O que será que brota à flor da pele?
02/06/2007
- Opinión
O que será que dá, que brota à flor da pele, será que dá, que faz os seres humanos se discriminarem pela cor da pele, a lisura do cabelo, ou o grupo étnico de procedência? O que será que faz com que ainda hoje, após tudo que a humanidade avançou em termos de direitos humanos, ainda tenhamos que presenciar discriminações de negros, asiáticos, hispânicos, indígenas e todos aqueles que não pertencem à pretensamente superior raça branca?
Nos Estados Unidos, um sul-coreano tem um surto de loucura e abre fogo dentro de uma universidade matando 32 pessoas. Em sua mensagem desconexa e sem sentido percebe-se o desespero do expatriado que se sente discriminado em seu país de exílio. No dia seguinte, seu irmão e a namorada tiveram que mudar-se, pois, segundo eles, ficaram apavorados com os olhares com que eram fitados pelos brancos.
Na França, os imigrantes que vêm sobretudo da África vão lentamente ocupando a bela e orgulhosa Paris e outras cidades. A periferia de Clichy-sous-Bois pegou fogo em 2005 e permanece o ódio contra o presidente Sarkozy devido a suas infelizes declarações eivadas de racismo naquela ocasião.
Assim como no Primeiro Mundo começa-se a pagar preço sempre mais alto pelas posturas intolerantes com os imigrantes de outras raças que ali chegam em busca de um futuro melhor, o Brasil está pagando a conta de ter tido a macabra glória de ser o último a abolir a escravidão.
Em 1888, a Princesa Isabel assinou um decreto que afirmava não haver mais, dali em diante, escravidão no Brasil. Porém, este ato isolado não teve as conseqüências lógicas e diretas que deveria por não ter havido um acompanhamento e uma seqüência que garantisse que o espírito da lei penetraria nas estruturas econômicas, políticas e sociais.
E o racismo prosseguiu, mais robusto que nunca. Em nosso país, ele nunca se deu por lei, como na África do Sul. Mas existe de fato. Aparentemente todos podem usufruir de tudo, mas na prática há lugares onde os negros não vão; há profissões que os negros não exercem; há dimensões da vida social às quais os negros não têm acesso. O fato de os negros e os indígenas serem os mais pobres entre os mais pobres do povo brasileiro é sintoma claro deste descaso histórico que resulta na situação de racismo velado – ou explícito, algumas vezes – que hoje ainda vivemos.
A amarga memória dos pelourinhos e açoites, dos navios negreiros e das humilhações as mais diversas foi recentemente trazida à linha de frente do debate e da opinião pública pela ministra Matilde Ribeiro, titular da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial (Seppir) . Em entrevista à BBC Brasil para lembrar os 200 anos da proibição do comércio de escravos pelo império britânico, tido como o ponto de partida para o fim da escravidão em todo o mundo, ela disse que "não é racismo quando um negro se insurge contra um branco". E acrescentou: "A reação de um negro de não querer conviver com um branco, eu acho uma reação natural. Quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou”.
Questão racial? Questão social? Questão de pele, que brota à flor da pele, pedindo políticas públicas de envergadura e coerência, assim como conscientização pessoal e comunitária gerando atitudes transformadoras que permitam a todos viverem a graça maior que é ser humanos.
- Maria Clara Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "Violência e Religião" (Editora PUC-Rio/Edições Loyola), entre outros livros.
Nos Estados Unidos, um sul-coreano tem um surto de loucura e abre fogo dentro de uma universidade matando 32 pessoas. Em sua mensagem desconexa e sem sentido percebe-se o desespero do expatriado que se sente discriminado em seu país de exílio. No dia seguinte, seu irmão e a namorada tiveram que mudar-se, pois, segundo eles, ficaram apavorados com os olhares com que eram fitados pelos brancos.
Na França, os imigrantes que vêm sobretudo da África vão lentamente ocupando a bela e orgulhosa Paris e outras cidades. A periferia de Clichy-sous-Bois pegou fogo em 2005 e permanece o ódio contra o presidente Sarkozy devido a suas infelizes declarações eivadas de racismo naquela ocasião.
Assim como no Primeiro Mundo começa-se a pagar preço sempre mais alto pelas posturas intolerantes com os imigrantes de outras raças que ali chegam em busca de um futuro melhor, o Brasil está pagando a conta de ter tido a macabra glória de ser o último a abolir a escravidão.
Em 1888, a Princesa Isabel assinou um decreto que afirmava não haver mais, dali em diante, escravidão no Brasil. Porém, este ato isolado não teve as conseqüências lógicas e diretas que deveria por não ter havido um acompanhamento e uma seqüência que garantisse que o espírito da lei penetraria nas estruturas econômicas, políticas e sociais.
E o racismo prosseguiu, mais robusto que nunca. Em nosso país, ele nunca se deu por lei, como na África do Sul. Mas existe de fato. Aparentemente todos podem usufruir de tudo, mas na prática há lugares onde os negros não vão; há profissões que os negros não exercem; há dimensões da vida social às quais os negros não têm acesso. O fato de os negros e os indígenas serem os mais pobres entre os mais pobres do povo brasileiro é sintoma claro deste descaso histórico que resulta na situação de racismo velado – ou explícito, algumas vezes – que hoje ainda vivemos.
A amarga memória dos pelourinhos e açoites, dos navios negreiros e das humilhações as mais diversas foi recentemente trazida à linha de frente do debate e da opinião pública pela ministra Matilde Ribeiro, titular da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial (Seppir) . Em entrevista à BBC Brasil para lembrar os 200 anos da proibição do comércio de escravos pelo império britânico, tido como o ponto de partida para o fim da escravidão em todo o mundo, ela disse que "não é racismo quando um negro se insurge contra um branco". E acrescentou: "A reação de um negro de não querer conviver com um branco, eu acho uma reação natural. Quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou”.
Questão racial? Questão social? Questão de pele, que brota à flor da pele, pedindo políticas públicas de envergadura e coerência, assim como conscientização pessoal e comunitária gerando atitudes transformadoras que permitam a todos viverem a graça maior que é ser humanos.
- Maria Clara Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "Violência e Religião" (Editora PUC-Rio/Edições Loyola), entre outros livros.
https://www.alainet.org/es/node/121508
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