Mensagem das organizações camponesas (dos trabalhadores rurais) aos candidatos presidenciais de 2008
25/03/2007
- Opinión
Os camponeses (trabalhadores rurais) e as camponesas (trabalhadoras rurais) exigimos a plena e íntegra oficialidade do guarani em todo e para todo o paraguai.
Queremos que a justiça, a verdade, a eqüidade e a prosperidade cheguem com o guarani! Basta de mentiras, enganos e promessas falsas durante as eleições! Queremos justiça!
Os abaixo-assinados, ORGANIZAÇÕES CAMPONESAS (TRABALHADORES RURAIS) de todo o Paraguai que representamos de forma direta ou indireta a 2.234.761 pessoas que vivem nas áreas rurais (ou 43,28 % de toda a população nacional, dados de 2002) e a centenas de milhares de cidadãos que também têm suas origens e suas famílias em áreas rurais (Assunção, por exemplo, em 2002 tinha aproximadamente 40% da população nascida na cidade), nos dirigimos aos candidatos às Eleições Presidenciais de 2008, quaisquer que sejam, para que ouçam nossa voz. Estamos fazendo isso com um ano de antecedência para que nossa mensagem chegue até eles, alta e clara. Absolutamente nítida.
Temos sede e fome infinitas de Justiça. Uma sede de Justiça que arrastamos desde séculos e que abarca tudo: acesso a terra, à saúde, às infra-estruturas, à educação, à água, ao preço de nossos produtos ou trabalho ou guarani.
Estamos cansados de roubos, invisibilidades, violências, desprezos, enganos, repressões calotes (dívidas não pagas), assassinatos, pobrezas e de passar fome. Estamos desesperados por sermos obrigados a emigrar durante décadas e de termos que fazê-lo ainda hoje, aos centos de milhares. Estamos fartos de termos um Estado corrompido, corrupto e corruptor que nos marginalizou, nos ignorou, nos reprimiu, nos combateu, nos assassinou, nos empobreceu e nos analfabetizou. Sim, analfabetizou.
Nunca antes entendemos –porque nunca fomos educados nem formados pelo Estado, nem na escola nem pelos meios de comunicação– que papel jogavam no Paraguai as línguas, guarani e castelhana, na manutenção e perpetuação de nossa situação de marginalização, exploração, pauperização, engano e violência. Agora, lentamente, começamos a entender. Começamos a abrir os olhos. E o que vemos nos enche o coração de raiva e ira. Cólera ante o colossal e brutal prejuízo da qual temos sido objeto durante tanto tempo. Destruiu-nos, negando a igualdade e a Justiça para o guarani, a nossos pais e a nossos avós e a os pais de seus pais, destruiu-nos e destrói nossos filhos e filhas.
No Paraguai, 3.946.904 de pessoas, no total de 5.163.198 habitantes do país em 2002, falavam o guarani (isto é, 76 % da população). Aproximadamente 30% de toda a população nacional somente falava, como única língua, o guarani. 60% de todos os lares paraguaios eram de língua guarani, cifra que ascendia a 82,5% nas áreas rurais (para só 8,5% de língua castelhana) e se mantinha em 42,6% dos lares de língua guarani nas áreas urbanas.
No Paraguai existiu por duzentos anos (1811-2007) um regime de “apartheid lingüístico” contra o guarani e contra nós, que marginalizaram a população de língua única guarani, basicamente camponeses (trabalhadores rurais). O Paraguai tem sido e é ainda hoje, um país de camponeses (trabalhadores rurais) e camponesas (trabalhadoras rurais). Todos temos, além disso, raízes camponesas (rurais). Construiu-se um Estado opressor contra o guarani onde tudo foi feito em castelhano e nada em guarani. O guarani só tem sido bom para morrer, para defender a Pátria. Entre as classes dirigentes paraguaias há milhares de pessoas que unicamente falam o castelhano (ou alemão e castelhano ou inglês e castelhano ou português e castelhano ou incluso castelhano e guarani), mas não tem nem uma pessoa, em todo o país, entre essas classes, que só fale guarani. Nem uma só. Por quê? Não é o guarani a língua primeira, autóctone e majoritária do Paraguai? Não foi sempre? Os falantes de fala guarani, lutando em guarani, usando inclusive o guarani como “arma de defesa nacional”, não morremos, aos milhares, na Guerra da Tríplice Aliança e na Guerra do Chaco? Ou estamos ainda no molde colonial de senhores e escravos, em vez de seres humanos iguais? Ainda deve ser o castelhano “karai ñe’ẽ”, a “língua do senhor”, do senhor, do explorador, do dono da terra? Deve ser o castelhano, o alemão do menonita, o português do brasileiro, “karai ñe’ẽ”? E nós o que somos, e o que é nossa língua? Acaso não somos nós os donos do país? O pacto “hispanoguarani” que tanto foi elogiado e uivado pela matilha bem alimentada do “nacionalismo uivador”, era isto: matar o guarani, marginalizar e pauperizar seus falantes e dar tudo ao castelhano? Por que um cidadão que só fala castelhano pode ser funcionário público, tendo que atender e trabalhar para uma população majoritária de língua guarani, e em troco, não tem funcionários –que poderiam ser nossos próprios filhos– que só falam o guarani?
