Tortura nunca mais?

26/03/2007
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Um estudo mostra que os EUA dão aos presos de guerra um tratamento equivalente às piores agressões físicas.

Alguns países parecem ter adotado a irônica definição de Millôr Fernandes para democracia (“é quando eu mando em você”) e ditadura (“é quando você manda em mim”) para ignorar a dignidade humana de prisioneiros de guerra.

Um importante artigo foi publicado nos Archives of General Psychiatry deste mês, para provar que o efeito do tratamento dado aos prisioneiros de Guantánamo em nada difere das práticas mais sórdidas e violentas de tortura, e dá a base científica para que autoridades internacionais as proíbam rígida e eficazmente.

O estudo, desenvolvido pelo dr. Metin Basoglu e colaboradores do King’s College da Universidade de Londres, avalia o impacto da tortura não física nos sobreviventes das guerras mais recentes. Foram entrevistados 279 pessoas torturadas em Saravejo, na Bósnia-Herzegovina, Banja Luka e Belgrado, na Sérvia, e Rijeka, na Croácia, sobre as agressões não físicas sofridas – humilhações, manipulações psicológicas, exposição a condições ambientais aversivas e estresse forçado. Essas situações foram comparadas às torturas físicas quanto ao impacto na geração de estresse pós-traumático e na perda de controle psíquico dos torturados. Foi demonstrado que o efeito em nada diferiu do provocado pelas torturas físicas.

Tortura é definida como a provocação de intensa dor ou sofrimento físico ou mental em alguém, com propósitos particulares. Porém, os militares americanos de Guantánamo escolheram uma definição mais curta e retiraram o efeito psicológico de seus relatórios, permitindo que fossem adotados, nos interrogatórios, máscaras, vendas, cordas, privação de sono, fome, sede, nudez forçada, exposição ao frio e à escuridão e outras manipulações psicológicas, para romper a resistência do prisioneiro. A definição de tortura psíquica deveria incluir a duração prolongada e intensa das ações, além da comprovação das profundas mudanças no estado psicológico dos prisioneiros. O artigo mostra que, apesar dos limites bem definidos, as práticas de interrogatórios dos americanos não passam de tortura.

Dos voluntários entrevistados, foram excluídos 49, cuja fonte maior de estresse foi a guerra em si e não as práticas de tortura, dos 230 restantes, 76% tiveram síndrome de estresse pós-traumático (SEPT) – outros 56% ainda sofriam de SEPT na ocasião da entrevista. A depressão ocorreu em 17,4% dos ouvidos, enquanto 17% padeciam de depressão grave mais de dois anos depois da prisão. Dos que sofreram mais estresse, 30% desenvolveram depressão.

Mais de 80% dos entrevistados relataram ter recebido pelo menos 30 tipos de tortura estressante durante o aprisionamento. O estresse desencadeado por situações de humilhação e ameaça, como ver prisioneiros torturados, ser amarrado pelos genitais e isolado, foi semelhante ao estresse causado pela tortura física e maior que o provocado por ações de privação como sede, fome, escuridão e falta de assistência, apesar de esses últimos terem recebido também alta nota nas escalas de estresse.

Das torturas físicas, a mais comum foi o espancamento, que ocorreu com mais de 80% dos entrevistados. Apesar de ser difícil separar os efeitos da tortura não física nesses indivíduos, os autores os separaram em três grupos de acordo com a associação das duas modalidades de tortura. Porém, perceberam que a intensidade da tortura física pouco interferia no desencadear de SEPT ou depressão. Além disso, viram que os efeitos psíquicos da tortura não física isolada podem causar catástrofes psíquicas de mesma gravidade que as associadas à tortura física.

Os autores concluem que técnicas agressivas de interrogação ou aprisionamento, que incluem privação das necessidades básicas, isolamento, manter posturas forçadas, tratamento humilhante e outras práticas de manipulação psicológica, preenchem integralmente os critérios de tortura e devem ser abolidas nos países que respeitam os direitos humanos. Não há diferença alguma entre tortura e tratamento cruel ou degradante, como querem alguns.

Existe um fundamental agravante nisso tudo, pois uma das poucas ações que melhoram o estresse e a depressão do torturado é a demonstração de ódio e revolta contra o torturador. Nesse caso, a vítima pode ser também o cidadão do país que tortura. Este artigo é fundamental para mostrar às autoridades internacionais que elas podem e devem interferir nas práticas de interrogatório não só dos EUA, mas de todos os países que não respeitam a dignidade humana. A revista também demonstrou coragem ao oferecer a todos a íntegra do artigo gratuitamente. Acesse http://archpsyc.ama-assn.org

https://www.alainet.org/es/node/120192

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