Debate em torno ao etanol durante a conferencia da segurança alimentar
09/07/2007
- Opinión
Fortaleza
Apesar de ter divulgado no início do mês, em conjunto com a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um estudo que detecta um aumento substantivo no preço dos alimentos em função da expansão dos agrocombustíveis no mundo, a FAO, órgão da ONU para agricultura e alimentação, tem defendido o uso da terra para a produção de energia como uma opção econômica principalmente na América Latina.
Segundo o informe Perspectivas Agrícolas 2007-2016 OCDE-FAO, “o uso crescente de cereais, cana de açúcar, sementes oleaginosas e óleos vegetais para produzir substitutos dos combustíveis fósseis” é um fenômeno que está elevando os preços dos grãos e, de forma indireta através do encarecimento da ração, dos produtos de origem animal. Segundo o documento, a alta dos preços dos produtos agrícolas é “motivo de preocupação para os países importadores, bem como para as populações urbanas pobres”.
Apesar deste diagnóstico, o diretor da FAO para a América Latina, José Graziano da Silva, tem defendido o uso da terra para produção de energia como uma alternativa econômica para a região e principalmente para o Brasil.
Em julho do ano passado, durante um seminário sobre agroenergia no Chile, Graziano afirmou, em discurso para ministros do Brasil, Chile e Argentina, que, “se a transição energética introduz uma sombra de incerteza em outras regiões do mundo, no nosso caso a abundância de terras, o clima, a experiência acumulada, a disponibilidade de mão de obra e a cooperação crescente entre os governos abre uma oportunidade única para fazer da agroenergia o pilar de um projeto de futuro (...). É um novo modelo de desenvolvimento que precisa ser multiplicado e aperfeiçoado em escala continental – tarefa para um esforço de cooperação que tem na FAO, desde já, um aliado pronto para servir e somar”.
Durante a III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, ocorrida na última semana em Fortaleza, Graziano voltou a defender a expansão da agroenergia no Brasil, acompanhada de uma regulação da atividade que confronte os principais problemas ambientais, sociais e trabalhistas intrínsecos à atividade, mas o próprio presidente da FAO, Jaques Diouff, reconheceu que o órgão não tem acúmulo suficiente sobre o tema para apontar soluções para os passivos socioambientais.
Segundo Diouff, a FAO considera a segurança alimentar um problema ético, político e econômico, cuja solução estaria no “acesso dos pobres à terra e aos recursos naturais”; mas caberia aos governos administrar a disponibilidade destes recursos, e fazer com que a produção de alimentos e a de ageoenergia não sejam excludentes.
Questionado sobre a realidade da atividade sucroalcooleira no Brasil, responsável, historicamente, pela concentração de terras, pelo desrespeito às leis trabalhistas e pela perpetuação da pobreza (os pólos canavieiros no Nordeste apresentam um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano do país), Diouff afirmou que o órgão “está estudando o problema e ainda não pode dar a informação necessária”.
Por outro lado, de acordo com Diouff, a expansão da agroenergia é um fato consumado, e função das políticas domésticas lidar com os problemas decorrentes. “Como há demanda [para a agroenergia], vai ser feito. As condições é que terão que ser discutidas”. Em todo caso, avalia, é importante analisar as perspectivas de participação da agricultura familiar neste mercado, questão que será tema de uma conferência internacional programada pela FAO para novembro. A proposta teria sido levada ao governador da Bahia, Jaques Wagner, neste fim de semana, já que a idéia é realiza o evento em Salvador.
Controvérsias
O tema dos agrocombustíveis foi um dos mais controversos nos debates da III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. No primeiro dia do evento, o ex-deputado mexicano e convidado internacional, Victor Soares, fez um relato contundente dos problemas de insegurança alimentar vividos pelo México com a explosão da demanda por agroenergia nos EUA, país que quer dobrar sua produção de etanol de milho até 2017.
“Desde que o México assinou o NAFTA (acordo de livre comércio EUA/México/Canadá), apostou tudo no livre comércio e na exportação. Hoje, com 105 milhões de habitantes, 15% da população mexicana sofre de desnutrição – destes, 30% estão na zona rural e 44% são indígenas. Por outro lado, em função do alimento barato e de péssima qualidade imposto pela industria de alimentos americana, o México é o segundo país do mundo com mais problemas de obesidade. Com a exportação do milho para os EUA, a tortilla, principal alimento do país, aumento 100%.” afirmou Soares.