O Estado Paraguaio, na sua política implícita de “apartheid lingüístico”, acompanhada de proibições contra o guarani, durante grandes períodos de nossa historia, nos têm analfabetizado. Nunca, desde 1811, foram alfabetizados paraguaios e paraguaias em guarani. Nunca. Mas tampouco se alfabetizou, de forma adequada, eficiente e apropriada a toda a população, e muito menos aos trabalhadores rurais, em castelhano. Nunca isto foi uma prioridade nacional. O resultado, em um contexto de “apartheid lingüístico” contra o guarani, tem sido que, durante dois séculos, milhões de paraguaios e paraguaias, milhões de camponeses (trabalhadores rurais) e camponesas (trabalhadoras rurais), não pudemos participar de forma plena na vida social, cultural, econômica e intelectual da Nação. No pudemos participar, com nossa língua primeira, o guarani. E não nos ofereceram, de forma adequada, o castelhano. Fomos enganados e marginalizados de forma consciente –e isto é o pior e mais grave, e condenável em qualquer tribunal de direitos humanos– por parte das classes dirigentes do Paraguai para tirar proveito de nossa situação de postergação, humilhação e desamparo. Não esqueceremos. Não olvidaremos. Um país onde os falantes monolíngües, do castelhano, devem aprender guarani, a contra-gosto, quando começam a trabalhar ou viver no interior do país, e onde, a pesar dele, o Estado Paraguaio nunca funcionou em guarani, não é um país justo nem normal! O Paraguai é um Estado anormal que seria severamente penalizado, por grave violação de direitos humanos e direitos lingüísticos, se fizesse parte da União Européia.
Durante décadas, os políticos, nas vésperas eleitorais, têm nos feito sermões e arengado em guarani. Nos fizeram milhares de promessas em guarani. Todas sem cumprir. Mas nunca nos prometeram nada para o guarani. E nunca fizeram nada pelo guarani. Têm latido suas promessas e voltado para Assunção sem fazer nada para que pudéssemos participar, dando formação e informação em guarani, com normalidade e em plenitude na vida nacional e pudéssemos fiscalizar suas atividades. Incluso os mesmos que nos latiram em guarani suas falsas promessas não transmitiram o guarani a seus filhos e filhas e netos, para os quais têm querido uma educação “bilíngüe” em castelhano e inglês ou outra língua, se possível nos Estados Unidos ou na Europa. O guarani tem sido usado para submeter-nos, manipular-nos, enganar-nos. Não foi usado para que avançássemos em nossa promoção econômica, cultural e social de forma coletiva e individual.
Queremos que todos os nossos filhos e filhas saibam castelhano. Entendemos a importância global do castelhano. E também queremos que nossos filhos e filhas saibam outras línguas, tantas quantas desejarem. Mas queremos preservar nossa língua; queremos Justiça, verdade, eqüidade e prosperidade em guarani; queremos preservar nossa identidade cultural, porque não somos nem nunca fomos espanhóis nem brasileiros nem argentinos nem italianos nem alemães: somos paraguaios, simplesmente paraguaios, corra o sangue que corra em nossa veias, e nossa língua primeira é o guarani. Queremos manter, em um mundo cada vez mais globalizado e homogêneo, nossa identidade. Justiça social e identidade, e ambas em guarani. O que nos singulariza no mundo é nossa identidade lingüística e cultural. Temos visto que os camponeses (trabalhadores rurais) danêses e todos os danêses querem viver em danês e saber inglês e outras línguas. Temos visto que os camponeses (trabalhadores rurais) holandeses e todos os holandeses querem viver em neerlandês e saber inglês e outras línguas. Temos visto que os camponeses (trabalhadores rurais) catalães e todos as catalãs querem viver em catalão e saber castelhano e outras línguas. Nós queremos poder viver em guarani, saber castelhano e saber outras línguas.
