Só oito minutos...
15/12/2006
- Opinión
Belo Horizonte
Estou ouvindo Beethoven. Instante único. Quando ouço a quinta sinfonia algo muda em mim. Sou invadido por algo que nunca fui, mas, paradoxalmente, sempre sou. É como se eu voltasse para casa. Não preciso mais rezar o pai-nosso: o reino chegou. São só oito minutos, mas eles dizem tudo, como um haicai. Estou completo. Posso morrer. Pergunto-me o que fez esse anormal compor a quinta sinfonia? Não sei. Talvez um grande sonho, um grande amor, um grande vazio... Por isso ele tentou preenchê-lo com aquilo que só morava no seu mundo interno silencioso, nas funduras do seu ser. Ele não leu Cecília Meireles, mas viveu o mesmo sentimento: “No fundo da tua luz marinha, os peixes nadam, a procura” Ele mergulhou sem medo. Graças a deus: nasceu a quinta sinfonia para me fazer voltar para casa.
Também tenho um sonho. Ele estava meio adormecido, como toda minha geração. Como brasas sobre cinzas ele permaneceu silente, quieto, esperando. Nunca morto. Mesmo contra as análises sociológicas mais brutas e realistas, mesmo quando todos os ventos sopravam contra, mesmo quando o sol escaldante impedia qualquer jardim, ele latejava. Sonhei que um dia o socialismo vingaria na América Latina. Um socialismo índio, autóctone, nosso.
Tudo sonho, eu sei. Estamos num tempo “novo”. Asséptico ideologicamente. Tempo em que tudo se rende ao império do sentido. No dizer do sociólogo Gilles Lipovetsky é a passagem das relações de produção para as relações de sedução. Tempo em que um revolucionário de outrora, agora presidente, afirma, para o sorriso frenético dos presentes, que aquele que ainda for de esquerda tem problemas.
Patética constatação: eu tenho problemas. Graças a deus não sou o único. Quando da primeira eleição de Hugo Chaves na Venezuela ele dizia a Fidel Castro: “Comandante, já somos dois “diabos””. Hoje são mais de dois. Legião. E para o desespero dos exorcistas do centro essa legião de diabos problemáticos prolifera. A cada eleição o povo problemático da Abya Ayala assume seu rosto índio, verdadeiro.
Tudo isso faz meu velho sonho renascer de seu sono letárgico. Com certeza diferente. Não mais com a ingenuidade de outrora. Houve um tempo em que confiava no povo. Bobo. Não sabia que o povo luta por causas imediatas. Conheço o ser humano. Embora eu viva somente para a sua grandeza, sei que ele caminha apenas em busca de ganhos secundários. Mesmo nessa hora, em que as gentes da grande Abya Ayala se levantam como nunca, nada me surpreenderá se amanhã tudo voltar ao “normal”.
Hoje mais maduro aprendi a ver o mundo. Não sou desistente, como já me acusaram, apenas aprendi com a história. A onde bolivariana na América Latina me enche de alegria sim, mas não me empolgo muito. Um amigo me disse: “Newton, não seja ingênuo. Isso não vai longe”. Eu sei. Pode não ir muito longe mesmo, mas não me importa. Nessa altura da minha vida, não quero mais chegar. Quero andar procurando, para falar como o Comandante Marcos.
Trago outro companheiro em meu auxílio: Eduardo Galeano, e ninguém pode acusá-lo de desistente: “Para que serve a utopia? Para nada, apenas para caminhar” É isso. Não sei se a onda bolivariana vai vingar ou não. Enquanto isso eu vou caminhando, com ela, cheio de problemas como afirma nosso presidente.
Se a proposta de um socialismo autóctone vingará ou não eu não sei, mas uma coisa ela me ensinou. Agora posso entender Beethoven. Agora sei por que ele compôs a quinta sinfonia. Para nada. Apenas para caminhar. São só oito minutos, mas nela ele diz tudo. Esse momento mágico dos povos latinos americanos em busca de outra forma de organização pode acabar amanhã. Não me importa. Ele diz tudo. Mesmo que sejam só oito minutos.
