussi de Allende, sofreu. Pedimos aos leitores, se nao acreditam no que estou falando, que dêem uma olhada na internet na extensa bibliografia sobre esta época do governo de Salvador Allende no Chile e também nos documentos secretos agora desclassificados da CIA. Leitura informativa que também mostrará casos muito semelhantes na República Dominicana, e na Nicaragua, quando da eleiçao que pôs fim na Revoluçao Sandinista com a vitória de Violeta Chamorro nas eleiçoes de Presidente de 1990. Podem ver também eventos mais recentes na mesma Nicaragua, novamente "ameaçada " com a possível vitória eleitoral de Daniel Ortega, ou na Venezuela com tudo que fizeram, e fazem ainda, para derrubar o incômodo Hugo Chavez. Casos claros de "desconstruçao" de políticos que sao considerados "nao-desejáveis" por Washington.
2. Na estratégia política chamada de "Guerra Psicológica" se usa a imprensa e outros meios de comunicaçao. Todos sabemos que na verdade nao existe a tao laureada e aclamada "imprensa livre e independente" no mundo atual. Se é que algum dia existiu. Todos os meios de comunicaçao sao empresas particulares, algumas delas sao gigantescos monopólios pertencentes a uma só família. O caso do El Mercurio do Chile, da família de Agustín Edwards, do jornal La Prensa, da família Chamorro na Nicaragua, e da nossa tupiniquim Organizaçoes Globo (radio, TV e jornais), da família Marinho. Controle familiar também é a regra no O Estado de Sao Paulo, da Folha de Sao Paulo. E muitos outros veículos da imprensa escrita. No caso das rádios e televisoes locais quase todas sao fruto de concessoes entregadas pelo Estado. No Brasil a maioria pertencem a poderosas famílias políticas que as usam abertamente para defender seus interesses. Na chamada "grande imprensa internacional" as influentes NBC, CBS e CNN norte-americanas sao multinacionais e quatro outras grandes multinacionais de comunicaçoes dominam o conhecimento do mundo. Sendo particulares, naturalmente atendem aos interesses individuais de seus donos, ou , no caso das empresas multinacionais, das classes dominantes dos seus países. Nao podemos esperar que sejam "independentes e neutras", que realmente mostrem os "dois lados da história" e que apóiem posiçoes políticas que podem ser prejudiciais aos seus interesses econômicos.
Portanto, a estratégia de "desconstruçao" é altamente eficaz. "Guerra Psicológica" é o termo usado em ciencias políticas e nos documentos politico-militares dos Estados Unidos que se referem à Guerra de Baixa Intensidade.
3. A Guerra Psicológica também envolve a criaçao de "fatos novos". Cria-se um fato novo, como o caso do assassinato do General René Schneider no Chile, ou até, para lembrar aos leitores, o caso do sequestro do empresário Abílio Diniz no Brasil. E a culpa é colocada, novamente utilizando todos os meios de divulgaçao das notícias, no político ou nos partidos aliados enemigos. No caso do Abílio Diniz, em 1989, a culpa foi colocada no PT. Até bandeiras vermelhas e panfletos da campanha de Lula para Presidente estavam espalhadas pelo esconderijo do empresário e foram "encontradas" e expostas em todos os meios de comunicaçao dias antes da eleiçao presidencial. Nao importa que depois se descobriu que o sequestro foi planejado e levado a cabo por um grupo de chilenos do MIR que pensavam angariar fundos. As eleiçoes já tinham passado e Lula foi derrotado, com muita influencia do escândalo feito na imprensa com o sequestro do empresário. Os verdadeiros responsáveis pelo sequestro foram presos, mas o fato foi muito pouco divulgado. Nos dias atuais, o famoso "dossiê" contra candidatos do PSDB parece em realidade um fato construido propositadamente. Na minha opiniao, foi brilhante da parte dos opositores do Lula. Afinal, se tudo foi preparado, contaram com ou a conivência ou, no mínimo, a basbalhaquice dos próprios apoiadores do Lula. Golpe de Mestre. Tiro no pé, no mínimo. Mas, se mais tarde, sair em público que nem tudo era como parecia, nao importa. Afinal, será depois das eleiçoes que se descobrirá a verdade. Se for antes entao falham, como no caso do assassinato do René Schneider. No nosso caso, hoje, ainda antes do segundo turno, já está transparecendo que essa história do "dossiê" está mais complicada do que parecia. Hoje já está claro que o Gedimar Passos, que foi preso com o dinheiro da suposta compra do dossiê, nao é nada filiado ao PT. Ainda mais, de acordo com seu testemunho na Policia Federal e sua defesa apresentada ao Superior Tribunal Eleitoral , nem conhecia o Freud Godoy, assessor do Lula que a imprensa queimou tanto. E Gedimar Passos ainda afirma em depoimento ao Supremo Tribunal Eleitoral, na representaçao entregue dia 10 de outubro de 2006 no TSE, que o Freud Godoy, que foi chave, por ser assessor direto do Lula, nao tinha nenhuma vinculaçao com a suposta compra do dossiê. Nao importam os fatos. Como diria o Tancredo Neves, o que importa é a interpretaçao dos fatos que foi dada por toda a imprensa escrita e eletrônica. E, no caso, o efeito desejado foi alcançado. O Lula nao ganhou no primeiro turno e o quadro está armado para a verdadeira "desconstruçao" visando a vitória no segundo turno.
