Em 5 anos, ENFF forma mais de 16.000 estudantes da classe trabalhadora

12/02/2010
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Escola construída por trabalhadores sem-terra se consolida como espaço de formação política da militância social

"Florestan está vivo nesta escola mais do que nunca. Aqui é a nossa casa!”, declarou, visivelmente emocionada, a professora de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), Heloisa Fernandes, filha de Florestan, patrono da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF). Sua emoção foi compartilhada com cerca de 500 militantes, amigos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de outros movimentos sociais e partidos políticos, durante a celebração dos 5 anos da escola, no dia 6, em Guararema (SP).

A atividade – que teve início com um seminário sobre “O papel da formação política e ideológica no atual momento histórico: desafios e possibilidades”, com Ademar Bogo, da coordenação nacional do MST, Isabel Monal, educadora e filósofa cubana; e Luiz Carlos de Freitas, professor da Faculdade de Educação da Unicamp – não podia ser comemorada de outra forma: com estudo e militância. Afinal, mais de 16000  (dos quais metade mulheres) passaram por ali, vindos de mais de cem entidades da classe trabalhadora do Brasil e da América Latina. 

Bogo destacou que a ENFF é uma grande conquista dos trabalhadores. Para ele, a escola cumpre um papel de articulação das forças de esquerda, que estão em um momento de fragmentação. “Não havia uma convocação para essas organizações. Somos convocados para vir à ENFF por Florestan Fernandes e pelos problemas sociais”, disse. O dirigente do MST encerrou sua fala afirmando: “para nós é um grande prazer estar comemorando os 5 anos da nossa escola. Com todas as limitações e contradições, a ENFF é uma fonte, e com cuidado, manteremos sua água limpa”. 

A cubana Isabel Monal ressaltou a importância de “aprendermos com as experiências históricas”. Para ela, um ponto de partida para o socialismo pode ser a comunidade indígena. E, diante dos graves problemas provocados pelo capitalismo, fez um alerta: “sem socialismo não há salvação para o planeta terra”.

Em sua fala, sobre o atual modelo educacional e o papel da escola, o professor Luiz Carlos de Freitas afirmou que não basta garantir o conhecimento para a classe trabalhadora. Segundo ele, é preciso destruir a estrutura da escola capitalista, baseada na exclusão e subordinação dos trabalhadores. Para Freitas, a escola capitalista é isolada da vida. “A escola capitalista isola a juventude da vida, das contradições sociais. Precisamos formar lutadores, construtores, baseados em conhecimento, realidade e auto-organização”, analisa. 

Solidariedade

O aniversário da escola contou com a participação de diversos colaboradores e amigos de movimentos sociais, como o filósofo Paulo Arantes, o jornalista José Arbex, a socióloga Virgínia Fontes, a psicanalista Maria Rita Kehl, o deputado federal Ivan Valente (Psol-SP), entre outros.

"O MST se mostrou um movimento legitimamente progressista quando nos convidou para trabalhar com psicanálise na ENFF”, afirmou a psicanalista Maria Rita Kehl, que há dois anos desenvolve terapia com um grupo de militantes que moram na escola. Segundo ela, não é verdade a tese de que o movimento é autoritário e funciona na base do medo. “O que existe é um pacto fraterno e solidário entre todos”.

"A ENFF está ajudando a reconstruir a universidade pública”, sustentou o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, ex-presidente do ANDES-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior). Segundo ele, o poder privado está pautando as pesquisas e trabalhos da universidade pública no país. Nesse quadro, a escola demonstra que apenas uma educação baseada no espírito público pode garantir o avanço do país.

O deputado federal Ivan Valente manifestou solidariedade a todos os militantes do MST que estão presos no interior de São Paulo e condenou a criminalização da luta pela reforma agrária. “Essas prisões são políticas”, denunciou o deputado.

Formação

O objetivo da ENFF é ser um espaço de formação superior, pluralista nas mais diversas áreas do conhecimento não só para os militantes do MST, como também de outros movimentos sociais rurais e urbanos, do Brasil e de outros países da América Latina e África. Nesses últimos cinco anos, mais de 16.000 trabalhadores participaram de cursos, seminários e atividades na escola. Há dezenas de parcerias com universidades públicas para graduação em várias áreas, como pedagogia, história, filosofia, além de mestrado e especializações. Ao todo, cerca de 500 professores voluntários passaram pela ENFF, além de cerca de 2.000visitantes do Brasil e do exterior, segundo Geraldo Gasparin, da coordenação da escola.

Além do projeto político-pedagógico, o método aplicado nesses cursos também é um diferencial na escola. Um deles é o da alternância, em que os estudantes permanecem na ENFF alguns dias e depois retornam para seus assentamentos e acampamentos. Nesse período longe da sala de aula, o educando é estimulado a desenvolver tarefas que consolidem a prática a partir do conhecimento teórico adquirido.

Histórico

Apesar de ter sido inaugurada em 23 de janeiro de 2005, a história da ENFF começou nos idos de 1996, quando surgiu a necessidade de se ter um espaço de formação da militância, de troca de experiências e de debate sobre a necessidade de transformação social, o processo de estudo, articulação e intercâmbio entre as organizações de trabalhadores do campo e cidade que lutam por um mundo mais justo.

Segundo Maria Gorete, da coordenação político-pedagógica da ENFF, o objetivo da escola é a apropriação do conhecimento para a transformação desta realidade, deste mundo. “A proposta de construção se inicia a partir de todo um processo do que é de fato o MST, uma construção coletiva a partir da solidariedade e do trabalho voluntário”, completa.

A construção da escola só foi possível graças à aposta do MST na educação e à solidariedade de militantes e organizações sociais de todo o mundo. Os recursos financeiros vieram de doações de quem acreditava no projeto, como o fotógrafo Sebastião Salgado, que cedeu os direitos de suas imagens publicadas no livro “Terra”; o cantor Chico Buarque (que produziu um CD para esse livro) e o escritor português José Saramago (autor do prefácio da obra). A mão-de-obra foi voluntária. Mais de mil militantes de todo o país participaram da construção, organizados em 25 brigadas de construção, vindos de 112 assentamentos e 230 acampamentos. A técnica utilizada na obra foi inovadora. Chama-se solo-cimento e consiste em blocos feitos pelos próprios trabalhadores a partir da prensagem da terra.

Atualmente, a ENFF conta com uma estrutura que inclui salas de aula, alojamentos, refeitório para 200 pessoas sentadas, auditório, sala de cinema, ciranda infantil, áreas de vivência e biblioteca com capacidade para até 40 mil livros.

ENFF em vídeo


Para conhecer um pouco mais da construção e trajetória da Escola Nacional Florestan Fernandes, há um documentário disponível na internet, produzido pelo Ponto de Cultura da ENFF, em parceria com o Pontão de Cultura Rede Cultural da Terra. O vídeo, de 15 minutos, chama-se “ENFF: um sonho em construção” e pode ser assistido no link www.mst.org.br/node/9047.

- Beatriz Pasqualino e Nilton Viana de Guararema (SP. (Com informações da assessoria de imprensa do MST e  Jornal Sem Terra) 
https://www.alainet.org/es/node/139413
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