Transposição vai concentrar água, dizem especialistas
15/02/2008
- Opinión
Brasília (DF)
Audiência no Senado sobre o megaempreendimento no rio São Francisco é marcada por divisão de opiniões; técnicos alertam que projeto não distribuirá água e defendem combate à indústria da seca; e Ciro Gomes reconhece que a transposição abastecerá apenas os açudes já existentes.
Divergências e tensão marcaram a audiência pública sobre a transposição do Rio São Francisco realizada nesta quinta-feira (14) no Senado Federal. Muitos desses momentos foram protagonizados pelo deputado federal Ciro Gomes (PSB/CE), árduo defensor do projeto, que chegou a interpelar de forma ríspida o bispo de Barra, na Bahia, Dom Luiz Cappio e a atriz Letícia Sabatella, presentes na reunião. Para o parlamentar e ex-ministro da Integração Nacional, “o monopólio da boa-fé não pertence aos críticos do projeto”. Exaltado, Ciro chegou a se desculpar com o bispo de Barra após destratá-lo.
No entanto, durante a audiência, Ciro Gomes confirmou o que boa parte dos críticos do projeto afirma: o projeto de transposição não atenderá à maioria da população difusa do Semi Árido, que enfrenta dificuldades com a falta de água para sobreviver. Em vez disso, servirá para garantir a perenidade dos reservatórios já existentes no Nordeste.
Para Luciano Silveira, da Articulação do Semi Árido (Asa Brasil), essa afirmação ratifica uma das características do projeto: a de não distribuir a água para quem realmente precisa. “São 2 milhões de unidades familiares que sofrem com a seca. O que temos é uma concentração de terras e água. O problema que assola é de natureza política. As ofertas concentradas (de água) nunca vão atender as demandas difusas. Há uma crise de percepção de realidade: a seca não se combate, convive-se”, disse.
A concepção utilizada pelo deputado cearense também foi enfatizada por outros ambientalistas. Segundo José Henrique Cortez, ambientalista e coordenador do portal EcoDebate, é preciso desmistificar o imaginário dos dois eixos de transposição. “No eixo Norte, o projeto nada muda. Não altera o desespero da população. É preciso uma distribuição e capitalização das águas, mudar o modelo de gestão. No eixo Leste, em regiões como Campina Grande (PB), que realmente precisa de água, existem mecanismos mais simples, como os citados no Atlas da Agência Nacional de Águas (baseado em cisternas e mecanismos de convivência com o Semi-Árido) para resolver o problema”, afirmou.
Também participaram da audiência, o ministro da Integração Nacional, Geddel Lima e outros integrantes da ONG Humanos Direitos além de Letícia Sabatella, como os atores Osmar Prado e Carlos Vereza. Sabatella chegou a se emocionar ao afirmar que “esperava que a audiência não fosse um teatro”. Prado também se comoveu ao lembrar o jejum de Dom Cappio, o que silenciou o plenário. Carlos Vereza, por sua vez, disse que não tem confiança no governo com relação às motivações com o projeto de transposição. “Me perdoem, mas não confio na atual estrutura governamental, ela não passa confiabilidade. Como não passam confiabilidade os cartões corporativos e os gastos pessoais", disse o ator que interpretou o senador Caxias na novela global “O Rei do Gado”.
Embate
De acordo com Apolo Lisboa, coordenador do projeto Manuelzão, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas da Universidade Federal de Minas Gerais, somente os técnicos do Ministério da Integração Nacional se colocam a favor do projeto. “Ninguém aprova a transposição dentro das universidades”, afirmou. Ele citou o equívoco de se considerar a seca como um fenômeno de falta de água. “A seca é concentração de água. Por que não se distribui a água que já está nos açudes? Não discutimos o mérito da transposição. O Brasil precisa derrotar a indústria da seca”, reclamou.
O professor e doutor em Hidrologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), João Abner, também criticou com veemência o projeto encampado por Lula. “O projeto do governo é imaginário. A transposição faz transferência de água para grandes estoques de água em áreas de grande porte. Não existe recurso e nem infra-estrutura para a distribuição dessas águas”, disse.
“A água que sairá do São Francisco irá irrigar rios perenes e os grandes reservatórios do Nordeste como Castanhão, Mãe D'Água e Engenheiro Armando Gonçalves. Equivalerá a ' chover no molhado', pois os grandes beneficiários não serão as populações das regiões onde a seca realmente existe, mas os megaprojetos de fruticultura e da cultura do camarão”, complementou.
Por outro lado, personalidades que são favoráveis à transposição também fizeram suas argumentações. Para o arcebispo da Paraíba, Dom Aldo Pagotto, as águas do São Francisco não são para o agronegócio e que o controle social cabe à população. “Vamos fazer uma mobilização popular favorável ao projeto em Monteiro na Paraíba no próximo dia 12 de março” prometeu. Já o deputado federal Marcondes Gadelha (PSB/PB) considera o projeto “o mais seguro do ponto de vista ambiental” já que “ é o único que vem casado com uma revitalização”.