Levei um susto quando vi as fotos do dinheiro espalhadas na televisao. Voltei para trás. Será que estou em 2006 ou em 1970? Chile ou Brasil?
1. Muito importante para a análise dos fatos e do período eleitoral que vivemos no Brasil é conhecer em que consiste o que podemos chamar da "quarta pata" do processo de Guerra Psicológica, dentro da Doutrina da Guerra de Baixa Intensidade. Esta consiste na utilizaçao política de pesquisas de opiniao e também de pesquisas eleitorais. Nao estou falando da minha cabeça nao. Documentos sobre a Doutrina da Guerra de Baixa Intensidade, na qual está incluida a chamada "Guerra Psicológica" como parte do processo de intervençao em eleiçoes, no nosso caso na América Latina, estao abertos ao público e se encontram em bibliotecas de grandes universidades norte-americanas. Gostaria de encorajar todos os leitores a pesquisar estes documentos assim como as eleiçoes passadas em outros países, que já mencionei, em momentos históricos em que estava em jogo dois projetos politicos claros: Um de interesse dos Estados Unidos e outro popular, visto pelos Estados Unidos como altamente perigoso para seus interesses. Principalmente na América Latina a história está cheia destes exemplos. Na época atual a intervençao é mais sutil, através do controle dos meios de comunicaçao e de formaçao de opiniao pública. Mas, certamente me podem dizer com dúvidas, trata-se de pesquisas com alto nível científico. Claro que elas têm um alto nível científico. Por isso mesmo sao eficazes, responderia eu a esta dúvida. Se nao fossem vistas pelo público em geral como altamente cientificas e isentas , nao teriam suficiente grau de credibilidade. Credibilidade pública, é essencial para que sejam instrumentos úteis na luta política para transformar a realidade e mudar um quadro político desfavorável.
Neste ponto gostaria de lembrar duas famosas frases. A primeira foi pronunciada pelo político, grande raposa mineira, Tancredo Neves: "Na política nao importam os fatos. O que importa é a interpretaçao dos fatos". Este é, na realidade, o lema dos cientistas políticos e assessores de campanhas eleitorais pelo mundo a fora. A segunda frase que cabe lembrar foi pronunciada por um professor de estatísticas que tive em MIT. Considerado um dos mais importantes professores e estatísticos do mundo, ele abriu seu curso de "Estatística para as Ciencias Sociais" com um comentário que jamais esqueci e que me formou enquanto cientista política, ciente do que representa a "ciencia exata" das estatísticas em ciencias sociais: "Lembrem-se sempre, voces, que vao aprender os segredos da estatística. A estatística nao é uma ciência exata, como a matemática ou física, apesar do que dizemos todos. O importante é saber que a estatística é o que o estatístico INCLUI OU EXCLUI de suas análises e perguntas". Por outra, depende da interpretaçao dos fatos, como nosso brilhante Tancredo Neves tao bem falou apesar de nao ser um famoso professor de estatística de MIT. Portanto, a "ciência exata" das pesquisas de opiniao e das pesquisas eleitorais sao também frutos de interpretaçao e do que se incluiu ou excluiu de consideraçao. O que quer dizer que sao úteis para a manipulaçao política. Muito úteis. Tanto mais porque sao altamente consideradas e gozam de um alto grau de credibilidade pública. Aliás, no meio de ciências políticas, naturalmente "off the record", se fala abertamente que as pesquisas eleitorais "fazem" os resultados eleitorais. Guerra Psicológica. O povo gosta de votar em cavalo que está ganhando a corrida. Em cavalo manco ninguém aposta.
Entao, em conclusao, o quadro grave que se pode formar é a manipulaçao das pesquisas para que os dois candidatos fiquem primeiro muito longe, depois vao chegando mais pertinho, mais pertinho, mais pertinho.... até que se forma o famoso "empate técnico". Fundamental o "empate técnico". Porque?
