Tendência patriótica e antiimperialista se afirma na América Latina
- Opinión
Os primeiros meses de 2007 confirmam movimentos favoráveis ao prosseguimento da onda nacional e patriótica, progressista e antiimperialista na América Latina, após os treze meses anteriores – entre novembro de 2005 e dezembro de 2006 – terem registrado quatorze eleições nacionais na região (1), que apresentaram um resultado, no geral, favorável as forças à esquerda.
Ainda que em distintos ritmos e velocidades – como é natural por se tratarem de distintas formações sociais e alcances estratégicos distintos das forças novas que as conduzem –, a marca do atual ciclo progressista é a busca de brechas que contestem o pensamento hegemônico do capitalismo contemporâneo, o neoliberalismo; no aprofundamento da democracia; na conquista de direitos pelas maiorias nacionais. São sentidos comuns que motivam os distintos governos que vão do centro para a esquerda. Numa palavra, a busca de recomposição da soberania e da independência, tendo como núcleo a questão ou o problema nacional é a marca central dos governos progressistas neste novo e promissor período histórico na região.
Esse esforço para conformar projetos nacionais de desenvolvimento confirma-se nos principais movimentos na região neste primeiro trimestre de 2007:
a) No saldo da visita de George Bush a cinco países latino-americanos em março;
b) Em passos novos no Mercosul e na Comunidade Sul-americana de Nações e, na seqüência, em movimentações do Brasil para enfrentar o entrave das assimetrias, tema chave para a aceleração da integração sul-americana;
c) Na ofensiva de Chavez, no âmbito de seu projeto da Alba (Alternativa Bolivariana dos Povos)
O amplo repúdio a Bush
Durante os cinco dias em que visitou cinco países (Brasil, Uruguai, Colômbia, Guatemala e México), toda a América Latina e em especial os países visitados se coalharam de protestos e manifestações – reflexo do acentuado declínio da influencia estadunidense na região. O objetivo da visita foi inaugurar uma espécie de fase 2 na reação imperialista ao acenso das forças progressistas na região. O resultado foi pífio, incluído o desmoralizado “pacote” de ajuda anunciado às vésperas da viagem, que incluía, como fatos concretos, a visita de um navio-hospital do Exército e cursos de inglês para jovens nos Estados Unidos.
Nem nos três países governados por forças à direita, pode-se dizer, a música soou bem aos ouvidos do visitante. No México, o conservador Felipe Calderon dava entrevistas a jornais dizendo que não se prestaria ao papel de “aríete” dos EUA na região e junto a Bush, reclamou da construção do muro na fronteira dos dois países para conter a imigração latina. Na Guatemala, Bush se encontrou com um presidente, como ele, em final de mandato (há eleições presidenciais no país este ano, onde a esquerda tem boas chances) e os indígenas maias prometeram uma pajelança para purificar o santuário visitado pelo indesejado gringo. Mesmo na Colômbia, apesar da docilidade indigna de Álvaro Uribe, ficou no ar o mal estar pelo escândalo – que acabara de vir a tona – da presença de terroristas paramilitares na base de governo do presidente colombiano.
Brasil e Uruguai são casos à parte, por se tratarem de dois países com governos de centro-esquerda. Note-se que em ambos, os EUA se utilizaram de uma agenda “econômica” como pretexto ou como anzol, tendo em vista a falta de identidade política com ambos os governo. Assim, a partir do interesse nacional comum aos dois países (e, pode-se disser, do conjunto dos países governados por forças progressistas) de impulsionar o crescimento econômico – e a própria constituição de um projeto de desenvolvimento nacional –, Bush buscou vender seu peixe. .
No Brasil, utilizou-se do correto entusiasmo nacional gerado pelas amplas potencialidades estratégicas para o país representadas pela constituição de um mercado mundial de biocombustiveis – que possam fazer do país um importante ator energético em alguns anos – para, de forma ríspida, negar-se em entrevista com Lula a mexer na combinação de altos subsídios com forte protecionismo – o que cria enormes obstáculos a uma parceria com os EUA no assunto.
A postura do presidente Lula e da chancelaria na recepção a Bush foi correta. Buscou-se algum acordo (que atende ao nosso interesse nacional) no tema biocombustíveis e etanol; para isto cobrou-se publicamente a redução dos subsídios e do protecionismo à agricultura; e defendeu-se que a Rodada de Doha seja equilibrada para os países em desenvolvimento e não instrumento que prolongue a atual ordem mundial. No plano político, destaque-se, Lula observou que o Brasil “respeita as opções políticas e econômicas de cada país”, não dando espaço para criticas à Venezuela ou qualquer outro país da região.
