Nem ouro nem prata
16/04/2007
- Opinión
O que vai fazer Bento XVI em sua primeira visita ao Brasil passando um dia inteiro na Fazenda Esperança? Por que o Papa, em sua apertada agenda em terras brasileiras, abriu um dia inteiro – 12 de maio – para estar junto a esta comunidade desconhecida por muitos e encravada no interior de São Paulo?
O motivo principal da vinda do Papa ao Brasil é, sem dúvida, a V Conferência do Episcopado Latino-americano, que começará dia 13 de maio em Aparecida, maior santuário mariano do país. É evento de primeira grandeza. Os bispos do continente não se reúnem oficialmente em conferência desde 1992, em Santo Domingo. Aparecida se torna, nestes dias, o objeto maior de atenção da Igreja Universal. Bento XVI fará o discurso de abertura. Por que, então, passar todo o dia anterior na Fazenda Esperança, roubando tempo a um possível e merecido descanso?
A Fazenda Esperança, como o nome mesmo o indica, é uma obra bem inserida no tempo histórico, mas com alcance transcendente e escatológico. Ali se trabalha incessante e incansavelmente para um objetivo cujos frutos muitas vezes não se vêem a curto nem a médio prazo. Ali não se mede o resultado do trabalho por sua eficácia ou pela remuneração ou lucro que gera. Ali se trabalha por uma causa quase perdida, que pela virtude da esperança e o poder da graça pode ser ganha e frutificar até o cêntuplo.
O sonho de Frei Hans Stapel, um franciscano alemão de coração ardente e voz de trovão, começou pequeno. Hoje cresceu e se encontra espalhado em vários pontos do país, começando a implantar-se inclusive em outros países. A obra vai tocar o centro do maior flagelo que assola a humanidade atualmente: a dependência química. Na Fazenda que atende pelo nome de Esperança aportam jovens e não tão jovens de ambos os sexos, que carregam sobre os ombros um fardo insuportável. Estão prisioneiros de um vício que ameaça matá-los. A dependência afetou seus corpos, suas vidas, suas famílias. A droga os escraviza e os desfigura a seus próprios olhos, mergulhando-os em abominável depressão e solidão.
O coração de Frei Hans foi movido pela compaixão diante desse drama. E breve tinha junto a ele outros homens, como Nelson Rosendo, jovem leigo consagrado, dos focolare, e mulheres que se dispunham a deixar de lado ambições e planos de futuro para consagrar-se inteiramente à recuperação dos dependentes. Dessa entrega gratuita, dessa oblação amorosa e sem retorno de várias vidas, nasceu a Fazenda Esperança. Com diuturna rotina de oração e trabalho e dedicação integral vão lentamente resgatando a saúde, a dignidade e a auto-estima daqueles e daquelas que um dia foram bater à porta da fazenda porque desejavam ver-se livres novamente.
Devolver ao ser humano sua dignidade de filho de Deus, sua capacidade de ser pensante que escolhe o rumo da própria vida e toma decisões responsáveis, essa é a razão de existir da Fazenda Esperança. Em todas as suas unidades, o esforço de recuperação é fundamentado na experiência concreta do Evangelho como caminho de mudança de mentalidade e no trabalho como fonte de comunhão e de sustento.
Ali chegará Bento XVI no dia 12. Celebrará a Eucaristia, partilhará com a comunidade, falará aos participantes e aos voluntários. Sua presença de pastor reforçará certamente o ânimo e a esperança de todos aqueles que anseiam por libertação e vida nova. Assim passará o Papa um dia de sua visita ao Brasil junto àqueles que, vítimas de uma cruel ditadura a eles imposta por uma sociedade doente, lutam corajosamente para dela libertar-se.
Como Pedro e João na porta do templo de Jerusalém diante do coxo de nascença, Bento XVI não traz ouro nem prata. Consigo carrega apenas sua identidade de pastor e vigário de Cristo. E um olhar compassivo e uma palavra cheia de autoridade: “Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda!”
- Maria Clara Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
O motivo principal da vinda do Papa ao Brasil é, sem dúvida, a V Conferência do Episcopado Latino-americano, que começará dia 13 de maio em Aparecida, maior santuário mariano do país. É evento de primeira grandeza. Os bispos do continente não se reúnem oficialmente em conferência desde 1992, em Santo Domingo. Aparecida se torna, nestes dias, o objeto maior de atenção da Igreja Universal. Bento XVI fará o discurso de abertura. Por que, então, passar todo o dia anterior na Fazenda Esperança, roubando tempo a um possível e merecido descanso?
A Fazenda Esperança, como o nome mesmo o indica, é uma obra bem inserida no tempo histórico, mas com alcance transcendente e escatológico. Ali se trabalha incessante e incansavelmente para um objetivo cujos frutos muitas vezes não se vêem a curto nem a médio prazo. Ali não se mede o resultado do trabalho por sua eficácia ou pela remuneração ou lucro que gera. Ali se trabalha por uma causa quase perdida, que pela virtude da esperança e o poder da graça pode ser ganha e frutificar até o cêntuplo.
O sonho de Frei Hans Stapel, um franciscano alemão de coração ardente e voz de trovão, começou pequeno. Hoje cresceu e se encontra espalhado em vários pontos do país, começando a implantar-se inclusive em outros países. A obra vai tocar o centro do maior flagelo que assola a humanidade atualmente: a dependência química. Na Fazenda que atende pelo nome de Esperança aportam jovens e não tão jovens de ambos os sexos, que carregam sobre os ombros um fardo insuportável. Estão prisioneiros de um vício que ameaça matá-los. A dependência afetou seus corpos, suas vidas, suas famílias. A droga os escraviza e os desfigura a seus próprios olhos, mergulhando-os em abominável depressão e solidão.
O coração de Frei Hans foi movido pela compaixão diante desse drama. E breve tinha junto a ele outros homens, como Nelson Rosendo, jovem leigo consagrado, dos focolare, e mulheres que se dispunham a deixar de lado ambições e planos de futuro para consagrar-se inteiramente à recuperação dos dependentes. Dessa entrega gratuita, dessa oblação amorosa e sem retorno de várias vidas, nasceu a Fazenda Esperança. Com diuturna rotina de oração e trabalho e dedicação integral vão lentamente resgatando a saúde, a dignidade e a auto-estima daqueles e daquelas que um dia foram bater à porta da fazenda porque desejavam ver-se livres novamente.
Devolver ao ser humano sua dignidade de filho de Deus, sua capacidade de ser pensante que escolhe o rumo da própria vida e toma decisões responsáveis, essa é a razão de existir da Fazenda Esperança. Em todas as suas unidades, o esforço de recuperação é fundamentado na experiência concreta do Evangelho como caminho de mudança de mentalidade e no trabalho como fonte de comunhão e de sustento.
Ali chegará Bento XVI no dia 12. Celebrará a Eucaristia, partilhará com a comunidade, falará aos participantes e aos voluntários. Sua presença de pastor reforçará certamente o ânimo e a esperança de todos aqueles que anseiam por libertação e vida nova. Assim passará o Papa um dia de sua visita ao Brasil junto àqueles que, vítimas de uma cruel ditadura a eles imposta por uma sociedade doente, lutam corajosamente para dela libertar-se.
Como Pedro e João na porta do templo de Jerusalém diante do coxo de nascença, Bento XVI não traz ouro nem prata. Consigo carrega apenas sua identidade de pastor e vigário de Cristo. E um olhar compassivo e uma palavra cheia de autoridade: “Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda!”
- Maria Clara Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
https://www.alainet.org/es/node/120595
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