Porque neste quadro de expectativa popular de "empate técnico" tudo pode acontecer. Nao é necessário recorrer a exemplos de nossos pobres países latino-americanos para demonstrar isso. Basta pedir aos leitores que analisem o que aconteceu no próprio centro do império. Nos Estados Unidos com a primeira eleiçao de Bush , na Florida. Irregularidades tantas que causou um verdadeiro escândalo no país supostamente "mais democrático do mundo". Mas, devido ao "empate técnico" das pesquisas de opiniao e das pesquisas eleitorais, que ninguem ousava desqualificar -- o próprio Partido Democrata desistiu de questionar os resultados da eleiçao para Presidente. E Bush ganhou de maneira altamente suspeita e levou porque a opiniao formada de que era tao pertinho a corrida que "poderia ser." O difícil é provar que tudo foi manipulado.
O exemplo mais recente que gostaria de ressaltar é o do México. Vejamos. O que aconteceu nas eleiçoes do México, no dia 2 de julho de 2006? Os dois principais candidatos representavam projetos diametralmente opostos. Um, Felipe Calderón Hinojosa, do Partido de Acción Nacional (PAN), representava a continuidade da politica conservadora do que era Presidente, Vicente Fox, e de seu alidado dos Estados Unidos, George Bush. O outro, López Obrador, do Partido de la Revolución Democrática (PRD), representava uma mudança drástica na política Mexicana, talvez histórica, de socialismo democrático e de governo popular apoiado em amplos movimentos sociais. As pesquisas de opiniao e eleitorais oscilaram tremendamente, ora dando vitória a um candidato , ora dando vitória a outro. O candidato das forças populares, López Obrador, esteve na frente por pouquíssimos pontos, no final da campanha. Dentro da famosa "área de erro" , ou seja, os tao falados "dois pontos a mais ou dois pontos a menos". Quando, ao final, o candidato conservador Felipe Calderón ganhou as eleiçoes com uma diferença mínima de 0,58% dos votos válidos (Calderón teve 35,89% dos votos e López Obrador teve 35,31% dos votos). Como tudo estava já "dentro da margem de erro" foi muito difícil exigir que se contasse novamente os votos apesar das inúmeras amostras de irregularidades nas eleiçoes. E López Obrador partiu para a luta pela recontagem dos votos, colocando o povo na rua. Hoje o México está imerso em uma das maiores crises político-institucionais de sua história recente. Um Presidente, que foi declarado eleito pelo Tribunal Superior Eleitoral, e outro "Presidente", considerado pelas massas populares, como o verdadeiro Presidente "de fato". E o que assumiu legalmente como Presidente está virtualmente impedido de governar, nao tendo a mínima legitimidade exigida por um processo eleitoral limpo e claro.
Porque enfatizo neste artigo o caso do México? Que tem a ver com a nossa situaçao política atual no Brasil? Tem a ver e muito. Se as pesquisas de opiniao começarem a oscilar, cada vez com menos pontos entre os candidatos Lula e Alkmin, temos formado um quadro potencialmente perigoso com a opiniao pública formada para um "empate técnico". E , neste caso de "empate técnico", a possibilidade de fraude eleitoral é enorme. Diria que a possibilidade de fraude eletrônico fica difícil de resistir.
Senao vejamos: O nosso sistema de urnas eletrônicas é altamente frágil, apesar do que podem nos assegurar os grandes especialistas em informática. Existem tantos pontos de fragilidade e tanta dificuldade para que os partidos possam fiscalizar os resultados que realmente é preocupante. Antes de escrever este artigo conversei com vários especialistas em informática e de segurança das urnas eletrônicas. Pertuntei o que uma cientista política pergunta, nao importando-me com os detalhes da informática. Por exemplo: Como é feito o sistema de inserçao do diskette de sistema, a principal segurança de cada urna, que grava tudo que acontece na urna, desde o momento que é ligado. É chamado de "carga da urna" , o "log do sistema da urna", o "Flash Card" em que o diskette com o sistema é inserido na urna e lacrado na presença de fiscais dos partidos políticos que assinam o lacre e a ata. Excelente. O problema é que isto é feito em centenas de locais centrais, e dificilmente todos os partidos têm fiscais capacitados em informática suficientes para averiguar se o diskette que está sendo inserido realmente corresponde ao do sistema de carga. Ainda assim existem outras fragilidades: A inserçao do sistema e o lacre das urnas é feito em todo o Brasil na véspera do dia das eleiçoes. As urnas passam a noite nos locais centrais aonde foi feito o lacre, guardadas por funcionários dos Tribunais Regionais Eleitorais, da Polícia Militar e até, em alguns casos, do Exército. No dia seguinte, depois de lacrada cada urna com seu "Flash Card", e assinado o lacre pelos fiscais e autoridades presentes, as urnas sao distribuidas pelas diferentes seçoes eleitorais dos diferentes municípios do Brasil.