No caso do Uruguai, onde a maioria de sua burguesia defende a tese de que o país só poderia se desenvolver firmando acordos com os países centrais, a parte do Mercosul. Um enorme equivoco, basta ver a historia econômica recente ou a atual negociação da Rodada de Doha da OMC, nas quais os ricos buscam impor um segunda rodada da agenda neoliberal aos paises em desenvolvimento enquanto preservam a atual ordem internacional marcada pela forte assimetria norte-sul.
Removendo obstáculos à integração
Não por acaso, o Brasil, grande interessado estrategicamente na integração e na conformação de um pólo sul-americano, mexe-se. Dias antes de Bush, Lula desembarcou no Uruguai com um importante pacote de cooperação na bagagem, que incluía um ensaio para a integração da cadeia produtiva uruguaia à brasileira. Antes, o Brasil realizou mudanças técnicas no contrato da usina binacional de Itaipu visando aumentar repasses em várias dezenas de milhões de dólares ao Paraguai. E com a Bolívia aceitou-se um reajuste nos preços (subvalorizados) na compra do gás, o qual ao mesmo tempo em que aporta milhões de dólares adicionais à Bolívia, estabiliza o fluxo de hidrocarbonetos ao parque industrial brasileiro.
A isto se junta a positiva reunião dos chefes de Estado do Mercosul em janeiro, no Rio – que por sua vez, soma-se a importante reunião da Comunidade Sul-americana das Nações (Casa), em Cochabamba,
O Banco do Sul, se consumado, seria um fundo composto por uma pequena parte (10%) das reservas em divisas dos países-membros, mas que no conjunto possibilitariam direcionar algo como 15 bilhões de dólares para o financiamento da integração – financiando obras como o Gasoduto. Registre-se aqui a adesão do Brasil, que muito positivamente parece ter mudado a posição anterior de bloquear nossa participação, então a pedido do Ministério da Fazenda.
A Alba de Chavez também avança
Por fim, um terceiro fato a registrar, é o prosseguimento da ofensiva do presidente venezuelano Hugo Chavez em promover a sua Alba (Alternativa Bolivariana dos Povos). Tendo como motor a PDVSA (estatal petrolífera da Venezuela), a partir de duas subsidiarias (PetroCaribe e PetroAndina), base material por onde se move a política externa do país, essencialmente antiimperialista. Junto com o fornecimento de petróleo subsidiado ou na forma de escambo, a Alba promove relações que, em certos casos, podem ser definidas como “não-capitalistas”.
Tem sido um importante fato de solidariedade, em especial em tempos de alta do petróleo. Países como a Nicarágua, que até poucos meses vivia cerca de quatro horas de “apagão” diário, passam a ter na Alba uma importante base de apoio. É nucleada pela cooperação Venezuela-Cuba (que a fez surgir em 2004), com adesões sucessivamente da Bolívia, Nicarágua e de pequenas ilhas do Caribe como Domenica, São Vicente e Granadina e Antigua e Barbuda. Também em nome da Alba, a Venezuela faz investimentos no Equador e na Argentina, neste caso, num bilionário mutuamente proveitoso investimento em papeis da divida.
A tournée de Hugo Chavez em paralelo à de George Bush teve papel de agitação antiimperialista, passando por cinco países (Argentina, Bolívia, Nicarágua, Jamaica e Haiti). No encalço do “diablo”, em seu peculiar e popular modo e estilo, Hugo Chavez promoveu importante papel de denuncia política da visita de Bush.
***
Os primeiros movimento de 2007 apontam para o prosseguimento da tendência com caráter nacional e antiimperialista na América Latina. A despeito dos desejos tanto do imperialismo e do estabilishment neoliberal, quanto do “esquerdismo”, são movimentos, no geral, convergentes.
Alias, defendemos que leituras que enfatizam diferenças – como pressuposto – guardam em si forte carga de eurocentrismo, no sentido de não buscam enxergar os novos fenômenos em curso na América Latina. São leitura preconcebidas segundo estereótipos.
O momento é de aprofundar a integração latino e sul-americana, base para ensejar transições não-neoliberais que crescentemente aproximem o atual quadro de forças da região dos desafios que rumem ao novo socialismo que dá sinais de vitalidade na conjuntura regional.
Nota
(1) Está recém publicado, na Revista Princípios nº 88 (março), p. 06-15, um amplo balanço que realizamos dessa temporada eleitoral e sobre as perspectivas do atual momento novo. Ver Ciclo Progressista e luta pelo Socialismo na América Latina.
- Ronaldo Carmona, Sociólogo, Membro da Comissão de Relações Internacionais do Partido Comunista do Brasil – PCdoB e Diretor do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz.
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