A tragédia anunciada em Santa Catarina

03/12/2008
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Fenômenos meteorológicos de grande intensidade, despreparo dos governos e falta de políticas de habitação para as cidades brasileiras compõem o retrato da tragédia no estado do Sul. Preocupação aumenta com agravamento do aquecimento global, que deve aumentar a incidência de enxurradas e temporais

A tragédia que assola Santa Catarina nas últimas semanas pode ser uma amostra dos efeitos do agravamento do aquecimento global em todo o mundo. Embora meteorologistas e pesquisadores afirmem que as enxurradas não foram provocadas diretamente pela elevação da temperatura mundial, estimativas apontam que eventos climáticos extremos devem ocorrer mais vezes e com mais intensidade.

O meteorologista do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/INPE) Olívio Bahia do Sacramento explica que as chuvas fortes que atingiram o Estado foram provocadas por dois sistemas meteorológicos fortes e que estiveram na região por muito tempo. De um lado, um grande anti-ciclone atuou sobre o Atlântico, fazendo com que a circulação de ar levasse a umidade do oceano para o continente. Além dos ventos, também havia um vórtice ciclônico que sugou a umidade que estava em superfície e a enviou para camadas superiores, intensificando assim a instabilidade e provocando mais chuva .

Para Sacramento, esses dois fenômenos explicam porque as chuvas, embora normais durante o verão no Sul do Brasil, caíram com tanta intensidade em Santa Catarina. "Infelizmente não havia como evitar. Fazemos uma avaliação diária e já tínhamos enviado avisos sobre chuvas significativas na região, acima de 100 mm. O que não esperávamos eram chuvas acima de 300 mm, como caíram no leste de Santa Catarina. O que podemos fazer é avisar. Não há como segurar a natureza", argumenta.

O pesquisador Antônio Manzi, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), descarta uma influência do desmatamento da Amazônia nas enxurradas que caíram no Estado. Resultados bastante conclusivos mostram que a derrubada da mata altera o clima local, mas no sentido de tornar mais quente e menos úmido. Sobre alterações no regime de chuvas há apenas modelos que apontam um aumento do índice pluviométrico no Centro e no Sul do Brasil e da América Latina, mas pouco conclusivos.

No entanto, Manzi argumenta que numa avaliação mais ampla, é possível relacionar a enxurrada catarinense com as mudanças climáticas globais. Mesmo que ainda não existam dados suficientes, estudos prevêem que as mudanças globais vão amplificar os fenômenos climáticos. "É possível que as mudanças climáticas globais podem ter alguma influência na intensidade do efeito em SC. Embora seja muito difícil afirmar com certeza em um evento único. Mas uma das conseqüências que os modelos prevêem das mudanças climáticas globais é que esses eventos considerados extremos vão acontecer com maior intensidade no futuro", diz.

Má preparação

O despreparo dos governos e das cidades brasileiras para um agravamento dos efeitos do aquecimento global se mostrou gritante na tragédia em Santa Catarina. Grande parte das 116 mortes registradas pela Defesa Civil até a noite do dia 1 foi devido a deslizamentos de terra em conseqüência das fortes chuvas e não diretamente por afogamento nas enchentes.

O meteorologista do CPTEC/INPE Olívio Bahia do Sacramento avalia como necessário pensar em estratégias de antecipação destes fenômenos. "As cidades ainda não estão preparadas para agir em uma situação dessas. Uma, que não há como parar as chuvas, que em grande quantidade vão alagar os rios e as ruas, os barrancos vão deslizar e soterrar casas que estão próximas. O que a Defesa Civil vai fazer? Evacuar cidades inteiras? É uma situação para se avaliar", afirma.

O professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Regional de Blumenau (FURB) Luiz Alberto de Souza acompanha de perto o drama das famílias flageladas. Blumenau, no Vale do Itajaí, é a segunda cidade que mais registrou número de óbitos, 24. Ele também concorda que os governos, tanto das cidades como dos Estados e do próprio país, estão despreparados para esse tipo de acontecimento e defende mais investimento em sistemas de alertas e prevenção, e na infra-estrutura, como a Defesa Civil.
"Acho que o que deve ser realmente pensado é ter a possibilidade de isso ser uma prática mais comum. De termos condições de alerta como acontece nos Estados Unidos com os tornados, que possam fazer com que esse trabalho posterior de limpeza e de reconstrução seja menor. As pessoas ficam nos abrigos, mas eles não estão preparados. São abrigos improvisados. A maioria das pessoas está em escolas com poucos chuveiros, as cozinhas não estão equipadas. Nós realmente não temos um plano de Defesa Civil que dê conta", argumenta. (Colaborou Paula Cassandra)

Fonte: Brasil de Fato

http://www.brasildefato.com.br


 

 

https://www.alainet.org/es/node/131231
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