Estou ouvindo Beethoven. Instante único. Quando ouço a quinta sinfonia algo muda em mim. Sou invadido por algo que nunca fui, mas, paradoxalmente, sempre sou. É como se eu voltasse para casa. Não preciso mais rezar o pai-nosso: o reino chegou. São só oito minutos, mas eles dizem tudo, como um haicai. Estou completo. Posso morrer. Pergunto-me o que fez esse anormal compor a quinta sinfonia? Não sei. Talvez um grande sonho, um grande amor, um grande vazio... Por isso ele tentou preenchê-lo com aquilo que só morava no seu mundo interno silencioso, nas funduras do seu ser. Ele não leu Cecília Meireles, mas viveu o mesmo sentimento: “No fundo da tua luz marinha, os peixes nadam, a procura” Ele mergulhou sem medo. Graças a deus: nasceu a quinta sinfonia para me fazer voltar para casa.
Também tenho um sonho. Ele estava meio adormecido, como toda minha geração. Como brasas sobre cinzas ele permaneceu silente, quieto, esperando. Nunca morto. Mesmo contra as análises sociológicas mais brutas e realistas, mesmo quando todos os ventos sopravam contra, mesmo quando o sol escaldante impedia qualquer jardim, ele latejava. Sonhei que um dia o socialismo vingaria na América Latina. Um socialismo índio, autóctone, nosso.
Tudo sonho, eu sei. Estamos num tempo “novo”. Asséptico ideologicamente. Tempo em que tudo se rende ao império do sentido. No dizer do sociólogo Gilles Lipovetsky é a passagem das relações de produção para as relações de sedução. Tempo em que um revolucionário de outrora, agora presidente, afirma, para o sorriso frenético dos presentes, que aquele que ainda for de esquerda tem problemas.
Patética constatação: eu tenho problemas. Graças a deus não sou o único. Quando da primeira eleição de Hugo Chaves na Venezuela ele dizia a Fidel Castro: “Comandante, já somos dois “diabos””. Hoje são mais de dois. Legião. E para o desespero dos exorcistas do centro essa legião de diabos problemáticos prolifera. A cada eleição o povo problemático da Abya Ayala assume seu rosto índio, verdadeiro.
Tudo isso faz meu velho sonho renascer de seu sono letárgico. Com certeza diferente. Não mais com a ingenuidade de outrora. Houve um tempo em que confiava no povo. Bobo. Não sabia que o povo luta por causas imediatas. Conheço o ser humano. Embora eu viva somente para a sua grandeza, sei que ele caminha apenas em busca de ganhos secundários. Mesmo nessa hora, em que as gentes da grande Abya Ayala se levantam como nunca, nada me surpreenderá se amanhã tudo voltar ao “normal”.
Hoje mais maduro aprendi a ver o mundo. Não sou desistente, como já me acusaram, apenas aprendi com a história. A onde bolivariana na América Latina me enche de alegria sim, mas não me empolgo muito. Um amigo me disse: “Newton, não seja ingênuo. Isso não vai longe”. Eu sei. Pode não ir muito longe mesmo, mas não me importa. Nessa altura da minha vida, não quero mais chegar. Quero andar procurando, para falar como o Comandante Marcos.
Trago outro companheiro em meu auxílio: Eduardo Galeano, e ninguém pode acusá-lo de desistente: “Para que serve a utopia? Para nada, apenas para caminhar” É isso. Não sei se a onda bolivariana vai vingar ou não. Enquanto isso eu vou caminhando, com ela, cheio de problemas como afirma nosso presidente.
Se a proposta de um socialismo autóctone vingará ou não eu não sei, mas uma coisa ela me ensinou. Agora posso entender Beethoven. Agora sei por que ele compôs a quinta sinfonia. Para nada. Apenas para caminhar. São só oito minutos, mas nela ele diz tudo. Esse momento mágico dos povos latinos americanos em busca de outra forma de organização pode acabar amanhã. Não me importa. Ele diz tudo. Mesmo que sejam só oito minutos.
https://www.alainet.org/es/node/118714?language=es
Del mismo autor
- Só oito minutos... 15/12/2006