Segundo a conselheira do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), Maria Emília Paheco, que coordena o programa de segurança alimentar da ONG Fase, o que está em jogo neste debate é o modelo de desenvolvimento que será adotado no país. Para ela, antes de investir no planejamento da expansão do agronegócio canavieiro com base no discurso “ha muita terra agriculturável disponível”, o governo teria que cumprir com obrigações constitucionais anteriores, como demarcar os territórios indígenas, quilombolas e das demais populações tradicionais, que, junto com as unidades de conservação, perfazem mais de 25% do território nacional. Apesar de achar que a “propaganda” dos agrocombustíveis feita pela FAO não chegou a interferir nos debates da Conferência, Maria Emília considerou que o órgão aderiu ao embate político sobre a questão, principalmente junto aogoverno.
Entre os movimentos sociais do campo, o tema é tratado como uma questão extremamente delicada. Por um lado, existe um certo consenso de que o programa do biodiesel do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que foi gestado como um projeto de inclusão social da agricultura familiar principalmente no Norte e Nordeste, pode ser uma boa complementação financeira se não intervir na produção de alimentos. Setores da Via Campesina estão discutindo inclusive a proposição de um novo órgão estatal responsável pela normatização da agroenergia, mas a idéia é rejeitada pelo MDA.
Por outro lado, segundo Arnoldo Campos, um dos principais gestores do programa do biodiesel no MDA, o ministério está se preparando para entrar no debate do etanol para defender a entrada da agricultura familiar neste mercado. Segundo ele, a questão é mais complicada do que o programa de biodiesel por conta da logística do etanol, ja que a cana é extremamente perecível e não pode ser armazenada como os grãos do biodiesel. “Mas estamos buscando soluções, como pequenos alambiques que poderiam pré-processar a matéria prima. Mas estamos em fase de estudos”, afirma Campos.
Na prática, porém, segundo Almir Xavier, dirigente do MST em Pernambuco, a viabilidade da cana na pequena propriedade é mínima. É uma cultura de manejo muito penoso, que acaba rendendo cerca de R$ 6 mil/ano a um assentado da Zona da Mata pernambucana, explica. Em alguns casos, acabou se tornando a única opção do assentado, que, por outro lado, chega a passar três meses comendo apenas mandioca. “Ele não dá conta de plantar outras coisas, a cana exige muita dedicação. Isso acaba sendo péssimo para a sua segurança alimentar e nutricional, e para a qualidade de vida em geral”, afirma Xavier.
Fonte: Agencia Carta Maior http://agenciacartamaior.uol.com.br
Apesar de ter divulgado no início do mês, em conjunto com a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um estudo que detecta um aumento substantivo no preço dos alimentos em função da expansão dos agrocombustíveis no mundo, a FAO, órgão da ONU para agricultura e alimentação, tem defendido o uso da terra para a produção de energia como uma opção econômica principalmente na América Latina.
Segundo o informe Perspectivas Agrícolas 2007-2016 OCDE-FAO, “o uso crescente de cereais, cana de açúcar, sementes oleaginosas e óleos vegetais para produzir substitutos dos combustíveis fósseis” é um fenômeno que está elevando os preços dos grãos e, de forma indireta através do encarecimento da ração, dos produtos de origem animal. Segundo o documento, a alta dos preços dos produtos agrícolas é “motivo de preocupação para os países importadores, bem como para as populações urbanas pobres”.
Apesar deste diagnóstico, o diretor da FAO para a América Latina, José Graziano da Silva, tem defendido o uso da terra para produção de energia como uma alternativa econômica para a região e principalmente para o Brasil.
Em julho do ano passado, durante um seminário sobre agroenergia no Chile, Graziano afirmou, em discurso para ministros do Brasil, Chile e Argentina, que, “se a transição energética introduz uma sombra de incerteza em outras regiões do mundo, no nosso caso a abundância de terras, o clima, a experiência acumulada, a disponibilidade de mão de obra e a cooperação crescente entre os governos abre uma oportunidade única para fazer da agroenergia o pilar de um projeto de futuro (...). É um novo modelo de desenvolvimento que precisa ser multiplicado e aperfeiçoado em escala continental – tarefa para um esforço de cooperação que tem na FAO, desde já, um aliado pronto para servir e somar”.
Durante a III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, ocorrida na última semana em Fortaleza, Graziano voltou a defender a expansão da agroenergia no Brasil, acompanhada de uma regulação da atividade que confronte os principais problemas ambientais, sociais e trabalhistas intrínsecos à atividade, mas o próprio presidente da FAO, Jaques Diouff, reconheceu que o órgão não tem acúmulo suficiente sobre o tema para apontar soluções para os passivos socioambientais.
