Um ano de ambigüidades

20/08/2009
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Acordo com o Brasil dá mais fôlego a Fernando Lugo, que chega ao primeiro ano na presidência com contradições e dificuldades em administrar um Estado controlado há décadas pelo Partido Colorado.
 
Após fechar um acordo com o Brasil sobre a energia da binacional Itaipu, o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, fez um pronunciamento solene em frente ao Palácio de Governo. Era 25 de julho. Com menos de um ano de negociações, o país chegava a um acordo esperado há três décadas. Mas a referência ao passado mirava o futuro: próximo de completar os primeiros doze meses na presidência, Lugo recuperava fôlego, calava críticas e abria uma nova etapa para o seu até então fragilizado governo.
 
“Evidentemente que o acordo tranquilizou muito o ambiente. Gerou um ambiente mais propício para o diálogo”, admite Enrique Salim Buzarquis, presidente da Câmara dos Deputados pelo Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA).
 
Lugo, ex-bispo convertido em candidato a presidente por consenso de diferentes movimentos sociais e partidos de esquerda, aliou-se ao tradicional PLRA, instituição com mais de cem anos de existência, e assumiu a presidência do Paraguai em 15 de agosto de 2008 com o desafio de promover “el cambio” num Estado controlado há 60 anos pelo Partido Colorado. A tarefa não vem sendo fácil.
 
Lugo faz um governo ambíguo. Promove avanços nas políticas sociais e no combate à corrupção, além de uma postura séria nas relações internacionais, o que levou não só ao acordo histórico com o Brasil mas a uma nova imagem do país no exterior.
 
“Na luta contra a corrupção, ganhamos um respeito internacional, e em um ano de governo não há nenhum indício de casos de corrupção na presidência e nos ministérios. A segunda conquista é o acordo que conseguimos com Itaipu, que foi histórico”, resumiu o presidente, em entrevista a rádios comunitárias no Equador, durante a última reunião da Unasul (União das Nações Sul-Americanas).
 
Sem rumo
 
Por outro lado, Lugo cede às pressões do agronegócio, vacila em temas estratégicos como a reforma agrária e, para melhorar a atribulada relação com o Congresso, acena aos partidos conservadores.
 
Assim, é forte no Paraguai a ideia de que o presidente não tem uma linha política clara de atuação. “Existem problemas complexos que impedem que ele tenha uma linha de ação mais concreta. O que estamos vendo é uma situação em que, ideologicamente, há sinais à esquerda, sem deixar de dar uma mão à direita”, afirma o sociólogo José Nicolás Morinigo, ex-senador pelo Partido País Solidário, que na última eleição tentou voltar ao Congresso pelo Partido do Movimento ao Socialismo (P-MAS).
 
Ideia que é compartilhada por setores de oposição a Lugo. Héctor Cristaldo, presidente da União de Grêmios de Produtores (UGP), que reúne todas as entidades do agronegócio no país, diz que o governo não tem rumo. “Não há nenhum avanço. Há mais dúvidas que certezas. Um ministro diz uma coisa, no dia seguinte outro ministro lhe contradiz. Não há rumo. É muito difícil trabalhar assim”, afirma.
 
Se de fato o governo não tem rumo, os ruralistas paraguaios colaboraram para isso. Ameaçando com a realização de um “tratoraço”, que por fim não aconteceu, a UGP obrigou Lugo a derrubar seu decreto que regulava a utilização de agrotóxicos. A medida, uma das mais emblemáticas do primeiro ano de gestão, gerou descontentamentos entre os camponeses e mostrou que as dificuldades são muitas e que, ao que parece, Lugo não tem muita disposição para enfrentá-las.
 
“Quem exerce o poder real são as oligarquias, e eles estão trabalhando para manter seus privilégios”, diz o dirigente camponês Belarmino Balbuena. “Estamos preocupados porque houve muitas promessas, mas não sabemos se Lugo está mais próximo da direita ou da esquerda. O que se nota até hoje é que a direita está rodeando o governo”, avalia.
 
Como prega sua formação católica, Lugo parece não ter mesmo vocação para o conflito. Recentemente, lançou a ideia de realizar uma consulta popular e recuou após a reação negativa do Congresso e da imprensa, deixando para que os setores de esquerda levassem adiante a proposta. Derrotada no Parlamento a aprovação do Imposto de Renda, que não existe no Paraguai, o presidente iniciou uma aproximação que incluiu diálogos com o Partido Colorado e com o UNACE, partido do general Lino Oviedo.
 
Realidade complexa
 
Por outro lado, essa postura pode ser a mais adequada diante da complexa realidade política paraguaia, com marcas profundas das seis décadas de domínio do Partido Colorado, tradição recente de golpes e uma polaridade expressa na emergência de um suposto grupo guerrilheiro chamado Exército do Povo Paraguai (EPP), cuja existência, mesmo duvidosa, tumultua o ambiente político no país.
 
No episódio do reconhecimento de seu filho – as outras duas denúncias ainda não se confirmaram –, Lugo teve sua credibilidade abalada e foi ameaçado inclusive de impeachment. O próprio vice-presidente, Federico Franco, do PLRA, contribui para a instabilidade do governo. Recentemente, diante de rumores de que o presidente estaria doente, Franco respondeu simplesmente que estava pronto para assumir.
 
Transformando o “antichavismo” no “anticomunismo” do século 21, a direita paraguaia acossa o governo Lugo. A política econômica é conservadora e a reforma agrária será deliberadamente lenta. “Nenhum país na América Latina fez uma reforma agrária que tenha levado um ano, cinco anos. Nosso plano de reforma agrária termina em 2023”, disse o próprio presidente, no Equador.
 
Sem condições ou mesmo disposição para grandes rupturas, Lugo prioriza o fortalecimento de políticas sociais, para combater a pobreza no país, mas, ao mesmo tempo, não consegue controlar a Polícia Nacional, que segue reprimindo manifestações camponesas, como nos últimos governos. Transformar o Estado paraguaio não é uma tarefa a ser concluída em um ano de governo.
 
Por isso, o presidente parece apostar em transformações possíveis nas instituições. Aos poucos, vai testando a possibilidade de uma reforma na Constituição, algo que ainda está no horizonte distante.
 
Novo fôlego
 
Passada a turbulência dos primeiros meses de governo, e fortalecido com o acordo obtido com o Brasil – politicamente importante, mas que também representará um acréscimo considerável no orçamento do país –, Fernando Lugo tem um pouco mais de fôlego para levar adiante essas mudanças.
 
No meio desse complicado jogo político, a frágil esquerda paraguaia começa um processo de unidade para respaldar transformações mais profundas. Não está em discussão se o governo está em disputa ou não. Ambíguo e conciliador, assim é o governo Lugo.
 
“Esse é o Lugo, não é mais nem menos do que é. E ele somente vai ter posições políticas mais fortes quando o movimento popular unificado exija com maior força e conduza este processo. Se não, não há disputa”, afirma Rocío Casco, presidente do P-MAS.
 
Para ela, é preciso compreender as contradições do processo paraguaio e aproveitar o momento para se organizar: “Não vai ser um governo socialista, mas, compreendendo a história paraguaia, podemos ter alguns avanços. Não que as pessoas vão confiar nas instituições burguesas, mas que olhem o socialismo como uma opção real de mudança. Se nós conseguirmos avançar nesses objetivos, podemos dizer muito obrigado, presidente Lugo”.
 
Daniel Cassol é Correspondente de Brasil de Fato em Assunção (Paraguai)
 
Fonte: Brasil de Fato
https://www.alainet.org/es/node/135942
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