Vejamos os números. De acordo com dados do IBGE de 2004, o Brasil tem 5.560 municípios. O Brasil tem ao todo 125.913.479 eleitores, ou seja, quase 126 milhoes de eleitores. No primeiro turno da eleiçao presidencial do dia primeiro de outubro de 2006, de acordo com dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral, foram apurados um total de 125.912.656 votos, representando um total de 95.996.733 votos válidos (91,5%), 2.866.205 (2,75%) de votos brancos e 5.957.207 (5,68%) de votos nulos. Todos estes votos foram digitados em 361.431 urnas eletrônicas, préviamente lacradas (vejam site do TSE do Brasil).
De acordo com especialistas em fiscalizaçao dos partidos, com quem conversei, aqui começam os problemas. Primeiro, como mencionei, existe o problema de falta de fiscais devidamente capacitados em informática para a verificaçao dos "Flash Cards" antes de sua colocaçao nas urnas eletrônicas. Além do mais, como enfatizaram, ninguém pode na verdade garantir que os lacres nao podem ser rompidos, substituídos depois por outros iguais, dando margem a que os "Flash Cards" de controle sejam mudados. Toda a segurança neste caso depende da lealdade e honestidade dos funcionários do Tribunal Superior Eleitoral pelo Brasil a fora que ficam guardando as urnas eletrônicas na noite da véspera das eleiçoes, isto é, depois de que sao lacradas e antes de que sejam transportadas para as 361.431 seçoes eleitorais em todo o território brasileiro. Outra etapa é a transferência do diskette com os dados digitados em cada urna, isto é, os votos digitados, para os locais centrais dos TRE (Tribunal Regional Eleitoral) dos estados da federaçao. Perguntei entao, como se asseguram de que estes diskettes contendo os dados nao sao trocados no caminho da central de informaçao aonde todos os dados de todas as seçoes serao computados em cada estado? Novamente o mais importante aí é a honestidade dos funcionários que manejam os diskettes e os transportam, com escolta militar ou da polícia militar.
Para poder fiscalizar e ter certeza de que realmente os votos de cada urna serao os mesmos que estarao sendo computados na central do Tribunal Regional Eleitoral, cada urna imprime um boletim com o total de votos de cada candidato naquela urna. Este é o único documento impresso que dispomos no Brasil. O chamado Boletim de Urna.
Para facilitar a fiscalizaçao dos partidos políticos, depois de muito debate e consultas ao Tribunal Superior Eleitoral, uma resoluçao do TSE foi passada recentemente. A Resoluçao 22.332 do TSE, do dia 29 de junho de 2006, foi feita em resposta a uma consulta do PDT, consulta número 7.796 de 2006. Esta resoluçao do TSE determina a impressao de até 10 Boletins de Urna (BU) por seçao eleitoral, que sao destinados aos partidos políticos e coligaçoes. Com a posse deste documento impresso de cada urna os partidos políticos podem comparar os dados impressos aos que foram digitados e constam dos Relatórios da Totalizaçao, feitos nos TREs dos estados. Isso é muito bom. Na prática porém, existe uma enorme dificuldade dos partidos políticos, que dispoem de pouco pessoal especializado e devidamente capacitado, para realizar este trabalho de comprovaçao. Isto em um tempo absurdamente pequeno. Pela legislaçao em vigor no Brasil atualmente os partidos políticos dispoem de somente tres dias para questionar dados antes do anúncio final dos resultados das eleiçoes feito pelo Tribunal Superior Eleitoral. Portanto sao enormes as dificuldades dos partidos políticos para fiscalizar mediante a comparaçao dos BU de cada seçao eleitoral com os dados digitados no cômputo final dos TREs.
Nao dispomos de nenhuma outra maneira de rastrear votos baseada em provas materiais. Nao existem votos impressos, apenas digitais. No caso de uma disputa tao acirrada, e muito questionada, a questao de possibilidade de fraude eletrônica é profundamente preocupante.
Todos queremos uma democracia sólida, estável, baseada na legimidade e veracidade dos votos dos eleitores. Devemos pensar melhor em como suplantar estas falhas e dificuldades, como aprimorar nosso sistema eleitoral eletrônico para que nunca tenhamos uma situaçao como a do México.
- Maria Helena Moreira Alves, PhD, Ciencias Políticas. A autora é escritora e conferencista internacional. Com mestrado e doutorado em Ciência Política, do MIT, seu mais importante livro State and Opposition in Military Brazil (Texas University Press, 1984), publicado no Brasil em 1985 pela Editora Vozes, e re-editado em 2004 pela EDUSC, de Sao Paulo, com o título de Estado e Oposiçao no Brasil (1964-1984), é considerado um clássico da história do Brasil neste período. Maria Helena Moreira Alves é também autora de mais de 30 artigos sobre a América Latina publicados em revistas especializadas dos Estados Unidos e Europa.
https://www.alainet.org/es/node/117601
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