Segundo Diouff, a FAO considera a segurança alimentar um problema ético, político e econômico, cuja solução estaria no “acesso dos pobres à terra e aos recursos naturais”; mas caberia aos governos administrar a disponibilidade destes recursos, e fazer com que a produção de alimentos e a de ageoenergia não sejam excludentes.
Questionado sobre a realidade da atividade sucroalcooleira no Brasil, responsável, historicamente, pela concentração de terras, pelo desrespeito às leis trabalhistas e pela perpetuação da pobreza (os pólos canavieiros no Nordeste apresentam um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano do país), Diouff afirmou que o órgão “está estudando o problema e ainda não pode dar a informação necessária”.
Por outro lado, de acordo com Diouff, a expansão da agroenergia é um fato consumado, e função das políticas domésticas lidar com os problemas decorrentes. “Como há demanda [para a agroenergia], vai ser feito. As condições é que terão que ser discutidas”. Em todo caso, avalia, é importante analisar as perspectivas de participação da agricultura familiar neste mercado, questão que será tema de uma conferência internacional programada pela FAO para novembro. A proposta teria sido levada ao governador da Bahia, Jaques Wagner, neste fim de semana, já que a idéia é realiza o evento em Salvador.
Controvérsias
O tema dos agrocombustíveis foi um dos mais controversos nos debates da III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. No primeiro dia do evento, o ex-deputado mexicano e convidado internacional, Victor Soares, fez um relato contundente dos problemas de insegurança alimentar vividos pelo México com a explosão da demanda por agroenergia nos EUA, país que quer dobrar sua produção de etanol de milho até 2017.
“Desde que o México assinou o NAFTA (acordo de livre comércio EUA/México/Canadá), apostou tudo no livre comércio e na exportação. Hoje, com 105 milhões de habitantes, 15% da população mexicana sofre de desnutrição – destes, 30% estão na zona rural e 44% são indígenas. Por outro lado, em função do alimento barato e de péssima qualidade imposto pela industria de alimentos americana, o México é o segundo país do mundo com mais problemas de obesidade. Com a exportação do milho para os EUA, a tortilla, principal alimento do país, aumento 100%.” afirmou Soares.
Segundo a conselheira do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), Maria Emília Paheco, que coordena o programa de segurança alimentar da ONG Fase, o que está em jogo neste debate é o modelo de desenvolvimento que será adotado no país. Para ela, antes de investir no planejamento da expansão do agronegócio canavieiro com base no discurso “ha muita terra agriculturável disponível”, o governo teria que cumprir com obrigações constitucionais anteriores, como demarcar os territórios indígenas, quilombolas e das demais populações tradicionais, que, junto com as unidades de conservação, perfazem mais de 25% do território nacional. Apesar de achar que a “propaganda” dos agrocombustíveis feita pela FAO não chegou a interferir nos debates da Conferência, Maria Emília considerou que o órgão aderiu ao embate político sobre a questão, principalmente junto aogoverno.
Entre os movimentos sociais do campo, o tema é tratado como uma questão extremamente delicada. Por um lado, existe um certo consenso de que o programa do biodiesel do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que foi gestado como um projeto de inclusão social da agricultura familiar principalmente no Norte e Nordeste, pode ser uma boa complementação financeira se não intervir na produção de alimentos. Setores da Via Campesina estão discutindo inclusive a proposição de um novo órgão estatal responsável pela normatização da agroenergia, mas a idéia é rejeitada pelo MDA.
Por outro lado, segundo Arnoldo Campos, um dos principais gestores do programa do biodiesel no MDA, o ministério está se preparando para entrar no debate do etanol para defender a entrada da agricultura familiar neste mercado. Segundo ele, a questão é mais complicada do que o programa de biodiesel por conta da logística do etanol, ja que a cana é extremamente perecível e não pode ser armazenada como os grãos do biodiesel. “Mas estamos buscando soluções, como pequenos alambiques que poderiam pré-processar a matéria prima. Mas estamos em fase de estudos”, afirma Campos.
Na prática, porém, segundo Almir Xavier, dirigente do MST em Pernambuco, a viabilidade da cana na pequena propriedade é mínima. É uma cultura de manejo muito penoso, que acaba rendendo cerca de R$ 6 mil/ano a um assentado da Zona da Mata pernambucana, explica. Em alguns casos, acabou se tornando a única opção do assentado, que, por outro lado, chega a passar três meses comendo apenas mandioca. “Ele não dá conta de plantar outras coisas, a cana exige muita dedicação. Isso acaba sendo péssimo para a sua segurança alimentar e nutricional, e para a qualidade de vida em geral”, afirma Xavier.
Fonte: Agencia Carta Maior http://agenciacartamaior.uol.com.br
https://www.alainet.org/es/node/122170
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