Os horrores dos transgênicos

14/11/2008
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Quando o Príncipe Charles afirmou que milhares de camponeses da Índia estavam se suicidando após utilizarem cultivos GM (transgênicos), foi tachado de alarmista. Em realidade, como este arrepiante relatório revela, é ainda PIOR do que ele temia.

As crianças estavam inconsoláveis. Mudos de medo e lutando por conter as lágrimas, se aconchegavam junto à sua mãe enquanto amigos e vizinhos preparavam o corpo de seu pai para a cremação sobre uma ardente fogueira levantada sobre os gretados e estéreis campos próximos à sua casa.

Enquanto as chamas consumiam o cadáver, Ganjanan, de doze anos, e Kalpana, de quatorze, enfrentavam-se a um futuro sombrio. Embora Shankara Mandaukar tivesse imaginado que seu filho e sua filha teriam uma vida melhor sob o ‘boom’ econômico da Índia, eles têm que enfrentar agora um trabalho de escravos por uma diária miserável. Sem terra e sem lar, cairão na desgraça.

Shankara, camponês respeitado, marido e pai carinhoso, tinha posto fim à sua própria vida. Menos de vinte e quatro horas antes havia bebido uma taça de inseticida devido à perda de suas terras por causa de dívidas. Desesperou-se ao não poder devolver uma dívida equivalente ao lucro de dois anos. Não pôde encontrar solução.

Ainda havia rastros na terra por onde se retorceu em sua agonia. Outros camponeses apenas ficaram olhando a sua contorção dolorosa, pois sabiam por experiência que não tinha sentido intervir, quando se dobrou sobre a terra, gritando de dor e vomitando.

Gemendo, arrastou-se até um banco situado no exterior de seu singelo lar, situado a 180 quilômetros de Napgur, na Índia Central. Uma hora depois, já não se ouvia ruído algum. Tinha deixado de respirar. Às cinco da tarde de um domingo, a vida de Shankara Mandaukar chegou ao fim.

Quando os vizinhos se reuniram para rezar ao redor de sua casa, Nirmala Mandaukar, de 50 anos, contou para todos como voltou correndo do campo para encontrar seu marido morto. “Era um homem afável e carinhoso”, disse chorando brandamente. “Mas já não podia mais. A angústia mental era muito grande. Perdemos tudo”.

A colheita de Shankara fracassou durante dois anos seguidos. Certamente, a fome e a pestilência formam parte da antiga história da Índia.

Mas a culpa da morte deste respeitado camponês tem algo de mais moderno e sinistro: os cultivos geneticamente modificados (GM).


A Shankara, como a milhões de camponeses indianos, tinham-lhe prometido anteriormente insólitas colheitas e ganhos se deixasse de cultivar com as sementes tradicionais e em seu lugar plantasse sementes GM. Mas as colheitas foram um fracasso, e não restaram senão enormes dívidas e nenhum ganho.

Por isso Shankara se converteu em um dos 125.000 camponeses que se suicidaram como conseqüência da desumana campanha que converteu a Índia em um campo de provas dos cultivos geneticamente modificados.

A crise, denominada pelos ativistas de “Genocídio GM”, ganhou notoriedade quando o Príncipe Charles afirmou que a questão das sementes GM se converteu em uma “questão moral global” e que já era hora de pôr fim à sua incontida evolução.

Falando através de vídeo-conferência na capital da Índia, Nova Delhi, enfureceu os dirigentes das companhias dedicadas à biotecnologia e a alguns políticos ao condenar “a taxa verdadeiramente atroz e trágica de suicídios de pequenos camponeses na Índia, produto… do fracasso de muitas das variedades de cultivos GM”.

Poderosos grupos de pressão GM e proeminentes políticos se alinharam contra o Príncipe, afirmando que as sementes geneticamente modificadas transformaram a agricultura da Índia, proporcionando maiores colheitas como nunca houvera.

O resto do mundo, insistem, abraçará esse “futuro” lhe imitando.


Então, quem diz a verdade? Para averiguá-lo, viajei ao “cinturão do suicídio” no estado de Maharashtra.

O que encontrei foi tremendamente inquietante, com graves implicações para os países, incluído o Reino Unido, que torna necessário debater se ao se permitir a plantação de sementes manipuladas pelos cientistas não se está violentando as leis da natureza.

As cifras oficiais do Ministério da Agricultura da Índia confirmam efetivamente que, conformando uma crise humanitária imensa, mais de 1.000 camponeses se suicidam a cada mês.