Fonte: Brasil de Fato
http://www.brasildefato.com.br
Audiência no Senado sobre o megaempreendimento no rio São Francisco é marcada por divisão de opiniões; técnicos alertam que projeto não distribuirá água e defendem combate à indústria da seca; e Ciro Gomes reconhece que a transposição abastecerá apenas os açudes já existentes.
Divergências e tensão marcaram a audiência pública sobre a transposição do Rio São Francisco realizada nesta quinta-feira (14) no Senado Federal. Muitos desses momentos foram protagonizados pelo deputado federal Ciro Gomes (PSB/CE), árduo defensor do projeto, que chegou a interpelar de forma ríspida o bispo de Barra, na Bahia, Dom Luiz Cappio e a atriz Letícia Sabatella, presentes na reunião. Para o parlamentar e ex-ministro da Integração Nacional, “o monopólio da boa-fé não pertence aos críticos do projeto”. Exaltado, Ciro chegou a se desculpar com o bispo de Barra após destratá-lo.
No entanto, durante a audiência, Ciro Gomes confirmou o que boa parte dos críticos do projeto afirma: o projeto de transposição não atenderá à maioria da população difusa do Semi Árido, que enfrenta dificuldades com a falta de água para sobreviver. Em vez disso, servirá para garantir a perenidade dos reservatórios já existentes no Nordeste.
Para Luciano Silveira, da Articulação do Semi Árido (Asa Brasil), essa afirmação ratifica uma das características do projeto: a de não distribuir a água para quem realmente precisa. “São 2 milhões de unidades familiares que sofrem com a seca. O que temos é uma concentração de terras e água. O problema que assola é de natureza política. As ofertas concentradas (de água) nunca vão atender as demandas difusas. Há uma crise de percepção de realidade: a seca não se combate, convive-se”, disse.
A concepção utilizada pelo deputado cearense também foi enfatizada por outros ambientalistas. Segundo José Henrique Cortez, ambientalista e coordenador do portal EcoDebate, é preciso desmistificar o imaginário dos dois eixos de transposição. “No eixo Norte, o projeto nada muda. Não altera o desespero da população. É preciso uma distribuição e capitalização das águas, mudar o modelo de gestão. No eixo Leste, em regiões como Campina Grande (PB), que realmente precisa de água, existem mecanismos mais simples, como os citados no Atlas da Agência Nacional de Águas (baseado em cisternas e mecanismos de convivência com o Semi-Árido) para resolver o problema”, afirmou.
Também participaram da audiência, o ministro da Integração Nacional, Geddel Lima e outros integrantes da ONG Humanos Direitos além de Letícia Sabatella, como os atores Osmar Prado e Carlos Vereza. Sabatella chegou a se emocionar ao afirmar que “esperava que a audiência não fosse um teatro”. Prado também se comoveu ao lembrar o jejum de Dom Cappio, o que silenciou o plenário. Carlos Vereza, por sua vez, disse que não tem confiança no governo com relação às motivações com o projeto de transposição. “Me perdoem, mas não confio na atual estrutura governamental, ela não passa confiabilidade. Como não passam confiabilidade os cartões corporativos e os gastos pessoais", disse o ator que interpretou o senador Caxias na novela global “O Rei do Gado”.
Embate
De acordo com Apolo Lisboa, coordenador do projeto Manuelzão, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas da Universidade Federal de Minas Gerais, somente os técnicos do Ministério da Integração Nacional se colocam a favor do projeto. “Ninguém aprova a transposição dentro das universidades”, afirmou. Ele citou o equívoco de se considerar a seca como um fenômeno de falta de água. “A seca é concentração de água. Por que não se distribui a água que já está nos açudes? Não discutimos o mérito da transposição. O Brasil precisa derrotar a indústria da seca”, reclamou.
O professor e doutor em Hidrologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), João Abner, também criticou com veemência o projeto encampado por Lula. “O projeto do governo é imaginário. A transposição faz transferência de água para grandes estoques de água em áreas de grande porte. Não existe recurso e nem infra-estrutura para a distribuição dessas águas”, disse.
“A água que sairá do São Francisco irá irrigar rios perenes e os grandes reservatórios do Nordeste como Castanhão, Mãe D'Água e Engenheiro Armando Gonçalves. Equivalerá a ' chover no molhado', pois os grandes beneficiários não serão as populações das regiões onde a seca realmente existe, mas os megaprojetos de fruticultura e da cultura do camarão”, complementou.
Por outro lado, personalidades que são favoráveis à transposição também fizeram suas argumentações. Para o arcebispo da Paraíba, Dom Aldo Pagotto, as águas do São Francisco não são para o agronegócio e que o controle social cabe à população. “Vamos fazer uma mobilização popular favorável ao projeto em Monteiro na Paraíba no próximo dia 12 de março” prometeu. Já o deputado federal Marcondes Gadelha (PSB/PB) considera o projeto “o mais seguro do ponto de vista ambiental” já que “ é o único que vem casado com uma revitalização”.
Fonte: Brasil de Fato
http://www.brasildefato.com.br
https://www.alainet.org/es/node/125725
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