Enquanto escrevíamos esta carta aberta, apareceu um Anteprojeto de Lei de Línguas do Paraguai. Aplaudimos a iniciativa. Esperamos que seja aprovada e entre em vigor. E que tenha pressuposto suficiente e um calendário claro para sua implementação. Mas já não iremos acreditar mais em falsas promessas ou em leis que são papel molhado. Não. Agora vamos acreditar em nós mesmos e no que fazemos. E vamos usar o guarani de forma sistemática e vamos denunciar, para todo o mundo, a situação de “apartheid lingüístico” que aconteceu e acontece no Paraguai. Além disso, a lei deve contemplar sem nenhum tipo de dúvida nem vacilação, sob pena de ser outro engano e outra mentira, que todos os paraguaios e todas as paraguaias, sem nenhuma exceção, aprendam adequadamente na escola guarani, castelhana e uma terceira língua, e que os falantes de outras línguas paraguaias possam manter as suas. Esta é a condição mínima, irrenunciável, para a igualdade entre paraguaios.
Temos a experiência do fracasso da Reforma Educativa, provocado pelo próprio Governo e animado pelos meios de comunicação favoráveis ao “apartheid lingüístico” paraguaio. A Reforma Educativa, sem que fosse abolido o regime de “apartheid lingüístico” implícito e sem que se variasse a imagem social difundida pelos meios de comunicação sobre o guarani, não conseguiu nada daquilo que pretendia: que todos os escolares paraguaios aprendessem guarani e castelhano e uma terceira língua. E não apenas isso. Fizeram algo pior. Os mesmos pais e mães camponesas (trabalhadoras rurais) que falamos, como língua única ou primeira o guarani, pedimos, em muitos casos, que nossos filhos não fossem escolarizados em guarani porque vimos que nada tinha mudado no regime de “apartheid lingüístico”. Em que país normal do mundo isto aconteceria? E os escolares de língua única castelhana não aprenderam o guarani, que ficou fechado na escola sem estar presente na televisão, no radio, na mídia, na música, etc., de forma normal e constante.
Senhores candidatos, senhoras candidatas: onde está seu programa para a língua guarani? Onde está seu programa para a Justiça lingüística no Paraguai? Onde está? O que queremos conhecer. Queremos que o difundam (seus programas) por toda a Nação. Queremos que o expliquem a toda a Nação. E senhoras candidatas e senhores candidatos: falem, muito, em guarani em Assunção, para lembrar aos “apartheidistas” que o guarani é a língua primeira da Nação e para abrandar-lhes o coração por sua impiedade, sua injustiça e sua falta de humanidade por milhares de paraguaios e paraguaias, durante duzentos anos.
Assinado:
- MCNOC – Mesa Coordinadora Nacional de Organizaciones Campesinas, Luis Aguayo, mcnoc@conexion.com.py
- OÑP – Okaraygua Ñemongu’e Paraguáipe- MCP Movimiento Campesino Paraguayo, Fermín Bobadilla, mcp@highway.com.py
- OLT – Organización de Lucha por la Tierra, Narciso Ruiz Díaz, oltparaguay@gmail.com
- ONAI – Organización Nacional de Aborígenes Independientes, Mario Rivarola
- UCN – Unión Campesina Nacional, Daniel Duarte
- CNSL – Coordinadora Nacional Sebastián Larrosa, Mercedes Fleitas
- OCN – Organización Campesina del Norte, Asunción Duarte, ocnpy@hotmail.com
- OCM – Organización Campesina de Misiones, Mario Talavera
- OCP – Organización Campesina de Paraguarí, Sergio Orsuza
- ACMD – Itapúa
- CONAMURI – Coordinadora Nacional de Organización de Mujeres Trabajadoras Rurales e Indígenas, Julia Franco, conamuri@rieder.net.py
- FNC – Federación Nacional Campesina, Odilón Espínola, fncparaguay@gmail.com
- ONAC – Organización Nacional Campesina, Angel Giménez, onac@telesurf.com.py
- CNUCIP – Coordinadora Nacional de Unidad Campesina, Indígena y Popular, Tomás Zayas, tomaszayas@yahoo.es
- OCRC – Organización Campesina Regional de Concepción, Edilberto Saucedo, ocrc1995@yahoo.com
- ACADEI- San Pedro
- MAP – Movimiento Agrario Popular, Jorge Galeano, agrariopopular@yahoo.es
Queremos que a justiça, a verdade, a eqüidade e a prosperidade cheguem com o guarani! Basta de mentiras, enganos e promessas falsas durante as eleições! Queremos justiça!