Gente simples, do campo, que se mata agonizando lentamente. A maioria ingere um inseticida, uma substância que lhes prometeram não necessitariam quando foram coagidos a plantar os caros cultivos GM. Tudo indica, muitos estão muito endividados com os prestamistas locais, havendo-se endividado aos limites para poder comprar essas sementes GM.

Os peritos que estão a favor dos GM afirmam que a pobreza rural, o alcoolismo, as secas e as “preocupações agrícolas” é que são as razões dessa horrorosa quantidade de vítimas.

Mas como descobri durante uma viagem de quatro dias através do epicentro do desastre, essa não é toda a história.

Em um povoado que visitei, 18 camponeses se haviam suicidado depois de que as dívidas dos GM os consumiu. Em alguns casos, as mulheres assumiram o trabalho de seus maridos mortos, só para acabar matando-se também.

Latta Arme, de 38 anos, bebeu inseticida quando suas colheitas fracassaram, dois anos depois de que seu marido desaparecesse quando as dívidas GM transbordaram.

Deixou um filho de dez anos aos cuidados de familiares. “Chora quando pensa em sua mãe”, disse a tia da falecida, completamente desolada, sentada à sombra perto dos campos.

A cada povoado visitado encontrei famílias que contam como foram endividando-se depois de que lhes convenceram a comprar sementes GM em vez das tradicionais sementes do algodão.

A diferença de preço é escandalosa: 10 libras[1] por 100 gramas de sementes GM, comparado com o que custam as sementes tradicionais: menos de 10 libras por mil vezes a quantidade anterior.

Mas os vendedores dos GM e os funcionários do governo tinham prometido aos camponeses que essas eram umas “sementes mágicas”, que produziam melhores colheitas, livres de parasitas e insetos.

Em efeito, para incentivar o consumo de sementes GM, em muitos bancos de sementes do governo se proibiu a venda das variedades tradicionais. O governo indiano, desesperado por superar a devastadora pobreza dos anos posteriores à independência esteve de acordo em permitir que os gigantes das novas biotecnologias, como o líder do mercado americano Monsanto, vendessem suas sementes geneticamente modificadas.

Em troca de permitir que as companhias ocidentais acessassem o segundo país mais populoso do mundo, com mais de um bilhão de habitantes, o Fundo Monetário Internacional concedeu empréstimos à Índia nas décadas de oitenta e noventa, ajudando assim a lançar uma revolução econômica.

Mas enquanto cidades como Mumbai e Nova Delhi avançaram muito, a vida do homem do campo retrocedeu à Idade Média.

Embora as zonas da Índia onde se plantaram sementes GM tenham duplicado o volume de produção em dois anos –até alcançar cerca de 7 milhões de hectares, muitos camponeses pagaram um preço terrível.

Longe de ser umas “sementes mágicas”, as variedades das plantas de algodão GM imune a pestes foram devastadas por uns vermes que atacam os casulos e que são um parasita voraz.

Tampouco disseram aos camponeses que essas sementes requereriam o dobro de irrigação. E isto acabou sendo uma questão de vida ou morte.

 

Por causa da seca sofrida durante os últimos dois anos, muitos cultivos GM atrofiaram e morreram, deixando os camponeses com dívidas pesadas e sem qualquer meio para pagá-las.

Ao ter pedido empréstimos aos prestamistas tradicionais a juros abusivos, centenas de milhares de pequenos lavradores tiveram que enfrentar a perda de suas terras ao fracassar as caras sementes, enquanto que os que ainda podiam lutar se enfrentaram a uma nova crise.

No passado, quando as colheitas fracassavam, os camponeses podiam ainda salvar as sementes e as guardavam para plantar no ano seguinte. Mas com as sementes GM não se pode fazer isso. Isto porque que as sementes GM contêm a denominada “tecnologia de extermínio”, o que significa que foram geneticamente modificadas para que as colheitas resultantes não produzam sementes aproveitáveis.

Como conseqüência, os camponeses têm que comprar novas sementes a cada ano a preços proibitivos. Para muitos, isso significa a diferença entre a vida e a morte.

 

Tomemos o caso de Suresh Bhalasa, outro camponês que foi incinerado esta semana, deixando viúva e dois filhos. Ao cair a noite, uma vez terminada a cerimônia e enquanto os vizinhos saíam de suas casas ao mesmo tempo que as vacas sagradas retornavam dos campos, sua família não duvidava de que seus problemas se originaram no momento em que fora incentivado a comprar Algodão BT, uma planta geneticamente modificada criado pela Monsanto.

