A perfeita alegria
07/10/2007
- Opinión
A alegria anda desaparecida dos lábios e corações humanos. É tão triste e desolador o panorama mundial; tão insana a luta diária pela sobrevivência e o ganho suado do pão de cada dia. É tão decepcionante todo o esforço contínuo e diuturno por relações humanas que se revelarão na próxima esquina traidoras, desonestas, infrutíferas. É tanto e tudo e mais, que a alegria pura, que jorra com frescor e transparência parece distante, longínqua e mesmo inalcançável.
No dia 4 de outubro celebrou-se a festa de um santo que nos ensina que a alegria – esse artigo raro – pode ser encontrada bem perto, mesmo ao lado. Francisco de Assis, burguês filho de rico comerciante, despiu-se um dia em plena praça para declarar seu amor a Jesus Cristo. E desde aí empreendeu um caminho que o levou aos braços da verdadeira alegria. Alegre e maravilhado com a vida, seu testemunho fala alto ainda hoje aos homens e mulheres do novo milênio.
Um dia Francisco deu a um leproso uma esmola e um beijo. Essa doação dos bens e dos afetos introduziu-o como noviço na escola da perfeita alegria que, no entanto, o levaria por caminho bem diferente daquilo que a lógica humana entende.
Seus sentidos e sua corporeidade afinavam-se à beleza do criado de maneira a sentir-se irmão de tudo e de todos. Vivendo uma fraternidade universal, Francisco apaixonava-se por tudo o que existia e respirava: do lobo ao cordeiro, da água à terra, da vida à morte. Seu olhar maravilhado transformava em canto de louvor toda experiência de vida por mais simples que fosse. Tudo se transfigurava e se revelava grávido do Espírito divino diante de seu coração extasiado.
Por outro lado, seu desejo crescia em ardor e intensidade pela pobreza que o despojava paulatina e radicalmente de toda posse e todo bem. Sedutora como uma bela mulher, a Dama Pobreza conduzia suavemente Francisco em seu caminho descendente de despojamento até chegar ao fundo mais profundo da condição humana, onde o esperava o rosto de seu Senhor feito pobre com os pobres em sua Encarnação e Cruz.
Assim é que a vida de Francisco foi marcada por várias rupturas: era rico e rompeu com a riqueza; rompeu com o pai para viver desatado de todos os laços, mesmo os mais legítimos; rompeu com o orgulho e a avareza, para assumir um modo de vida fundamentado na caridade e na humildade. Em um mundo hierárquico, propôs uma solidariedade horizontal na mais absoluta simplicidade.
E foi aí neste “não ter” nem “ser” nada neste mundo que Francisco encontrou a alegria. Seria doente? Masoquista? Louco? Parece que não, pois até hoje não apareceu sobre a terra homem mais alegre do que Francisco de Assis. Todas essas rupturas, Francisco as fez para abraçar um grande amor. Seu grande amor era Jesus, por quem o Pobrezinho de Assis se apaixonou de tal maneira que terminou por assemelhar-se a ele inclusive nas chagas da Paixão.
A Frei Leão, ensinando o que era a perfeita alegria, Francisco mostrou o caminho da caridade humilde que “tudo crê, tudo espera e tudo suporta”. A única tristeza de sua vida era que o Amor não era amado. Para amar esse que é a fonte do Amor, Francisco a tudo deixou e com tudo rompeu. Ao final desse caminho, esperava-o a comunhão maravilhada com toda a criação. E também a perfeita alegria de saber que a pobreza, a humildade e a caridade em meio a todas as tribulações são o que realmente torna o ser humano livre. Desta liberdade feita de renúncia a tudo que não seja Deus jorra a perfeita alegria, que nada nem ninguém pode extirpar.
Que Francisco de Assis, homem do milênio, nos ensine a construir um mundo feito desta alegria livre e apaixonada, fruto de despojamento, sobriedade, simplicidade e capacidade sem fim de maravilhar-se.
- Maria Clara Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco)
No dia 4 de outubro celebrou-se a festa de um santo que nos ensina que a alegria – esse artigo raro – pode ser encontrada bem perto, mesmo ao lado. Francisco de Assis, burguês filho de rico comerciante, despiu-se um dia em plena praça para declarar seu amor a Jesus Cristo. E desde aí empreendeu um caminho que o levou aos braços da verdadeira alegria. Alegre e maravilhado com a vida, seu testemunho fala alto ainda hoje aos homens e mulheres do novo milênio.
Um dia Francisco deu a um leproso uma esmola e um beijo. Essa doação dos bens e dos afetos introduziu-o como noviço na escola da perfeita alegria que, no entanto, o levaria por caminho bem diferente daquilo que a lógica humana entende.
Seus sentidos e sua corporeidade afinavam-se à beleza do criado de maneira a sentir-se irmão de tudo e de todos. Vivendo uma fraternidade universal, Francisco apaixonava-se por tudo o que existia e respirava: do lobo ao cordeiro, da água à terra, da vida à morte. Seu olhar maravilhado transformava em canto de louvor toda experiência de vida por mais simples que fosse. Tudo se transfigurava e se revelava grávido do Espírito divino diante de seu coração extasiado.
Por outro lado, seu desejo crescia em ardor e intensidade pela pobreza que o despojava paulatina e radicalmente de toda posse e todo bem. Sedutora como uma bela mulher, a Dama Pobreza conduzia suavemente Francisco em seu caminho descendente de despojamento até chegar ao fundo mais profundo da condição humana, onde o esperava o rosto de seu Senhor feito pobre com os pobres em sua Encarnação e Cruz.
Assim é que a vida de Francisco foi marcada por várias rupturas: era rico e rompeu com a riqueza; rompeu com o pai para viver desatado de todos os laços, mesmo os mais legítimos; rompeu com o orgulho e a avareza, para assumir um modo de vida fundamentado na caridade e na humildade. Em um mundo hierárquico, propôs uma solidariedade horizontal na mais absoluta simplicidade.
E foi aí neste “não ter” nem “ser” nada neste mundo que Francisco encontrou a alegria. Seria doente? Masoquista? Louco? Parece que não, pois até hoje não apareceu sobre a terra homem mais alegre do que Francisco de Assis. Todas essas rupturas, Francisco as fez para abraçar um grande amor. Seu grande amor era Jesus, por quem o Pobrezinho de Assis se apaixonou de tal maneira que terminou por assemelhar-se a ele inclusive nas chagas da Paixão.
A Frei Leão, ensinando o que era a perfeita alegria, Francisco mostrou o caminho da caridade humilde que “tudo crê, tudo espera e tudo suporta”. A única tristeza de sua vida era que o Amor não era amado. Para amar esse que é a fonte do Amor, Francisco a tudo deixou e com tudo rompeu. Ao final desse caminho, esperava-o a comunhão maravilhada com toda a criação. E também a perfeita alegria de saber que a pobreza, a humildade e a caridade em meio a todas as tribulações são o que realmente torna o ser humano livre. Desta liberdade feita de renúncia a tudo que não seja Deus jorra a perfeita alegria, que nada nem ninguém pode extirpar.
Que Francisco de Assis, homem do milênio, nos ensine a construir um mundo feito desta alegria livre e apaixonada, fruto de despojamento, sobriedade, simplicidade e capacidade sem fim de maravilhar-se.
- Maria Clara Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco)
https://www.alainet.org/es/node/123627
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