Os abaixo-assinados, ORGANIZAÇÕES CAMPONESAS (TRABALHADORES RURAIS) de todo o Paraguai que representamos de forma direta ou indireta a 2.234.761 pessoas que vivem nas áreas rurais (ou 43,28 % de toda a população nacional, dados de 2002) e a centenas de milhares de cidadãos que também têm suas origens e suas famílias em áreas rurais (Assunção, por exemplo, em 2002 tinha aproximadamente 40% da população nascida na cidade), nos dirigimos aos candidatos às Eleições Presidenciais de 2008, quaisquer que sejam, para que ouçam nossa voz. Estamos fazendo isso com um ano de antecedência para que nossa mensagem chegue até eles, alta e clara. Absolutamente nítida.
Temos sede e fome infinitas de Justiça. Uma sede de Justiça que arrastamos desde séculos e que abarca tudo: acesso a terra, à saúde, às infra-estruturas, à educação, à água, ao preço de nossos produtos ou trabalho ou guarani.
Estamos cansados de roubos, invisibilidades, violências, desprezos, enganos, repressões calotes (dívidas não pagas), assassinatos, pobrezas e de passar fome. Estamos desesperados por sermos obrigados a emigrar durante décadas e de termos que fazê-lo ainda hoje, aos centos de milhares. Estamos fartos de termos um Estado corrompido, corrupto e corruptor que nos marginalizou, nos ignorou, nos reprimiu, nos combateu, nos assassinou, nos empobreceu e nos analfabetizou. Sim, analfabetizou.
Nunca antes entendemos –porque nunca fomos educados nem formados pelo Estado, nem na escola nem pelos meios de comunicação– que papel jogavam no Paraguai as línguas, guarani e castelhana, na manutenção e perpetuação de nossa situação de marginalização, exploração, pauperização, engano e violência. Agora, lentamente, começamos a entender. Começamos a abrir os olhos. E o que vemos nos enche o coração de raiva e ira. Cólera ante o colossal e brutal prejuízo da qual temos sido objeto durante tanto tempo. Destruiu-nos, negando a igualdade e a Justiça para o guarani, a nossos pais e a nossos avós e a os pais de seus pais, destruiu-nos e destrói nossos filhos e filhas.
No Paraguai, 3.946.904 de pessoas, no total de 5.163.198 habitantes do país em 2002, falavam o guarani (isto é, 76 % da população). Aproximadamente 30% de toda a população nacional somente falava, como única língua, o guarani. 60% de todos os lares paraguaios eram de língua guarani, cifra que ascendia a 82,5% nas áreas rurais (para só 8,5% de língua castelhana) e se mantinha em 42,6% dos lares de língua guarani nas áreas urbanas.
No Paraguai existiu por duzentos anos (1811-2007) um regime de “apartheid lingüístico” contra o guarani e contra nós, que marginalizaram a população de língua única guarani, basicamente camponeses (trabalhadores rurais). O Paraguai tem sido e é ainda hoje, um país de camponeses (trabalhadores rurais) e camponesas (trabalhadoras rurais). Todos temos, além disso, raízes camponesas (rurais). Construiu-se um Estado opressor contra o guarani onde tudo foi feito em castelhano e nada em guarani. O guarani só tem sido bom para morrer, para defender a Pátria. Entre as classes dirigentes paraguaias há milhares de pessoas que unicamente falam o castelhano (ou alemão e castelhano ou inglês e castelhano ou português e castelhano ou incluso castelhano e guarani), mas não tem nem uma pessoa, em todo o país, entre essas classes, que só fale guarani. Nem uma só. Por quê? Não é o guarani a língua primeira, autóctone e majoritária do Paraguai? Não foi sempre? Os falantes de fala guarani, lutando em guarani, usando inclusive o guarani como “arma de defesa nacional”, não morremos, aos milhares, na Guerra da Tríplice Aliança e na Guerra do Chaco? Ou estamos ainda no molde colonial de senhores e escravos, em vez de seres humanos iguais? Ainda deve ser o castelhano “karai ñe’ẽ”, a “língua do senhor”, do senhor, do explorador, do dono da terra? Deve ser o castelhano, o alemão do menonita, o português do brasileiro, “karai ñe’ẽ”? E nós o que somos, e o que é nossa língua? Acaso não somos nós os donos do país? O pacto “hispanoguarani” que tanto foi elogiado e uivado pela matilha bem alimentada do “nacionalismo uivador”, era isto: matar o guarani, marginalizar e pauperizar seus falantes e dar tudo ao castelhano? Por que um cidadão que só fala castelhano pode ser funcionário público, tendo que atender e trabalhar para uma população majoritária de língua guarani, e em troco, não tem funcionários –que poderiam ser nossos próprios filhos– que só falam o guarani?