“Agora estamos arruinados”, disse a viúva do morto, de 38 anos. “Compramos 100 gramas de sementes de Algodão BT. Nossa colheita fracassou duas vezes. Meu marido se deprimiu muito. Foi ao campo, deitou-se no algodoal e tomou inseticida”.

Os habitantes do povoado o colocaram em um rickshaw[[2] e lhe levaram ao hospital por veredas de cabras. “Gritava que tinha tomado o inseticida e que sentia muitas dores no estômago”, disse, enquanto sua família e vizinhos iam à sua casa expressar a sua solidariedade. “Quando chegaram ao hospital já estava morto”.

Ao perguntarmos se o morto era um “bêbado” ou sofria outros “problemas sociais”, como alegam os funcionários partidários dos GM, o tranqüilo e digno grupo de camponeses respondeu colérico: “Não! Não!”, exclamou um dos irmãos do morto. “Suresh era um bom homem. Enviava os seus meninos ao colégio e pagava seus impostos”.

“Viu-se asfixiado por essas sementes mágicas. Vendem-nos as sementes dizendo que não necessitarão pesticidas caros, mas sim necessitam. Temos que comprar as mesmas sementes à mesma companhia cada ano. Estão nos matando. Por favor, conte ao mundo o que está acontecendo aqui”.

A Monsanto admitiu que a dívida exagerada tinha sido um “fator na tragédia”. Mas, ao assinalar que a produção duplicou nos últimos sete anos, um porta-voz acrescentou que havia outras razões para a recente crise, tais como as “chuvas inoportunas” ou a seca, acrescentando que os suicidas sempre tinham formado parte da vida rural na Índia.

Os funcionários declaram também que as pesquisa dizem que a maioria dos camponeses indianos quer sementes GM, sem dúvida animados pelas agressivas campanhas de marketing.

Durante o curso de minhas averiguações em Maharastra, encontrei-me com três pesquisadores “independentes” rastreando os povos para informar-se sobre os suicídios. Insistiram em que as sementes GM eram apenas 50% mais caras, para terminar admitindo que a diferença era de 1.000%.

Um porta-voz da Monsanto insistiu depois em que suas sementes “só custam o dobro” do preço das sementes “oficiais” que não são GM, mas admitiu que a diferença podia ser imensa se as tradicionais sementes mais baratas fossem vendidas por comerciantes “sem escrúpulos”, que freqüentemente também vendem “falsas” sementes GM, propensas às pragas.

 

Ante os rumores de iminentes indenizações do governo para deter a quebra de onda de suicídios, muitos camponeses disseram que estavam desesperados por conseguir qualquer ajuda. “Queremos superar nossos problemas”, disse um. “Só queremos que nos ajudem para que se acabe esta cadeia de mortes”.

O Príncipe Charles está tão consternado pela grave situação dos suicídios dos camponeses que está montando uma entidade de beneficência, a Fundação Bhumi Vardaan, para ajudar os afetados e promover os cultivos orgânicos indianos em lugar dos GM.

Os camponeses da Índia estão também começando a contra-atacar. Além de tomar como reféns os distribuidores de sementes GM e de organizar protestos maciços, o governo de um dos estados está empreendendo ações legais contra a Monsanto pelos custos exagerados das sementes GM.

Todo isso chega tarde já para Shankara Mandaukar, que tinha 80.000 rúpias (ao redor de 2.900 euros) de dívidas quando tirou a sua vida. “Disse-lhe que poderíamos sobreviver”, disse sua viúva, com seus filhos junto a ela enquanto a escuridão invadia tudo. “Disse-lhe que poderíamos encontrar uma saída. Respondeu-me que preferia morrer”.

Mas a dívida não morreu com a morte de seu marido: a menos que possa encontrar uma forma para devolvê-la, não poderá permitir levar seus filhos à escola. Perderão suas terras, tendo que unir-se às hordas que mendigam por milhares aos lados da estrada por todo este imenso e caótico país.

Exatamente o mais cruel de tudo é que são os jovens os que mais sofrem pelo “Genocídio GM”, a mesma geração que se supunha sair de uma vida de dureza e miséria graças a essas “sementes mágicas”.

 

Aqui, no cinturão suicida da Índia, o custo do futuro geneticamente modificado é homicidamente alto.

 

12 de novembro de 2008.

 

- Andrew Malone, Global Research

 



[1] Cerca de 15 euros (aproximadamente R$ 45,00)

[2] Carro de duas rodas puxado por um homem.

https://www.alainet.org/es/node/130853

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