O Estado Paraguaio, na sua política implícita de “apartheid lingüístico”, acompanhada de proibições contra o guarani, durante grandes períodos de nossa historia, nos têm analfabetizado. Nunca, desde 1811, foram alfabetizados paraguaios e paraguaias em guarani. Nunca. Mas tampouco se alfabetizou, de forma adequada, eficiente e apropriada a toda a população, e muito menos aos trabalhadores rurais, em castelhano. Nunca isto foi uma prioridade nacional. O resultado, em um contexto de “apartheid lingüístico” contra o guarani, tem sido que, durante dois séculos, milhões de paraguaios e paraguaias, milhões de camponeses (trabalhadores rurais) e camponesas (trabalhadoras rurais), não pudemos participar de forma plena na vida social, cultural, econômica e intelectual da Nação. No pudemos participar, com nossa língua primeira, o guarani. E não nos ofereceram, de forma adequada, o castelhano. Fomos enganados e marginalizados de forma consciente –e isto é o pior e mais grave, e condenável em qualquer tribunal de direitos humanos– por parte das classes dirigentes do Paraguai para tirar proveito de nossa situação de postergação, humilhação e desamparo. Não esqueceremos. Não olvidaremos. Um país onde os falantes monolíngües, do castelhano, devem aprender guarani, a contra-gosto, quando começam a trabalhar ou viver no interior do país, e onde, a pesar dele, o Estado Paraguaio nunca funcionou em guarani, não é um país justo nem normal! O Paraguai é um Estado anormal que seria severamente penalizado, por grave violação de direitos humanos e direitos lingüísticos, se fizesse parte da União Européia.
Durante décadas, os políticos, nas vésperas eleitorais, têm nos feito sermões e arengado em guarani. Nos fizeram milhares de promessas em guarani. Todas sem cumprir. Mas nunca nos prometeram nada para o guarani. E nunca fizeram nada pelo guarani. Têm latido suas promessas e voltado para Assunção sem fazer nada para que pudéssemos participar, dando formação e informação em guarani, com normalidade e em plenitude na vida nacional e pudéssemos fiscalizar suas atividades. Incluso os mesmos que nos latiram em guarani suas falsas promessas não transmitiram o guarani a seus filhos e filhas e netos, para os quais têm querido uma educação “bilíngüe” em castelhano e inglês ou outra língua, se possível nos Estados Unidos ou na Europa. O guarani tem sido usado para submeter-nos, manipular-nos, enganar-nos. Não foi usado para que avançássemos em nossa promoção econômica, cultural e social de forma coletiva e individual.
Queremos que todos os nossos filhos e filhas saibam castelhano. Entendemos a importância global do castelhano. E também queremos que nossos filhos e filhas saibam outras línguas, tantas quantas desejarem. Mas queremos preservar nossa língua; queremos Justiça, verdade, eqüidade e prosperidade em guarani; queremos preservar nossa identidade cultural, porque não somos nem nunca fomos espanhóis nem brasileiros nem argentinos nem italianos nem alemães: somos paraguaios, simplesmente paraguaios, corra o sangue que corra em nossa veias, e nossa língua primeira é o guarani. Queremos manter, em um mundo cada vez mais globalizado e homogêneo, nossa identidade. Justiça social e identidade, e ambas em guarani. O que nos singulariza no mundo é nossa identidade lingüística e cultural. Temos visto que os camponeses (trabalhadores rurais) danêses e todos os danêses querem viver em danês e saber inglês e outras línguas. Temos visto que os camponeses (trabalhadores rurais) holandeses e todos os holandeses querem viver em neerlandês e saber inglês e outras línguas. Temos visto que os camponeses (trabalhadores rurais) catalães e todos as catalãs querem viver em catalão e saber castelhano e outras línguas. Nós queremos poder viver em guarani, saber castelhano e saber outras línguas.
Enquanto escrevíamos esta carta aberta, apareceu um Anteprojeto de Lei de Línguas do Paraguai. Aplaudimos a iniciativa. Esperamos que seja aprovada e entre em vigor. E que tenha pressuposto suficiente e um calendário claro para sua implementação. Mas já não iremos acreditar mais em falsas promessas ou em leis que são papel molhado. Não. Agora vamos acreditar em nós mesmos e no que fazemos. E vamos usar o guarani de forma sistemática e vamos denunciar, para todo o mundo, a situação de “apartheid lingüístico” que aconteceu e acontece no Paraguai. Além disso, a lei deve contemplar sem nenhum tipo de dúvida nem vacilação, sob pena de ser outro engano e outra mentira, que todos os paraguaios e todas as paraguaias, sem nenhuma exceção, aprendam adequadamente na escola guarani, castelhana e uma terceira língua, e que os falantes de outras línguas paraguaias possam manter as suas. Esta é a condição mínima, irrenunciável, para a igualdade entre paraguaios.
Temos a experiência do fracasso da Reforma Educativa, provocado pelo próprio Governo e animado pelos meios de comunicação favoráveis ao “apartheid lingüístico” paraguaio. A Reforma Educativa, sem que fosse abolido o regime de “apartheid lingüístico” implícito e sem que se variasse a imagem social difundida pelos meios de comunicação sobre o guarani, não conseguiu nada daquilo que pretendia: que todos os escolares paraguaios aprendessem guarani e castelhano e uma terceira língua. E não apenas isso. Fizeram algo pior. Os mesmos pais e mães camponesas (trabalhadoras rurais) que falamos, como língua única ou primeira o guarani, pedimos, em muitos casos, que nossos filhos não fossem escolarizados em guarani porque vimos que nada tinha mudado no regime de “apartheid lingüístico”. Em que país normal do mundo isto aconteceria? E os escolares de língua única castelhana não aprenderam o guarani, que ficou fechado na escola sem estar presente na televisão, no radio, na mídia, na música, etc., de forma normal e constante.
Senhores candidatos, senhoras candidatas: onde está seu programa para a língua guarani? Onde está seu programa para a Justiça lingüística no Paraguai? Onde está? O que queremos conhecer. Queremos que o difundam (seus programas) por toda a Nação. Queremos que o expliquem a toda a Nação. E senhoras candidatas e senhores candidatos: falem, muito, em guarani em Assunção, para lembrar aos “apartheidistas” que o guarani é a língua primeira da Nação e para abrandar-lhes o coração por sua impiedade, sua injustiça e sua falta de humanidade por milhares de paraguaios e paraguaias, durante duzentos anos.
Assinado:
- MCNOC – Mesa Coordinadora Nacional de Organizaciones Campesinas, Luis Aguayo, mcnoc@conexion.com.py
- OÑP – Okaraygua Ñemongu’e Paraguáipe- MCP Movimiento Campesino Paraguayo, Fermín Bobadilla, mcp@highway.com.py
- OLT – Organización de Lucha por la Tierra, Narciso Ruiz Díaz, oltparaguay@gmail.com
- ONAI – Organización Nacional de Aborígenes Independientes, Mario Rivarola
- UCN – Unión Campesina Nacional, Daniel Duarte
- CNSL – Coordinadora Nacional Sebastián Larrosa, Mercedes Fleitas
- OCN – Organización Campesina del Norte, Asunción Duarte, ocnpy@hotmail.com
- OCM – Organización Campesina de Misiones, Mario Talavera
- OCP – Organización Campesina de Paraguarí, Sergio Orsuza
- ACMD – Itapúa
- CONAMURI – Coordinadora Nacional de Organización de Mujeres Trabajadoras Rurales e Indígenas, Julia Franco, conamuri@rieder.net.py
- FNC – Federación Nacional Campesina, Odilón Espínola, fncparaguay@gmail.com
- ONAC – Organización Nacional Campesina, Angel Giménez, onac@telesurf.com.py
- CNUCIP – Coordinadora Nacional de Unidad Campesina, Indígena y Popular, Tomás Zayas, tomaszayas@yahoo.es
- OCRC – Organización Campesina Regional de Concepción, Edilberto Saucedo, ocrc1995@yahoo.com
- ACADEI- San Pedro
- MAP – Movimiento Agrario Popular, Jorge Galeano, agrariopopular@yahoo.es
https://www.alainet.org/es/node/120174
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